20 Dezembro 2017
Negros no branco. Chinelos afundados. Camisetas encharcadas. Mãos congeladas. Há uma semana, encontraram cinco pessoas originárias de Costa do Marfim, em uma temperatura de cinco graus negativos, debaixo da marquise de uma central elétrica, a 1.008 metros de altitude, 80 centímetros de neve, abraçados na ilusão de não congelarem. Outra noite, havia uma mulher grávida com o bebê nos braços.
A reportagem é de Francesco Battistini, publicada no jornal Corriere della Sera, 19-12-2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Agora, eles passam a um ritmo de 30 por dia. Basta o WhatsApp de um que conseguiu, e todos fogem dos centros de acolhida italianos. Não é preciso cruzar o Brenner? Nada de Ventimiglia?
A nova rota é escalar os portões do Piemonte e descer os vales da região: 693 em 2015, dez vezes mais em 2016, já eram 3.500 neste verão europeu. Alpes Express. Não há necessidade de contrabandistas da neve – apenas alguns que se fazem de contrabandistas, “200 euros e eu levo você” –, todos confiam em algum voluntário ou nos moradores de bom coração: em Névache, a localidade se organizou com comida e cobertores, irritando o governo de Paris (“Por que disponibilizar para eles pontos de ajuda?”) e, por sua vez, recebendo o apoio de muitas ONGs (“Até aos gatos de rua se oferece uma tigela de água”).
A Lampedusa das Cozie é a estação de Briançon, a 10 quilômetros dos Alpes. O mar para chegar até lá é o imenso branco de Montgenèvre. Toda aquela África que nunca viu um floco de neve corre para lá: “Eu não pensava que fosse tão frio”, disse alguém a quem o socorria.
Quando chegar o verão, despontarão alguns cadáveres? “Isso já aconteceu nos últimos anos – diz Michele Belmondo, chefe da Cruz Vermelha em Val di Susa –, e os migrantes eram muito menos. Lembro-me de que a um deles foi preciso amputar os membros em gangrena...”.
Snow people. Da Costa do Marfim às montanhas, eles tentam e tentam novamente. “Não é fácil impedi-los – admite um policial italiano – porque não são pessoas que querem ser socorridas, como no Mediterrâneo. Eles se escondem, fogem. Sem se darem conta de que estão arriscando a vida”.
Da estrada provincial de Melezet até os caminhos que conduzem aos cumes, junto com alguns cartazes artesanais que apontam para a França, eles penduraram sinais com a palavra “Danger” e o alerta em cinco línguas: “A montanha é perigosa no inverno. Há o risco de morrer. Por favor, não tente”.
Inútil. Muitos já têm quem os espere na França. Todos sabem que têm 72 horas para percorrer a Europa: ou vão, ou retornam rapidamente aos centros de acolhida, que, de acordo com a lei italiana, em três dias, são obrigados a recuperar os fugitivos. Ninguém renuncia à oportunidade.
A gendarmeria francesa não é muito sutil, como também em Ventimiglia. Em Briançon, os motoristas dos ônibus para Salice d’Ulzio denunciaram que foram bloqueados pelos agentes e obrigados a carregar gratuitamente os imigrantes algemados: sem identificação, sem um documento, contanto que os levem de volta o mais rápido possível para a Itália... “Não queremos ser contrabandistas – dizem –, o nosso contrato não prevê que devemos transportar essas pessoas. Onde está a nossa segurança?”
Os Alpes estão se tornando o segundo Mediterrâneo, protestaram 300 voluntários nos caminhos da nova rota. Em certo ponto, tiveram que levantar as raquetes de neve, chamando os socorristas: havia um gabonês, semicongelado, debaixo de um abeto.
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De pés descalços na neve: a última rota dos migrantes - Instituto Humanitas Unisinos - IHU