09 Março 2017
“Pós-cristianismo significa afirmar que a fé não é mais um elemento crucial no diálogo entre aqueles que dizem que acreditam e a cultura na qual estão inseridos.”
A opinião é do teólogo italiano Carmelo Dotolo, professor de teologia das religiões na Pontifícia Universidade Urbaniana.
A reportagem é de Lorenzo Fazzini, publicada no jornal Avvenire, 07-03-2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis a entrevista.
Em que consiste o termo “pós-cristianismo” que você usa para descrever a situação da fé de hoje?
O historiador Émile Poulat já tinha usado essa expressão. Da forma como eu a entendo, isso significa que, na atual condição sociocultural, o cristianismo não desaparece do horizonte existencial e do sentimento comum, mas vive uma marginalidade dentro de modelos cognitivos com os quais o cristianismo não interage mais em nível cultural e público. Nesse sentido, portanto, o cristianismo é vivido como um museu da tradição, que, de vez em quando, é visitado, que chama a atenção em algumas figuras-símbolo, mas que não incide na construção da identidade humana.
Pós-cristianismo significa afirmar que a fé não é mais um elemento crucial no diálogo entre aqueles que dizem que acreditam e a cultura na qual estão inseridos. Não é sinônimo daquela superação da cristandade de que falava Chenu nos anos do pós-Concílio. É um cristianismo que gosta de ser habitado nos momentos de demarcação da vida, mas continua sendo marginal em relação à própria existência. É um dos cristianismos de hoje, razão pela qual não se pode falar de pertencimento preciso, mas, ao mesmo tempo, este não pode ser descartado. Quem vive esse pós-cristianismo se afasta das características específicas da fé cristã, como a profecia e a presença no debate público, aceitando que a experiência religiosa seja marginal, também em chave cognitiva.
Você afirma que a cultura contemporânea é “hostil” à fé cristã, e que, portanto, a reflexão teológica hoje deve ser interdisciplinar. O que isso significa?
A inospitalidade se deve ao fato de que o cristianismo, hoje, parece-me, não se oferece mais como organicamente confiável, mas corre o risco de ser insignificante em nível cognitivo: na prática, ele continua sendo uma boa historieta edificante, mas perde as próprias razões de pensar. Não é uma clara e explícita negação, mas, ao mesmo tempo, ele não é mais apreciado e não é considerado culturalmente importante.
Portanto, para que o cristianismo (e a teologia) volte a se sentar para dialogar com as outras ciências, é importante que ele redescubra algumas das suas próprias peculiaridades: por exemplo, o primado das perguntas em relação às respostas, a preocupação de enfrentar a realidade na sua carga simbólica e assim por diante. No livro, eu me concentrei em dois aspectos: as neurociências e o pluralismo religioso. No que diz respeito às identidades bioculturais, a teologia pode oferecer uma contribuição importante na busca justamente de quem é o sujeito humano, uma contribuição que pode fazer com que a religião seja captada como elemento fundamental desse sujeito.
Você indica Teilhard de Chardin como exemplo de capacidade dialógica da teologia com outros ramos do saber humano. Que pensadores ou correntes de pensamento você vê hoje capazes dessa interação fecunda?
Penso em um nome passado como o cardeal Carlo Maria Martini, que, em uma das suas Cátedras dos Não Crentes, abordou o tema da ciência. Ou, ainda no plano científico, o teólogo e cientista John Polkinghorne. Se ampliarmos o espectro dos saberes, parece-me que os teólogos John B. Metz e Claude Geffré são aqueles que, recentemente, deram mais espaço para essa interdisciplinaridade. Mas é preciso destacar que essa sensibilidade não é propriamente italiana: se eu tiver que olhar para a nossa casa, posso citar o nome de Fiorenzo Facchini, antropólogo de Bolonha. Sobre isso, o caminho da teologia na Itália ainda tem muita estrada a percorrer.
Você dedica algumas reflexões aos novos ateus: você achar que essa corrente de pensadores deixou vestígios na opinião pública?
Esse movimento cultural fez referência a posições do Iluminismo francês e inglês do século XVIII. Dennett, Dawkins e Harris retomaram a crítica da religião entendida como disfunção evolutiva, de acordo com uma interpretação tipicamente darwinista. Não é uma crítica que entrou em profundidade nos elementos constitutivos da religião, embora esta ainda permaneça hoje como uma questão em aberto. O neoateismo ainda poderá incidir socialmente, embora as suas argumentações sejam banais do ponto de vista intelectual: basta ler o que Dennett escreve sobre as questões religiosas, e nos damos conta de que se trata das coisas que eram ditas sobre o cristianismo há 50 anos.
Você defende que o cristianismo deve “reativar energias culturais, códigos simbólicos e práticas de vida”. Pode nos dar alguns exemplos?
A teologia pode ser capaz de um sentido alto da política e da economia, enquanto se espalhou a incapacidade de ler as novas idolatrias globais. A concepção da criação permite uma responsabilização em relação à criação: a teologia política permite uma libertação do humano. Deveríamos retomar a profundidade da vida litúrgica, na qual os símbolos são muito ricos e falam às perguntas do homem de hoje. Em chave prática, precisamos de um cristianismo que saiba se jogar na abertura ao outro, na coabitação de caminhos de crescimento humanos.
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Pós-cristianismo: "A fé incide cada vez menos nas escolhas sociais". Entrevista com Carmelo Dotolo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU