16 Janeiro 2017
Ele entrou na cidade e no seu novo papel sem renunciar ao estilo com o qual tinha sido pároco e bispo auxiliar de Roma. Trouxe consigo a bicicleta e optou por morar na Casa do Clero, junto com os padres idosos que representam o “arquivo vivo da Igreja de Bolonha”. Neste primeiro ano à frente da diocese que foi de Lercaro, Poma, Biffi e Caffara, o dado de destaque é a proximidade. Matteo Zuppi, 61 anos, arcebispo da capital da Emilia-Romagna, nestes primeiros 13 meses em Bolonha, não parou por um instante e se tornou um ponto de referência na cidade. Encontramo-lo na Cúria, em uma gélida manhã de janeiro.
A entrevista é de Andrea Tornielli, publicada por Vatican Insider, 11-01-2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis a entrevista.
Como foi esse primeiro período em Bolonha?
A acolhida que eu recebi foi comovente e me questionou muito. Uma acolhida que era manifestação da realidade, da beleza e também de uma expectativa. Havia a demanda de paternidade, de vizinhança e proximidade. Havia a demanda de respostas: na desorientação típica dos nossos dias e nas dificuldades que todos estamos vivendo, muitos olham para a Igreja. Eu tentei, acima de tudo, conhecer e escutar.
Qual a maior dificuldade?
Acho que foi a de pôr em prática as indicações do congresso da Igreja italiana de Florença, ou seja, de discutir de modo sinodal a exortação Evangelii gaudium, fugindo da tentação de responder às perguntas às vezes quase angustiantes que são feitas pela gestão das nossas estruturas e instituições, de acordo com uma lógica totalmente interna. Em vez disso, é preciso tentar se dirigir para o exterior, manifestando simpatia por aquilo que está lá fora. Evitar respostas “ad intra” e, ao contrário, estar consciente de que nós encontramos as respostas “in itinere”, saindo.
Por que você optou por morar na Casa do Clero?
Por dois motivos. O primeiro é prático. O cardeal Caffara tinha pessoas que estavam com ele e que ficaram com ele. Eu deveria vir trazendo pessoas que me ajudassem. Eu preferi entrar em uma Igreja com aquilo que nela encontrei. O segundo motivo é a fraternidade: na Casa do Clero, são quase todos padres eméritos, mesmo que aqueles que podem continuam prestando um serviço. Eles são uma memória, o arquivo vivo da diocese e também a história da santidade. Pareceu-me uma grande ajuda para mim morar lá.
Como é a relação com a cidade e com as pessoas?
De grande imediaticidade e proximidade. As pessoas pedem vínculos, um conhecimento que não seja à distância. Muitos me dizem: “Eu não creio, mas sempre leio os discursos do papa e gostaria de falar com o senhor”. Ou: “Eu não creio, mas aquilo que o senhor diz é importante”. Há portas abertas.
Mas Bolonha passa a imagem de ser uma cidade anticlerical...
Eu não acho que ela seja. Há uma dialética um pouco forte, isso sim, sempre houve uma discussão. Mas há também uma consciência profunda da importância de um e de outro, que talvez deva ser novamente compreendida. O prefeito comunista Giuseppe Dozza foi à estação buscar o cardeal Lercaro que voltava da última sessão do Concílio.
O cardeal Biffi, seu antecessor, provocou polêmica ao chamar esta terra de “saciada e desesperada”.
Biffi estava comentando os dados sobre os suicídios na Emilia-Romagna, que tinha um recorde na Itália. As suas palavras, tiradas do contexto, causaram polêmicas. Mas se revelaram importantes. O então presidente da Região, Pierluigi Bersani, escreveu recentemente em um livro dedicado ao cardeal que aquelas palavras foram um golpe útil para o partido, que pensava que tinha princípios ideológicos que, depois, se revelaram inadequados diante da realidade.
Qual é a sua relação com a política?
Boa com todos, embora, algumas vezes, há rixas ligadas a polarizações e a polêmicas nos jornais. Há a consciência de que a casa comum pede a todos, incluindo os políticos, que saiam dos estereótipos e das colocações antagônicas que acabam afastando cada vez mais a política das expectativas das pessoas, para tentar, ao contrário, responder aos muitos desafios concretos à nossa frente.
Como a Igreja enfrenta o desafio da imigração, e como as pessoas reagem?
