29 Março 2017
Durante uma conferência sobre imigração e refugiados na Universidade de Georgetown, um estudante mexicano ilegal de 20 anos explicou que ele enfrenta a questão “a cada dia, a cada hora... Não consigo viver meu dia a dia sem pensar sobre imigração", apesar de continuar 'sem medo' e querer se tornar professor para dar retorno à comunidade.
A reportagem é de Mark Zimmermann, publicada por Crux, 26-03-2017. A tradução é de Luísa Flores Somavilla.
O debate sobre os imigrantes e refugiados e as políticas que os afetam agitou Washington e grande parte da nação e assumiu um rosto humano e uma voz durante uma conferência em 20 de março na Universidade de Georgetown.
"Sou ilegal e não estou com medo", disse Luis Gonzalez, estudante de 20 anos da Georgetown, palestrante em uma conferência patrocinada pela Iniciativa sobre o Pensamento Social Católico e a Vida Pública da universidade, sobre "Refugiados e Imigrantes: acolher o diferente em tempos difíceis".
Gonzalez foi acompanhado por um bispo católico aposentado de uma diocese na fronteira com o Novo México, um ex-refugiado da Somália que agora lidera um programa de reassentamento em Utah, o líder de um grupo latino-americano conservador que apoia as políticas de imigração do governo Trump e um funcionário da Conferência dos Bispos Católicos dos EUA que trabalha com questões de política de imigração.
O estudante da Georgetown disse que ele lida com a questão da imigração "a cada dia, a cada hora... Não consigo viver meu dia a dia sem pensar sobre imigração".
Ele nasceu no México e se mudou para os Estados Unidos aos 8 anos, unindo-se a seus pais que já tinham imigrado em busca de uma vida melhor. Depois, ao ver sua mãe sustentar os filhos sozinha, voltando para casa depois de trabalhar por longas horas lavando louça, isso o "impulsionou a ir para frente... ser a melhor pessoa que pudesse", disse ele.
Mas, segundo ele, devido ao clima atual no país - que alguns críticos dizem que foi desencadeado pelo decreto do presidente Trump sobre fiscalização da imigração -, sua mãe tem medo de sair para parques ou lojas.
Gonzalez disse que ele não tem medo, "porque tenho pessoas que me apoiam", e elogiou Georgetown por seu apoio aos estudantes ilegais, juntamente com agências como a Catholic Charities que oferecem serviços jurídicos.
"Eu tenho uma filosofia. Você pode tocar o coração das pessoas compartilhando a sua história", disse Gonzalez. “Convido cada um de vocês a manter a mente aberta e o coração aberto.”
Dom Ricardo Ramírez, bispo emérito de Las Cruces, Novo México, observou que sua mãe nasceu no México e apontou que em sua diocese ver os caminhões verdes e brancos da patrulha da fronteira é algo comum.
A imigração, disse ele, “foi um problema por toda a minha vida. Esteve na minha mente e no meu coração por todos esses anos", disse ele, acrescentando que a deportação ou o medo da deportação afeta muitos imigrantes e suas famílias.
Aden Batar, um refugiado muçulmano da Somália, atual diretor de reassentamento de imigração e de refugiados da Catholic Community Services de Salt Lake City, disse que teve que fugir do seu país depois de perder muitos membros da família em tempos de guerra civil e instabilidade.
Observando que os refugiados são pessoas expulsas de seus países que aceitam a jornada que puderem - na estrada ou de barco - para salvar suas vidas, Batar disse que ele cruzou a fronteira e viveu em um campo de refugiados do Quênia. Depois de passar pelo extenso programa de avaliação exigido para os refugiados, Batar mudou-se para Utah em 1994, onde ele tinha um parente. "Eu só queria ir para um lugar seguro, ter uma família e uma casa", disse ele.
Depois de receber ajuda da Catholic Community Services em Salt Lake City, Batar trabalhou na agência nas duas últimas décadas, ajudando os refugiados que, assim como ele, se reassentaram e tornaram-se membros autossuficientes que contribuem com a sociedade.
"Eles são sobreviventes. Eu sou sobrevivente", declarou.
O ex-refugiado acrescentou: “Acho que jamais conseguirei retribuir tudo o que recebi da comunidade que me acolheu".
Alfonso Aguilar, presidente da Associação Latina para os Princípios Conservadores, mencionou que ele nasceu e foi criado no território dos EUA em Porto Rico, com raízes familiares da Itália e da Costa Rica, e a promessa dos “EUA como um farol de esperança e liberdade” foi uma constante em sua vida.
Como diretor do Escritório de Cidadania do governo de George W. Bush, Aguilar disse que teve o privilégio de coordenar o juramento de fidelidade de milhares de imigrantes nos Estados Unidos, advindos de todas as partes do mundo.
“Ao fazer esse juramento, os imigrantes tornam o país mais, não menos, Estados Unidos”, disse ele.
Outra palestrante, Ashley Feasley, é diretora de políticas de Serviços para Migrantes e Refugiados da Conferência dos Bispos dos Estados Unidos. Ela disse que o assunto despertou seu interesse na infância, quando um menino cuja família fugiu da Lituânia Comunista foi seu colega e é seu amigo até hoje.
Os Serviços para Migrantes e Refugiados, em seu trabalho com a Catholic Charities e outras agências de caridade católicas de todo o país ajudaram 23.000 dos 85.000 refugiados que se estabeleceram nos Estados Unidos no ano passado.
"Enquanto Igreja, devemos oferecer acolhida, apoio e solidariedade sempre que possível", disse Feasley, encorajando os católicos a entrarem em contato com seus legisladores no Congresso em apoio a políticas de imigração mais humanas.
