09 Março 2017
A revista Time os definiu, em 2014, como a geração do eu-eu-eu. Eles mesmos veem a si próprios como uma geração perdida no caminho entre dois mundos. Como dizia uma jovem millennial de forma gráfica, nesta mesma semana, em um conhecido programa de rádio: “Somos uma geração de transição. Somos a última em muitas coisas e a primeira em outras tantas. Estamos entre o velho, que não acaba de morrer, como o papel ou o bipartidarismo, e o novo, que não acaba de nascer. Uma geração que compra as entradas de cinema na Internet e depois as imprime”.
A reportagem é de Javier Ayuso, publicada por El País, 05-03-2017. A tradução é do Cepat.
Nessa incerteza, “Viver a vida” é uma frase que repetem quando você pergunta o que eles aspiram. Para Elías Rodríguez, de 25 anos, essa expressão se resume em “ter um bom salário, trabalhando pouco”. Amalia Barrigas, da mesma idade, é mais incisiva: “A geração millennial aspira viver a vida, mas porque acredito que não possui nem ideia do que é a vida”.
Ainda que exista um amplo grupo de garotos e garotas que entraram no mercado de trabalho como se fazia antes (contratos fixos, muitas horas de estágio e salários baixos, confiando em ascender depois), o modelo convencional não é tão desejado por esta geração como pelas anteriores. Resignaram-se à precariedade. “Salário bom não haverá; condições, quase garanto que também não, e viver a vida é um pouco o que nos resta”, disse Elías Rodríguez, de 25 anos.
Além disso, os millennials espanhóis querem um trabalho, mas têm menos pressa por encontrá-lo e colocam à frente a qualidade e um horário que lhes permitam conciliar a dimensão do trabalho, com o pessoal e o desfrutar da vida, antes que um salário chamativo. Ganhar dinheiro está nos patamares mais baixos de suas aspirações. A família, os amigos, a qualidade do trabalho, os estudos e o sexo estão acima do dinheiro, segundo a última pesquisa do Observatório da Juventude.
Fonte: El País
Ademais, não estão obcecados por possuir uma casa ou um carro; são mais da cultura do compartilhar. Exceto em relação aos aparelhos digitais. Querem o último aparelho celular e o último computador portátil, porque são essencialmente digitais, multitelas e viciados em APPs e nas redes sociais. Não veem muito televisão, nem compram jornais, mas se consideram bem informados através da Internet.
Segundo um relatório elaborado pela consultora Deloitte, a geração do milênio desenvolveu um sentido muito mais crítico e exigente que seus pais. Exigem uma vida mais personalizada e defendem alguns novos valores em maior consonância com a sociedade atual: transparência, sustentabilidade, participação, colaboração e compromisso social. Embora se sintam autossuficientes e autônomos e querem ser protagonistas em sua vida social e de trabalho, em certo sentido, são narcisistas e consentidos.
Em sua maioria, possuem melhor formação que seus pais (54% possuem título universitário), mas os jovens desse estrato se deparam com o fato que, como consequência da crise, o mercado de trabalho só lhes oferece trabalhos abaixo de sua titulação, com contratos temporais e salários exíguos. São 75% os jovens assalariados que na Espanha possuem um contrato temporário. Isso levou muitos deles a buscar uma vida fora do país ou no serviço autônomo e no empreendedorismo. E sentem que a sociedade não oferece resposta ao seu esforço para se formar.
Segundo os últimos dados do Instituto Nacional de Estatística, em 2016, havia 2,3 milhões de espanhóis vivendo no estrangeiro, o número mais alto desde que existe o registro do Padrão de Residentes no Estrangeiro (PERE). Desde que começou a crise, em 2008, este número aumentou em mais de 800.000 pessoas, das quais quase um terço são menores de 30 anos. Os emigrantes jovens espanhóis possuem, em sua maioria, estudos superiores, segundo o INE, e seguem o caminho que fizeram seus avós nos anos 1960, quando se iniciou a emigração espanhola em busca de trabalho.
Mas nem tudo é formação e emprego abaixo de suas possibilidades. Nas classes mais baixas, a situação é muito pior. Com uma taxa de desemprego juvenil acima dos 40%, os jovens das camadas sociais inferiores têm um sério problema de futuro e isso lhes afeta em suas crenças e em seus sonhos. Durante o boom econômico e a bolha imobiliária, centenas de milhares de jovens abandonaram os estudos para trabalhar na construção. Um setor que não exigia muita formação e oferecia alguns salários atrativos para garotos com menos de vinte anos. Uma proposta difícil de rejeitar...
Com o estouro da bolha, dezenas de milhares de jovens, e não tão jovens, foram engrossando a lista de desempregados, todos os meses. E, o que é pior, além de ficarem sem trabalho, não tinham formação alguma que lhes oferecesse uma esperança de se reciclar. Esse coletivo, que agora está ao redor e acima dos trinta anos, é um dos mais desesperados e com maior desafeição para com a sociedade. Não acreditam nas instituições, nem nos partidos políticos, nem nas empresas... nem veem a luz ao final do túnel. São os indignados que renegam o sistema político, econômico e social e que valorizam muito negativamente o funcionamento da democracia na Espanha.
O conceito de ser bom cidadão é muito diferente para os millennials se comparados com as gerações anteriores. Participar em associações sociais e políticas ou estar dispostos a servir no exército são traços que ocupam as últimas posições na valorização dos jovens.
