23 Janeiro 2017
Um dos mais importantes filósofos políticos mundiais, Toni Negri não deixa de pensar no problema do comunismo. Para fazer isso, ele se coloca na única posição que importa: a dos movimentos reais. Retomamos com ele o fio da reflexão sobre a crise do neoliberalismo, mas insistimos especialmente nos novos sujeitos produtivos e nas suas potencialidades revolucionárias.
A entrevista foi concedida a Francesco Raparelli e publicada no jornal Il Manifesto, 12-01-2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
No livro Il lavoro di Dioniso [O trabalho de Dionísio. A crítica do Estado pós-moderno] (com Michael Hardt), o modo de produzir contemporâneo é descrito insistindo na centralidade dos “pré-requisitos de comunismo”; já que a linguagem, os afetos, a mobilidade se tornaram pilares da valorização capitalista. Em vez de cancelar esse diagnóstico, a crise que explodiu em 2008 parece confirmá-la. Concorda?
Acho que sim. Naquele livro, tratou-se, no fundo, de resumir uma série de elementos de análise do trabalho e das suas transformações. Análise que começou muitos anos antes, a partir da pesquisa coletiva do Potere Operaio. Era uma crítica do movimento operário tradicional, fundada na mutação profunda da composição técnica e política da classe operária. Em particular, para nós, pareciam ter mudado radicalmente os processos de subjetivação. As lutas estudantis, especialmente depois de 1986 (como eu comecei a esclarecer em Fine secolo), subsumiam muitos aspectos das lutas operárias da época; assim como o trabalho informatizado, digitalizado, começava a conquistar centralidade nestas últimas. Já em 1986 e depois em 1994-1995 na França, os enormes conflitos que explodem – do saber à saúde, dos serviços urbanos à previdência – insistem no campo da reprodução e se articulam no campo metropolitano. É claro, portanto, que a crise posterior a 2008 não fez nada mais do que atacar esse novo contexto. Mais: trata-se de uma crise que tenta estabelecer uma forma de governabilidade, como sempre acontece nesses casos, sobre uma modificação radical do sujeito produtivo.
Em um ensaio dedicado a Lênin, Lukács argumentava que não pode haver materialismo histórico sem aferrar a realidade da revolução como “pano de fundo da época”. Tal atualidade já parece ser inatingível. No entanto, como dizíamos, hoje mais do que nunca, os “pré-requisitos de comunismo” qualificam o modo de produzir. Diante da barbárie da crise e da guerra, a revolução é novamente a única alternativa?
Certamente, desapareceu toda mediação entre o nível do comando como ele se configura hoje na sua dimensão financeira e o contexto geral no qual opera o trabalho vivo. Tendo desaparecido essa mediação, é evidente que um processo revolucionário só pode ser a solução de uma contradição tão radical quanto insuperável. No entanto, é preciso esclarecer o que significa, hoje, revolução. Já nos meus escritos dos anos 1980, havia uma atenção aos comportamentos ativos, à produção de subjetividade que emergia a partir da nova condição proletária. Eu acredito que falar de revolução não significa mais – porque já é um fato definitivo – falar da ruptura entre comando e resistência, formas do capital fixo e passividade ativa do trabalho vivo ativa em relação ao comando, e, portanto, da ruptura da dialética.
Não é mais esse o problema central. Mas é o de entender quais são os comportamentos, os níveis de organização, a capacidade de expressão que o novo proletariado tem. Porque, quando se diz “não há solução a não ser a revolução”, diz-se uma coisa banal já. O problema não é saber “se” é necessária, mas sim saber “como” é necessária e “como” é possível. Excluir toda solução reformista implica, hoje mais do que nunca, uma solução processual, definida pela construção de instituições de contrapoder real. O outro elemento a se ter em mente, além da forma do processo, é o fato de que este último se desenvolve inteiramente no campo da reprodução: a produção está subordinada à reprodução; a fábrica, à sociedade; o indivíduo, ao coletivo que se forma na sociedade. Encontramo-nos diante da necessidade de construir instituições do comum, não como resultado último do processo revolucionário, mas como condição dele. A partir desse ponto de vista, acho que se trata de falar de novo da atualidade da revolução e de falar sobre isso no presente, não como atualidade de algo por vir.
