18 Julho 2017
“Uma força de esquerda que pretenda conquistar uma mudança, precisa se comprometer a desobedecer, caso chegue ao governo: desobedecer aos tratados da União Europeia, os ditames da Comissão Europeia e dos credores”, escreve o cientista político Eric Toussaint, porta-voz internacional do Comitê pela Abolição das Dívidas Ilegítimas, uma rede cidadã presente em mais de 30 países do mundo.
“A União Europeia não é reformável. Trata-se de conduzir uma batalha contra essa União Europeia e mostrar aos povos que, sim, há possibilidades utilizando a capacidade de tomar medidas soberanas unilaterais de enfrentamento”, defende Toussaint.
O artigo é publicado por Rebelión, 15-07-2017. A tradução é do Cepat.
Na Europa, sim, há uma alternativa de esquerda radical, de ruptura anticapitalista, de opção internacionalista, anti-imperialista, feminista, ambientalista... Mas, se a esquerda radical, como ocorreu na Grécia, provocar uma frustração, essa janela se abrirá muito mais para a extrema-direita. Uma força de esquerda que pretenda conquistar uma mudança precisa se comprometer a desobedecer, a mobilizar os cidadãos e em buscar a solidariedade entre os povos. Para os países periféricos como a Grécia, a desobediência implica a suspensão do pagamento da dívida para poder ter uma margem de manobra para investir em sua economia. É necessária uma correlação de forças frente aos credores para obrigá-los a se sentar em uma mesa de negociação.
No primeiro turno das eleições presidenciais na França, a coalizão França Insubmissa, liderada por Mélenchon, ficou a apenas 1,7% dos votos para passar ao segundo turno. Nos Estados Unidos, se Bernie Sanders tivesse sido o candidato para enfrentar Donald Trump, teria vencido as eleições. Na Grã-Bretanha, só faltaram ao Partido Trabalhista de Corbyn 800.000 votos para vencer o Partido Conservador. Corbyn fez uma campanha muito de esquerda, de ruptura total em relação à orientação de Blair, optando por uma orientação internacionalista do Brexit e uma campanha econômica de renacionalização. Na parte britânica da Irlanda, o Sinn Fein passou de 4 para 7 deputados. Ou seja, na Europa. Mantém-se uma janela amplamente aberta para uma orientação de esquerda radical, de ruptura anticapitalista, de opção internacionalista, anti-imperialista, feminista, ambientalista... Mas se a esquerda radical, como ocorreu na Grécia, provocar uma frustração, essa janela se abrirá muito mais para a extrema-direita.
A partir de maio de 2015, governos de mudança chegaram ao poder em nível de Estado espanhol. O problema é a capacidade que o Estado possui, em todos os seus níveis, para absorver a esquerda radical. A margem de obra dos municípios é muito limitada: a quantidade de serviços que poderiam ser remunicipalizados é tremendamente limitada, já que por causa da obrigação de pagar a dívida, não podem reinvestir em remunicipalizar de maneira importante estes serviços.
Em Cádiz, aconteceu o II Encontro Municipalista contra a Dívida Ilegítima e os Cortes. Esta iniciativa provém de um manifesto radical que reivindica uma auditoria da dívida para determinar a parte ilegítima. Ao mesmo tempo, convoca-se os municípios de forte mudança (Agora Madri, Barcelona em Comum,...) para que se unam aos municípios médios e pequenos, estrangulados pela dívida, para enfrentarem o governo. Se os governos de mudança optarem unicamente por atuar como melhores gestores da miséria das finanças públicas, a perspectiva será frustrante. Se esta boa gestão for combinada com um enfrentamento ao governo, há alternativa.