John Carr, diretor da iniciativa, falou sobre a dimensão humana da questão dos refugiados e imigrantes em sua própria paróquia - St. Ambrose em Cheverly, Maryland, onde os paroquianos recentemente se reuniram no andar de baixo para discutir sobre hospedar uma família de refugiados, enquanto no andar de cima da igreja ocorria uma missa em espanhol para os paroquianos imigrantes.
Ele pediu ao bispo, na conferência, para refletir sobre o tema de discussão: o chamado bíblico para acolher o estrangeiro.
"Moisés e seu povo eram migrantes. Eles fugiram do Egito e foram para a terra prometida", disse Ramírez, acrescentando: Jesus foi o maior e mais famoso imigrante de todos... A Sagrada Família era imigrante. Eles tiveram que ir para o Egito em exílio.”
O bispo observou que Jesus "cruzou fronteiras constantemente, (em última instância) a da morte para a ressurreição e para a glória".
As palavras de Jesus em Mateus, 25 demonstram que servir aos pobres e acolher os estrangeiros deve ser preferência de seus seguidores, segundo Ramírez, que acrescentou: “Estamos falando de pessoas, seres humanos, pessoas nascidas à imagem e semelhança de Deus, com uma dignidade que deve ser respeitada. Essa é a base de toda a doutrina social da Igreja”.
Isso foi destacado no discurso de abertura do padre jesuíta Leo O'Donovan, presidente emérito da Universidade de Georgetown e diretor executivo interino do Serviço Jesuíta de Refugiados, que trabalha com refugiados em mais de 45 países.
O padre lamentou que, na sua opinião, através de sua retórica e das políticas propostas, Trump usou “a imigração como uma forma de nos dividir e puxar as pessoas para o seu lado”.
O'Donovan ainda acrescentou: “Os olhos da fé em Cristo crucificado veem Cristo nos refugiados e os refugiados em Cristo”.
O jesuíta também disse que lamenta os muros construídos em Berlim e Israel para separar as pessoas e o muro que o novo presidente está propondo na fronteira dos EUA com o México como medida de segurança para bloquear o fluxo de imigração ilegal.
Aguilar, que é republicano, disse que apoiava o decreto de Trump proibindo a entrada de pessoas de seis países predominantemente muçulmanos nos Estados Unidos e a interrupção temporária da entrada de refugiados por 120 dias. As ações judiciais bloquearam a implementação do decreto revisto. Trump disse que o intuito do decreto é proteger os estadunidenses, impedindo ataques terroristas no país.
"Precisamos abordar a questão da segurança sim", disse Aguilar.
A questão da imigração “foi simplificada demais e utilizada por ambos os partidos”, disse ele, acrescentando que Trump não está propondo deportações em massa de imigrantes ilegais.
“Donald Trump diz que quer remover as pessoas com antecedentes criminais”, disse Aguilar, acrescentando que o governo do presidente Obama também reprimiu os imigrantes ilegais. De 2009 a 2015, mais de 2,5 milhões de imigrantes foram deportados dos Estados Unidos.
Feasley disse que o decreto de Trump sobre a fiscalização da imigração colocou medo em muitos imigrantes e que os ataques do governo desde então também atingiram pessoas que não eram acusados de crimes graves.
Gonzalez falou sobre o impacto da retórica e das políticas de Trump sobre a população em geral. "Alguns passaram a ter medo de pessoas como eu, refugiado da Síria ou da Somália", disse ele.
Batar disse que refugiados que passaram pelo programa de dois anos de avaliação do governo dos Estados Unidos acabariam presos em campos de refugiados se a proibição entrasse em vigor por quatro meses. “Na semana passada eu tive que demitir 10 funcionários (membros) por causa do decreto", acrescentou.
Os refugiados “são os seres humanos mais examinados antes de entrar no nosso país”, disse Batar. "Eles são nossos irmãos. Seus filhos vão para a escola com os nossos... Qualquer que seja o medo, é infundado. Precisamos ajudar os refugiados agora mais do que nunca.”
Em suas observações finais, Ramírez voltou a um ponto que ele havia abordado anteriormente, de que os migrantes que entram no país não são assassinos, as drogas que atravessam a fronteira é que são as verdadeiros assassinas, fomentadas pela "demanda insaciável por drogas no nosso país". Ele disse que vê esperança, porém, na maneira como as comunidades católicas acolhem os recém-chegados.
Feasley expressou que espera que a reforma da imigração “não comprometa os nossos valores, mas também nos mantenha seguros e protegidos”. Ela já havia enfatizado a necessidade de abordar as causas mais profundas de por que as pessoas fogem de suas pátrias e apontou para a maneira como a Catholic Relief Services promove programas de desenvolvimento nos países em que atua.
Aguilar disse que o país deve reconhecer as importantes contribuições dos trabalhadores imigrantes à economia, muitas vezes preenchendo vagas que não seriam preenchidas por outras pessoas, e disse que os EUA deveriam expandir seu programa de trabalhadores estrangeiros. Ele também manifestou apoio à reforma da imigração.
"Estou otimista. Acredito que vamos acabar chegando à reforma da imigração", disse ele. "Há muitas divergências legítimas, mas acredito que se nos unirmos podemos chegar a um consenso."
Gonzalez, estudante de Estudos Americanos na Georgetown, voltou a sublinhar a necessidade de “ver humanidade nas pessoas”.
"Depois de me formar na Universidade de Georgetown, quero retornar à minha comunidade e ser professor. Quero fazer a diferença", afirmou.
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Estudante de Georgetown, em conferência, diz: 'sou ilegal e não estou com medo' - Instituto Humanitas Unisinos - IHU