Volta à tona, na cena contemporânea (do bolivarianismo aos populismos de esquerda europeus), o tema do Estado. Mais: a necessidade, para os subalternos, de “fazer-se Estado”. Uma retomada com a força de Gramsci, lido muitas vezes com lentes de Togliatti. Pode haver uma experiência comunista – ainda mais na era da globalização dos processos de valorização – sem crítica radical da forma-Estado?
É claro que a crítica radical da forma-Estado é necessária, mas, em muitos aspectos, supérflua. No sentido de que, se é verdade o que dizíamos antes, isto é, que houve uma ruptura completa da mediação, a mesma função de Estado não pode mais ser recuperado em termos reformistas: é uma função simplesmente opressiva. A partir desse ponto de vista, o Estado é algo parasitário; como tal, não pode mais se colocar na reflexão revolucionária. Dito isso, porém, é preciso ter atenção, porque o problema não é o uso do Estado como tal. Em qualquer fase de transição, não se pode deixar de praticar o uso de instrumentos gerais, como os que o Estado oferece. Para derrubá-los, evidentemente; para descarná-los, gradualmente, do cargo de poder (opressivo) que eles têm em si mesmos.
O verdadeiro inimigo, portanto, é o fetichismo do Estado. Hoje, existem posições, não mais razoáveis, que, ao considerar os usos de certas funções públicas – afirmadas na constituição do Estado – fetichizam a soberania, a autonomia do poder estatal, comprimindo desmedidamente a liberdade das lutas. Um fetiche de vanguardas que estão acima dos movimentos reais – os únicos que transformam o social. É preciso especificar, além disso, que, por trás do fetichismo do Estado, sempre há duas ideologias/comportamentos: uma é a da vanguarda; a outra é a anarquista, do imediatismo, da abertura messiânica. É dessas referências que é realmente preciso se livrar.
A sua militância comunista cresceu nas lutas extraordinárias do “operário-massa”, para depois encontrar, já no fim dos anos 1970, o “operário social”: nova figura proletária, resultado da escolarização, da expansão do welfare, das lutas pela rejeição do trabalho. Essas mesmas figuras, no meio da crise, se apresentam no sinal da precariedade. O que significa, nesse campo, a militância comunista?
Significa conseguir transformar o sofrimento da necessidade, da falta, na construção de um “nós” desejante. Na flexibilidade e na mobilidade, impostas pelo regime neoliberal, aumenta o sofrimento individual. O coletivo, em vez disso, deve ser levado com força para dentro da “condição operária” contemporânea. A social-democracia foi incapaz de captar, na própria forma do welfare e do trabalho que estava atrás dela, a necessidade de exaltar o coletivo, o conjunto, isto é, o fato de que as singularidades vivem na relação entre si. Na redescoberta de um coletivo cooperante, pode nascer hoje um novo espírito comunista!
Evidentemente, são necessárias passagens materiais para entender como se procede da necessidade ao desejo... e eu penso na velha fórmula: apropriação, instituição e tomada do poder. Apropriação é a pressão que se exerce sobre o salário e sobre a renda. O momento ulterior é o institucional: reconhecer-se e agir como “nós”. Passagem fundamental, em nenhum caso redutível ao imediatismo ou à pura tomada de consciência. Depois, há o problema da tomada do poder, que não é algo mítico e é um fenômeno totalmente diferente do modo como o conhecemos: porque é a implementação de um processo constituinte contínuo, que nunca se bloqueia em formas institucionais prefixadas, mas que sempre abre as instituições a novas capacidades de consenso, de coesão, de cooperação. E tudo isso, agora, deve ocorrer no campo da reprodução.
Houve algo formidável no outono [europeu] passado: a manifestação das mulheres de Roma. Um fato que inovou, porque não foi simplesmente uma manifestação contra a violência de gênero, mas sim uma declaração fundamental contra a exploração da mulher entendido como elemento ligado a todas as formas do político, assim como ele se apresenta hoje. Esse é o campo biopolítico no qual nos movemos.
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O desejo que excede a necessidade. Entrevista com Toni Negri - Instituto Humanitas Unisinos - IHU