Ao contrário, a tolerância e a solidariedade são os valores que mais definem o bom cidadão, segundo o Observatório da Juventude na Espanha. Procurar compreender as pessoas com opiniões diferentes, ajudar as pessoas que vivem pior que você, não sonegar impostos, votar, manter-se informado, sempre obedecer as leis e normas e optar por artigos de consumo que não prejudiquem o meio ambiente são os traços mais importantes. Ao contrário do que se poderia pensar, os jovens de 18 a 34 anos rejeitam amplamente as condutas extremas, apesar de exigirem mudanças profundas em uma sociedade que eles consideram injusta.
A pesquisa do Instituto da Juventude da Espanha (INJUVE) enfatiza a insatisfação dos jovens frente à sociedade na qual lhes couberam viver. Mais de 85% dos millennials consideram que Espanha necessita de reformas profundas e que a sociedade deve mudar de forma radical, o que significa uma saturação do modelo atual. Nas respostas publicadas no citado Observatório, as palavras desconfiança e incerteza aparecem constantemente.
Essa falta de certezas sobre o futuro pode ser a explicação da enorme redução de casamentos entre os jovens atuais. Um estudo do Pew Research Center destaca que nos principais países desenvolvidos a porcentagem de casados na idade entre 18 e 32 anos foi caindo de forma exponencial nas últimas quatro gerações analisadas. Nos anos 1960, a porcentagem de casados se aproximava dos 65%, número que se reduziu para menos de 50%, nos anos 1980, menos de 40%, ao final do século, e apenas 25%, na atualidade.
Apesar de tudo, os millennials são uma geração muito cobiçada pelas empresas e os bancos. Um relatório elaborado por BBVA Research, em nível global, apresenta-os como centro da atividade econômica em um futuro muito próximo. Define-os como “um grupo interconectado e muito familiarizado com a tecnologia, que interage em meios de comunicação sociais”, ainda que acrescente que “são uma geração bumerangue, que voltou a viver com seus pais”. E não esquece sua participação nos movimentos sociais e de indignados em todo o mundo.
Nas últimas eleições gerais na Espanha, em junho de 2016, estima-se que dentro do grupo de pessoas entre 18 e 34 anos, apenas votaram 61% dos cidadãos, nove pontos a menos que a média nacional (70%) e 18 pontos a menos que o coletivo de mais de 55 anos (79%), segundo um estudo de Metroscopia. Além disso, os dois partidos majoritários, PP e PSOE, perderam a metade de seu eleitorado jovem, durante a crise.
A abstenção dos jovens é sinônimo de desinteresse pela política?, questiona-se o sociólogo Francisco Camas. E a resposta é negativa: “Os jovens apresentam um quadro de abstenção estrutural notável, que suprem com outro de participação política não convencional, como as manifestações, concentrações ou marchas de protesto”. Não se trata de um desinteresse generalizado pela política e as disputas eleitorais, “mas, ao contrário, uma visão crítica sobre alguns elementos da vida política”.
Em plena crise, as eleições disputadas em 2015, na Espanha, provocaram um aumento significativo do voto jovem. No dia 20 de dezembro de 2015, o bipartidarismo conseguiu menos de 20% dos eleitores entre 18 e 34 anos (em 2008, haviam somado 56%), ao passo que Podemos e Cidadãos conquistaram quase a metade dos eleitores jovens que haviam abandonado o PP e o PSOE.
No entanto, seis meses depois, em junho de 2016, boa parte desses votos jovens voltaram à abstenção. Os especialistas consideram este fato uma resposta de decepção diante da entrada dos novos partidos no sistema político convencional, após a ilusão da mudança que esses grupos ofereciam.
O nível de desafeição dos jovens é muito superior ao dos mais velhos, segundo as diferentes sondagens de Metroscopia, desde 2008. “Não acredito muito na política e menos ainda nos políticos”, resume Andrés Huerta, de 24 anos; “Não acredito que irão me salvar”. Em seu último Barômetro do Clima Econômico, os espanhóis entre 18 e 34 anos consideram que o peso da crise recaiu sobre eles.
Marcos Sanz explica que os jovens viram como suas rendas salariais se reduziam diante da pressão do desemprego, ao passo que as aposentadorias ficam protegidas pelas cláusulas de preservação da capacidade aquisitiva frente ao IPC. O Banco da Espanha informava, em sua última Pesquisa das Famílias, em janeiro passado, que entre 2011 e 2014, os jovens foram os que mais perderam capacidade aquisitiva: 22,5%.
A perda de poder aquisitivo, unida ao aumento do desemprego juvenil e o medo de perder um emprego, já em si precário, levaram a uma situação de grande incerteza sobre o futuro, que se reflete em suas opiniões sobre o sistema político e econômico. Os gráficos mostram a valorização negativa da geração do milênio sobre o sistema político, econômico e trabalhista e sobre o próprio Estado de bem-estar.
Pior ainda são avaliados os bancos, os empregadores e as grandes empresas espanholas. As melhores notas correspondem à Justiça, sociedade civil, sindicatos, multinacionais, pequenas e médias empresas, movimentos sociais e ONGs. É como um grito de protesto contra as instituições que representam a base do Estado e a própria democracia representativa.
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Uma geração entre dois mundos. Os ‘millennials’ vivem presos entre o antigo e o novo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU