01 Junho 2017
“Há uma perigosa conjugação, ao redor da acumulação militarizada, dos interesses da classe capitalista transnacional e as questões geopolíticas e econômicas. Quanto mais a economia global passa a depender da militarização e do conflito, cada vez é maior o estímulo à guerra e cada vez são mais altos os riscos para a humanidade”, escreve William I. Robinson, professor de sociologia da Universidade da Califórnia, em Santa Bárbara.
Avaliando o Governo Trump, Robinson adverte que “as reduções de impostos corporativos e a acelerada desregulamentação exacerbará a sobreacumulação e aumentará a propensão do bloco de poder para os conflitos militares”. Também enfatiza que “por trás dos regimes de Trump e do Pentágono, a classe capitalista transnacional busca sustentar a acumulação mediante a expansão da militarização, do conflito e da repressão”.
O artigo é publicado por Rebelión, 31-05-2017. A tradução é do Cepat.
Eis o artigo.
A discreta escalada da intervenção norte-americana no Oriente Médio, nas últimas semanas, chega em um momento no qual o regime de Trump enfrenta um crescente escândalo sobre a suposta ingerência russa em sua campanha eleitoral, em 2016, além dos índices historicamente mais baixos de aprovação para um presidente iniciante e uma resistência cada vez maior entre a população. Os governantes estadunidenses, muitas vezes, lançaram aventuras militares no exterior para desviar a atenção das crises políticas e os problemas de legitimidade em seu interior.
Além da intervenção na Síria, Iraque e Afeganistão, Trump propôs um aumento de 55 bilhões de dólares no orçamento do Pentágono. Ameaçou utilizar a força militar em vários polvorinhos ao redor do mundo, incluindo a Síria, Irã e o Sudeste Asiático, o flanco oriental da OTAN com a Rússia, e a Península da Coreia. Na medida em que surgem centros competidores de poder no sistema internacional, qualquer aventura militar pode desembocar em uma conflagração global, com consequências para a humanidade.
Os jornalistas e comentaristas políticos têm centrado sua atenção na análise geopolítica, em seu esforço para explicar as crescentes tensões internacionais. Por mais importante que seja este enfoque, há profundas dinâmicas estruturais no sistema do capitalismo mundial que impelem os grupos governamentais à guerra. A crise do capitalismo global vem se intensificando, não obstante o otimismo dos economistas tradicionais e as elites estonteadas por índices recentes de crescimento e da repentina inflação dos preços das ações, como resultado da eleição de Trump. Em particular, o sistema enfrenta uma insolúvel crise da sobreacumulação e da legitimidade.
A crise atual, mais que cíclica, é estrutural, o que quer dizer que a única solução é uma reestruturação do sistema. A crise estrutural dos anos 1930 foi resolvida mediante um novo tipo de capitalismo redistributivo, ou seja, a social-democracia, o keynesianismo e o corporativismo. O capital respondeu à crise estrutural, dos anos 1970, com o globalizar-se. A emergente classe capitalista transnacional empreendeu uma vasta reestruturação neoliberal, liberalização comercial e integração da economia mundial.
A globalização facilitou um boom na economia global na última década do século XX, na medida em que os ex-países socialistas se integraram ao mercado global e o capital transnacional, libertado do Estado-nação, empreendeu uma enorme rodada de espoliações e de acumulação, em nível mundial. A classe capitalista transnacional baixou os excedentes anteriormente acumulados e retomou a geração de lucros no emergente sistema globalizado de produção e finanças, mediante a aquisição dos bens privatizados, a extensão dos investimentos em mineração e na agroindústria, a partir do despejo de centenas de milhares de pessoas do campo, no antigo Terceiro Mundo, e uma nova onda de expansão industrial auxiliada pela revolução na Tecnologia da Informática e a Computação.
Não obstante, a globalização capitalista deu lugar a uma polarização social mundial sem precedentes. A agência de desenvolvimento britânico Oxfam informa que apenas 1% da humanidade possui a metade da riqueza do mundo e 20% controlam 95% dessa riqueza, ao passo que os 80% restantes precisam se conformar com apenas 5%.
