30 Março 2017
Fé, caridade, diálogo, economia, política: rostos e histórias da Igreja em saída que Bergoglio prega (e vive) desde o início do seu pontificado. No Estado brasileiro do Maranhão, a mobilização contra a poluição e as injustiças se espelha na Laudato si’.
A reportagem é de Alberto Bobbio, publicada na revista Famiglia Cristiana, 28-03-2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
É a história perfeita da economia que mata, da globalização infame, do comércio nefasto que asfixia os povos e esfola a natureza. É a história de uma mina de ferro, a maior do mundo, e de um punhado de homens, mulheres e padres que se opuseram à agressão da vida, conscientes de que o desafio é global. É uma história brasileira e italiana. Porque o ferro da mina de Carajás, no Estado do Maranhão, acaba na Ilva de Taranto.
É por isso que o Papa Francisco insiste, há quatro anos, no rosto brutal da economia. Ele escreveu isso na Laudato si’ e repetiu dias atrás, em uma mensagem aos bispos brasileiros para a Campanha da Fraternidade, denunciando “a agressão à criação de Deus em cada um dos ecossistemas brasileiros”.
Não é fácil, mas eles conseguiram, e a denúncia da vergonhosa pilhagem de uma das maiores multinacionais, a Vale do Rio Doce, brasileira, a segunda no mundo em extração de ferro, primeiro pública e, depois, vendida nos planos de privatização selvagem do governo Fernando Henrique Cardoso, em meados dos anos 1990, está fazendo aumentar a consciência que Bergoglio invoca e, enquanto isso, coloca no centro o papel das populações locais.
Há dois missionários combonianos italianos à frente de um movimento popular que marca de perto a grande indústria extrativista. O Pe. Dario Bossi, de Samarate (Varese), e o Ir. Antonio Soffientini, de Merate (Lecco). Eles trabalham na paróquia de Santa Luzia, em Piquiá de Baixo, bairro de Açailândia, uma das cidades ao longo da Estrada de Ferro Carajás, a ferrovia de 900 quilômetros de sofrimento e lágrimas entre a jazida de ferro mais rica do mundo e o porto de São Luís.
Explica o Pe. Dario: “Passa um trem a cada 25 minutos, de quatro quilômetros de comprimento, três locomotivas, 300 vagões, 80 toneladas por vagão. O valor do minério transportado a cada dia vai de 20 a 30 milhões de dólares, enquanto as pessoas que o olham passar vivem com cinco dólares por dia, se tudo vai bem”. A metade acaba na China, uma parte no Japão, nos Estados Unidos e na Itália. Na bacia da ferrovia, que cortou a floresta, vivem dois milhões de pessoas, nenhum benefício, apenas drama e tragédias. Há 20 anos, as pessoas lutam contra a ferrovia, a mina, a indústria siderúrgica. Como em Taranto ou, corrigindo, pior do que em Taranto.
A luta começou em Piquiá de Baixo, há dez anos, um desafio gigantesco, as comunidades esmagadas pelo dinheiro e pela arrogância da indústria. Mas 21 famílias de Piquiá, que respiram poeira preta e se sufocam em venenos, porque aqui se produz em 14 altos-fornos o “ferro dos porcos”, a parte suja da produção para os Estados Unidos, disseram “chega!” e levaram 21 denúncias ao tribunal.
Conta Joselma Alves de Oliveira: “Há 30 anos, a fábrica prometeu trabalho e bem-estar. Hoje, temos os pulmões queimados”. Mas o processo contra a Vale se arrasta. Poder demais para a indústria, funcionários demais à venda no Brasil da corrupção.
Mas eles não desistem e alargam a base da luta, outras famílias e uma associação comunitária. Edward, um agricultor desesperado, escreveu ao presidente Lula. Que respondeu. Para ele, é uma vitória, porque, se o presidente responde, então eles tem razão. Mas ele não sabe o que fazer. Na rádio, uma manhã, ele ouve um programa em que se fala de direitos humanos, de rede panamazônica de proteção dos povos e da terra, de Evangelho e de justiça. Ele sabe que essa é a rádio dos combonianos e vai em busca deles.
Assim, o Pe. Dario e o Ir. Antonio entram na luta de Piquiá. Eles organizam um referendo: lutar ou ir embora? As pessoas querem ir embora. Eles dizem: “Tudo bem, mas juntos, todos juntos, tomando o destino nas mãos”. Começa uma negociação com a Vale, as vítimas de um lado e os executivos de outro. Eles querem uma terra nova para casas novas e não mais aquela terra muito preta das suas casas, onde se comete o crime. A indústria diz que não, e eles bloqueiam a ferrovia, as estradas, escalam a montanha da indiferença. Levam a questão para as ONU em Genebra e em Washington, para a Organização dos Estados Americanos. O Pe. Dario e o Ir. Antonio contam o caso ao Papa Francisco, no Vaticano, a quem eles presenteiam a camisa da luta de Piquiá.
E conseguem: a indústria cede, Brasília lhes promete um pouco de dinheiro, mas ainda é uma promessa, um total de nove milhões de euros, nem a metade de uma carga de um dia do trem da devastação. Em Piquiá, chega o Instituto dos Tumores de Milão, que certifica a tragédia: um terço dos habitantes sofre de graves patologias pulmonares, como em Tamburi di Taranto, com a qual, enquanto isso, se assemelharam.
Chamam-se “Legami di ferro”, título de um livro da ativista italiana da Peacelink Beatrice Ruscio, que foi ver e contou o desastre globalizado. Agora, o Pe. Dario e uma representação de moradores voltaram à ONU e ao Vaticano, porque não confiam. São necessárias outras pressões, é preciso mais diligência para desmascarar o greenwashing, uma espécie de lavagem verde da consciência, à qual a indústria se dedica plantando algumas árvores aqui e ali e prometendo filtros e um ar mais limpo.
Eles explicaram ao cardeal Peter Turkson o truque das empresas falsamente virtuosas: “Buscam a Igreja para ter mediadores com as pessoas, para depois continuarem como sempre. No Vaticano, explicamos que é preciso cuidar das vítimas”.
O tema dos desastres das atividades extrativistas é estratégico e crucial na promoção dos direitos humanos. Hoje, quem toca na indústria de mineração morre. No ano passado, só no Brasil, foram assassinados 50 ativistas ambientais, mártires da Mãe Terra, todos caídos na luta contra a extração feroz dos metais controlada pelo grande capital.
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Brasil: os Davis da terra contra os Golias do ferro - Instituto Humanitas Unisinos - IHU