Uma força de esquerda que pretenda conquistar uma mudança, precisa se comprometer a desobedecer, caso chegue ao governo: desobedecer aos tratados da União Europeia, os ditames da Comissão Europeia e dos credores. O caso grego é o exemplo, claramente, contrário. Tsipras conseguiu ser primeiro-ministro com um apoio popular muito forte, mas apostou em manter uma boa relação com a Comissão Europeia, por meio de negociações: continuando com o pagamento da dívida, seria possível chegar a uma solução. Mas, isso não é possível: a União Europeia não é reformável. O que um governo de mudança, sim, pode fazer, é utilizar a margem de manobra que o apoio popular lhe concede para enfrentar a Comissão Europeia com argumentos de justiça social, de vontade de romper com a austeridade. Ou seja, resta a opção de desobedecer.
Uma segunda lição é que o governo de mudança precisa se comprometer a mobilizar os cidadãos. Tsipras e Varoufakis viajavam não sei quantas vezes por mês e viviam em quartos de hotéis negociando com a Comissão ou com o FMI, sem mobilizar o povo grego, sem convocar aos povos da Europa para se solidarizar com o povo grego, a fim de enfrentar a Comissão Europeia. Se Tsipras tivesse informado, constantemente, sobre o conteúdo real das negociações, se tivesse convocado mobilizações, se tivesse tido disposição para aceitar visitas de organizações populares de outros países, teríamos contado com outra situação. A Grécia, um dos países mais frágeis e periféricos da zona do euro, estava em condições de vencer a batalha contra a Comissão Europeia, começando por declarar uma suspensão de pagamentos.
Tsipras esvaziou o Tesouro Público, exigiu das administrações públicas e das empresas públicas que transferisse sua liquidez ao Banco Central para pagar a dívida. Não tinha dinheiro para iniciar um plano de emergência humanitária em um nível suficientemente amplo. Entre fevereiro e junho de 2015, a Grécia pagou 7 bilhões de dívidas a seus credores, sem receber nenhum centavo de euro em contrapartida. Enquanto isso, o BCE fez tudo o que sua condição lhe permite contra o governo de Tsipras. Primeiro, limitou a liquidez aos bancos gregos, estabelecendo a liquidez de emergência que é muito mais custosa. Alguns meses mais tarde, quando Tsipras convocou o referendo, o BCE fechou totalmente a liquidez, inclusive de emergência. O BCE utilizou todos os mecanismos contra o governo de Tsipras, ao passo que este não utilizou nenhum.
Para países periféricos como a Grécia, a desobediência implica a suspensão do pagamento da dívida para poder contar com uma margem de manobra para investir em sua economia. É necessária uma correlação de forças frente aos credores para obrigá-los a se sentar em uma mesa de negociação.
Seria necessário combinar isto com outras medidas unilaterais: controle de capital, socialização do setor bancário e aumento do déficit fiscal, para aumentar o gasto público. Isto é possível e necessário. É certo que poderia se desembocar na expulsão da zona do euro, embora não exista uma forma legal para isso, já que corresponde a cada país decidir se sai ou não da união monetária. Em minha opinião, antes de sair da zona do euro, resta desobedecer e abrir uma margem de manobra para ativar uma transição na qual há uma possibilidade de acumular forças e manter o apoio popular, utilizando formas de mobilização, participação e auto-organização popular.
É uma opção radical, mas um governo pode assumir essas opções, caso tenha conseguido, de maneira prévia, convencer os cidadãos de que é necessário. Há elementos estratégicos da vida atual em sociedade que precisam ser retransferidos ao setor público. O serviço de saúde, a educação, a energia ou o setor financeiro privado precisam ser públicos. Os poderes públicos precisam ter instrumentos para investir de forma massiva na transição ecológica e isso implica socializar o setor bancário.
A União Europeia não é reformável. Trata-se de conduzir uma batalha contra essa União Europeia e mostrar aos povos que, sim, há possibilidades utilizando a capacidade de tomar medidas soberanas unilaterais de enfrentamento.
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A União Europeia não é reformável, é preciso desobedecer. Artigo de Eric Toussaint - Instituto Humanitas Unisinos - IHU