Dada esta extrema polarização da renda e da riqueza, o mercado global não consegue absorver a produção da economia global. O colapso financeiro de 2008 marcou a arrancada de uma nova crise estrutural da sobreacumulação, que se refere ao fato que o capital acumulado não consegue encontrar saídas rentáveis para o reinvestimento de lucros. Os dados de 2010 apontam, por exemplo, que naquele ano as companhias estadunidenses contavam com 1,8 trilhão de dólares em efetivo não investido. Os lucros corporativos registraram níveis quase recorde, ao mesmo tempo em que o investimento corporativo caiu.
Na medida em que este capital não investido vai se acumulando, crescem enormes pressões para encontrar saídas rentáveis para o excedente. Os grupos capitalistas, e especialmente o capital financeiro transnacional, pressionam os estados a criar novas oportunidades para o investimento rentável. Os estados neoliberais têm recorrido a quatro mecanismos, nos anos recentes, para ajudar a classe capitalista transnacional a baixar o excedente e sustentar a acumulação frente à estagnação.
Um é o assalto e o saque aos orçamentos públicos. As finanças públicas foram reconfiguradas mediante a austeridade, os resgates às corporações, os subsídios estatais ao capital, o endividamento estatal e o mercado global de bônus, tudo o que resulta na transferência direta e indireta de riqueza, por parte dos governos, das classes trabalhistas à classe capitalista transnacional,
Um mecanismo é a expansão do crédito aos consumidores e aos governos, sobretudo nos países ricos, para sustentar o consumo. Nos Estados Unidos, por exemplo, país que foi “o mercado de última instância” para a economia global, o endividamento das famílias da classe operária chegou a nível recorde para todo o período pós-Segunda Guerra Mundial. Os lares norte-americanos tinham uma dívida total, em 2016, de 13 trilhões de dólares em empréstimos estudantis e automobilísticos, em dívidas de cartões de crédito e hipotecas. Enquanto isso, o mercado global de bônus – um indicador da dívida governamental global – há tinha, em 2011, ultrapassado os 100 trilhões de dólares.
Um terceiro mecanismo é a frenética especulação financeira. A economia global foi um gigantesco cassino para o capital financeiro transnacional, ao mesmo tempo em que cresce cada vez mais a distância entre a econômica produtiva e o “capital fictício”. O Produto Mundial Bruto, quer dizer, o valor total dos bens e serviços produzidos em nível mundial, alcançou os 75 trilhões de dólares, em 2015, ao passo que a especulação somente em moedas estrangeiras chegou a 5,3 trilhões por dia, naquele ano, e o mercado global de derivados se estimou em um alucinante 1,2 quatrilhão de dólares.
Estes três mecanismos podem resolver o problema momentaneamente, mas a longo prazo acabam agravando a crise da sobreacumulação. A transferência da riqueza dos trabalhadores ao capital restringe ainda mais o mercado, ao passo que o consumo financiado pelo cada vez mais endividamento e a especulação aumentam a distância entre a economia produtiva e o “capital fictício”. O resultado é uma cada vez maior instabilidade subjacente da economia global. Muitos, agora, consideram que outro colapso é quase inevitável.
No entanto, há outros mecanismos que sustentam a economia global: a acumulação militarizada. Eis, aqui, uma convergência da necessidade que o sistema possui para o controle social e a necessidade que tem para a acumulação perpétua. As desigualdades sem precedentes só podem ser sustentadas pelos sistemas cada vez mais expansivos e ubíquos de controle social e repressão. Contudo, muito em razão das considerações políticas, a classe capitalista transnacional adquiriu um interesse criado na guerra, o conflito, e a repressão como meio em si da acumulação, incluindo a aplicação de amplas novas tecnologias e uma maior fusão da acumulação privada com a militarização estatal.