Sem dúvida, há medo, mas também muita solidariedade. Há o medo de uma afronta não orgânica, sempre emergencial e, portanto, não convincente. E, depois, há medo porque há a tentação do fechamento, dos muros, dos preconceitos antigos e novos em relação a quem vem de fora. Mas Bolonha é uma cidade acolhedora. Setenta por cento dos seus habitantes maiores de idade não nasceram aqui. O problema é que o medo acaba tornando complicado aquilo que é simples. Às vezes, não se consegue olhar na cara dos problemas como eles são, saindo de uma abordagem institucional. E, depois, reconhecer e admitir que há dificuldades absolutamente não significa que não se fazem coisas. O problema é responder à necessidade, não defender aquilo que eu já faço! A Igreja procura dar segurança, mostrar que a acolhida não é um salto no escuro, mas é exatamente o contrário e nos torna todos conscientes do tanto que recebemos. Há experiências muito bonitas de acolhida e de proximidade para com os imigrantes e refugiados. Iniciativas que já existiam antes da minha chegada e que nós continuamos. Mas devemos e podemos fazer muito mais, especialmente não renunciando nunca à lógica da gratuidade e que misericórdia não diga respeito a alguns, mas a todos.
Como se aplica a exortação Amoris laetitia? Vê confusão?
Eu diria que se sente o esforço para viver a orientação e o conteúdo da exortação, especialmente a sua visão. Instintivamente, preferiríamos colocar as mãos no bolso e buscar as respostas em um prontuário. Mas o prontuário não existe, o sacerdote deve assumir a situação, torná-la sua, compreendê-la, discernir, entrar na carne viva das situações e dos dramas. E isso é muito mais cansativo do que o prontuário com as respostas prontas. Isso absolutamente não significa mudar a doutrina! Ao contrário, é a verdadeira maneira para defendê-la. É preciso paternidade por parte dos padres.
Como é a relação com o seu antecessor, o cardeal Carlo Caffara, um dos quatro signatários das “dubia” sobre a Amoris laetitia apresentadas ao papa?
É uma relação boa, fraterna, muito respeitosa de ambos os lados. Eu ousaria dizer que é até mesmo respeitosa demais por parte do cardeal, que não pretende minimamente interferir na pastoral. Eu gostaria que ele pudesse participar de alguns momentos da vida diocesana.
Qual é a avaliação do Jubileu da Misericórdia?
Uma grande proximidade com as situações dolorosas e fazer com que se compreenda que a Igreja é uma mãe atenta e próxima. Os confessores, durante este ano, se depararam com uma resposta pessoal de reconciliação: houve um aumento das confissões e, eu diria, da qualidade, da consciência das confissões. Além disso, registrou-se uma maior proximidade com a misericórdia que se deve ter para com os outros, não só a que se deve pedir. As perspectivas da Misera et misericordia são uma grande herança.
A Igreja italiana está se sintonizando com o Papa Francisco?
Certamente sim, com o esforço de viver uma perspectiva que muda, da que olhava para dentro para a que olha para fora. Do fato de privilegiar a formação e a organização a uma experimentação “no campo”, que, precisamente por isso, cresce, se forma, muda. Uma perspectiva que pede um compromisso para ser vivida.
O que significa ser Igreja em saída?
Ser uma Igreja que não tem medo de dialogar com todos e se aproxima de todos. Uma Igreja que não se esforça para fazer operações de maquiagem ou transformismos, na busca contínua de uma fórmula, porque lhe foi pedido muito mais, testemunhar o Evangelho e não seus substitutos com os quais pensamos em aproximar o mundo exterior. Testemunhar o Evangelho com toda a sua pungência e simplicidade, sem medo de se contagiar, aproximando qualquer um, expandindo as fronteiras da identidade e da pertença. Nós temos hoje a necessidade de viver a paixão missionária, a paixão de curar os doentes. Essa é a prioridade que o papa nos indica. Porque, na realidade, quem vai curar os doentes defende os sãos! Você não defende os sãos, o rebanho que lhe restou, distinguindo e se afastando. Defende-se o rebanho indo procurar a ovelha perdida.
A Cúria é proprietária de uma fábrica, a FAAC. Por quê?
O proprietário a deixou de herança para a Igreja de Bolonha, e o cardeal Caffara a aceitou confiando a sua administração a um grupo: não é a diocese que administra a empresa. O que a diocese indica é que na empresa haja o máximo de proteção para os trabalhadores em termos de bem-estar e de princípios éticos, e, depois, a distribuição dos lucros. A escolha foi a de geri-la para a caridade, para iniciativas de ajuda aos mais pobres. Isso nos faz bem, nos faz crescer na ajuda aos necessitados e em projetos para o trabalho. Sem fazer com que a Igreja se torne uma empresa social, mas olhando para projetos como o microcrédito, que possam dar respostas a tantas situações de dificuldade e de precariedade.
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Amoris Laetitia "Não existe um prontuário. É preciso paternidade por parte dos padres". Entrevista com Matteo Zuppi, arcebispo de Bolonha - Instituto Humanitas Unisinos - IHU