Enquanto a guerra e a repressão organizada pelo Estado são cada vez mais privatizadas, os interesses de uma ampla variedade de grupos capitalistas mudam o clima político, social e ideológico para a geração e o suporte dos conflitos – assim como no Oriente Médio – e na expansão dos sistemas de guerra, de repressão, de vigilância e de controle social. As assim chamadas guerras contra as drogas, contra o terrorismo, contra os imigrantes; a construção de muros fronteiriços, de centros de detenção dos imigrantes e prisões; a instalação dos sistemas de monitoramento e vigilância em massa, e a extensão das companhias privadas mercenárias e de segurança – tudo isso se converte em principais fontes para a acumulação e geração de lucros.
O estado norte-americano se aproveitou dos ataques de 11 de setembro de 2001 para militarizar a economia global. O gasto militar estadunidense disparou, alcançando bilhões de dólares para travar a “guerra contra o terrorismo”, as invasões e as ocupações do Iraque e Afeganistão. A “destruição criativa” das guerras serve para jogar lenha nas brasas fumegantes de uma economia global estagnada. O orçamento do Pentágono subiu 91% em termos reais, entre 1998 e 2011, e mesmo sem incluir as missões especiais no Iraque, aumentou 50% em termos reais, neste período. Na década de 2001 a 2011, os lucros da indústria militar quase quadruplicaram. Em nível mundial, o gasto militar cresceu 50%, de 2006 a 2015, de 1,4 trilhão a 2,03 trilhões.
A vanguarda da acumulação na economia real ao redor do mundo mudou da Tecnologia da Informática e Computação, antes que estourasse em 1999-2000 a bolha da bolsa de valores para este setor (conhecido como dot-com), para o novo “complexo militar-segurança-industrial-financeiro” – este mesmo complexo também integrado ao conglomerado de alta tecnologia. Este complexo acumulou enorme poder nos corredores do poder em Washington e em outros centros políticos ao redor do mundo. Um emergente bloco de poder que reúne o complexo financeiro global com o complexo militar-segurança-industrial tendeu a se cristalizar, a partir do colapso de 2008. Há uma perigosa conjugação, ao redor da acumulação militarizada, dos interesses da classe capitalista transnacional e as questões geopolíticas e econômicas. Quanto mais a economia global passa a depender da militarização e do conflito, cada vez é maior o estímulo à guerra e cada vez são mais altos os riscos para a humanidade.
Um dia depois do triunfo eleitoral de Trump, o preço das ações da empresa Corrections Corporation of America, a principal empreiteira privada para os centros de detenção dos imigrantes nos Estados Unidos, subiu 40%, dada a promessa eleitoral de Trump em deportar os imigrantes em massa. As grandes empreiteiras militares como Raytheon e Lockheed Martin registram súbitas altas em suas ações todas as vezes em que há um novo surto do conflito no Oriente Médio. Horas depois que a marinha estadunidense bombardeou a Síria com mísseis Tomahawk, no último dia 6 de abril, o valor das ações da Raytheon subiu um bilhão de dólares. Centenas de empresas privadas ao redor do mundo fizeram ofertas para a construção do tristemente famoso muro de Trump na fronteira Estadunidense-Mexicana.
Para além da retórica populista, o programa econômico de Trump constitui o neoliberalismo em esteroides. As reduções de impostos corporativos e a acelerada desregulamentação exacerbará a sobreacumulação e aumentará a propensão do bloco de poder para os conflitos militares. Os militares ativos e aposentados que controlam a maquinaria estadunidense de guerra ocupam numerosos postos no regime de Trump e gozam de cada vez maior autonomia de ação. No entanto, por trás dos regimes de Trump e do Pentágono, a classe capitalista transnacional busca sustentar a acumulação mediante a expansão da militarização, do conflito e da repressão. Somente um contramovimento de baixo e, em longo prazo, um programa para redistribuir a riqueza e o poder para baixo, podem rebater a espiral para cima da conflagração internacional.
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A crise do capitalismo global e a marcha de Trump rumo à guerra - Instituto Humanitas Unisinos - IHU