14 Janeiro 2017
Desnatalidade alarmante, corrupção endêmica, tributação anormal, imigração fora de controle. Não é o retrato da Itália de hoje, mas da Roma de 1.500 anos atrás. Quem demonstra isso é o historiador francês e diretor do Figaro Histoire, Michel De Jaeghere, no volumoso livro intitulado Gli ultimi giorni dell’impero romano [Os últimos dias do Império Romano] (Leg edizioni, 623 páginas), um documentado estudo em que são retraçadas as etapas da crise que levou ao colapso de um dos mais poderosos sistemas político-militares do mundo.
A reportagem é de Andrea Colombo, publicada no jornal La Stampa, 13-01-2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Graças à análise de De Jaeghere, aparece claramente o fato que, a partir do século IV, não foi apenas a violência dos bárbaros que pressionam as fronteiras que prevaleceu. Foi também um senso de cansaço, de desorientação, de incapacidade de defender as comodidades conquistadas em tantos séculos de pax romana. Para combater a ameaça bárbara, o império começou a dedicar somas desproporcionais para exércitos e armamentos. A tributação cresceu enormemente. A cidadania romana, de honra e privilégio, se transformou em um fardo difícil de suportar, tanto que populações inteiras, especialmente da camada camponesa, buscaram proteção sob os reis germânicos e participaram dos saques dos bárbaros.
Perdidas as tradições militares da era republicana, afrouxada a disciplina nas legiões, os imperadores se viram forçados a recorrer a um exército de mercenários, pouco motivados e dispostos a se venderem à maior oferta. De Jaeghere salienta que, nas margens do império, ferviam bolsões de anarquia à baila das tribos locais, que, impulsionadas pelas invasões dos hunos ou atraídas pelo estilo de vida opulento dos romanos, muitas vezes invadiam, criando desastres. As fronteiras eram uma peneira. Os romanos se iludiram que podiam controlar essas tribos saciando-as de várias maneiras ou alistando-as para as suas fileiras.
Mas a tentativa de preencher o despovoamento dos campos e das cidades, mediante uma política que encorajava a imigração, teve o resultado inesperado de se encontrar com o inimigo em casa. A penetração maciça no tecido imperial de populações bárbaras também envolveu um boom da escravidão. Se na Roma republicana os cidadãos eram, acima de tudo, pequenos proprietários de terra, com o advento das conquistas, multiplicou-se o número dos latifundiários que geriam imensos poderes graças à disponibilidade ilimitada de mão de obra, a custo zero.
De Jaeghere observa que “a escravidão em massa (35% da população italiana nos tempos de Augusto) tinha paralisado a inovação tecnológica por toda a parte”. De fato, “se tornaria cada vez menos caro fazer com que escravos trabalhassem, em vez de desenvolver máquinas”. A usura tinha se tornado uma prática generalizada.
De Jaeghere contesta a tese, que ficou famosa por causa de Voltaire e Gibbon, de que o advento do cristianismo foi um elemento crucial da decadência do império. De acordo com a vulgata mais difundida, os imperadores teriam se interessado mais nas disputas teológicas do que nas estratégias militares. Além disso, o fim do paganismo, religião cívica que sancionava a fidelidade dos cidadãos ao Estado, teria aberto as portas à anarquia. De Jaeghere inverte essa perspectiva e defende, ao contrário, que o império ruiu precisamente porque o cristianismo não prevaleceu.
Não só os Padres da Igreja, com Santo Ambrósio na primeira fila, exortavam os imperadores a combater contra os bárbaros, levantando a bandeira de Cristo em defesa da cidade eterna, mas também consideravam Roma a nova Jerusalém, que difundiria por todos os seus territórios o verbo de Jesus.
A legislação imperial, sob a influência do cristianismo, tentou deter a degeneração dos costumes e introduziu medidas contra a usura, o aborto, o divórcio e a homossexualidade. Algumas leis impuseram que se atendessem as necessidades das classes mais pobres. Mas esses procedimentos eram constantemente desatendidos, a corrupção tinha se tornado a única lei de Roma, os aristocratas viviam para além do bem e do mal, os miseráveis se tornavam cada vez mais miseráveis. Formalmente, o império era cristão, mas o sistema estava em putrefação.
Hoje, na Europa, há uma grande discussão sobre a crise da civilização ocidental. São muitos os sinais que indicam um esgotamento do impulso propulsor que tinha feito do Velho Continente um farol e que ainda hoje atrai milhões de desesperados. Mas talvez bastaria ler a história para entender que alguns processos podem se repetir, mesmo nas circunstâncias em mudança. “O Império Romano nos serve de advertência”, conclui De Jaeghere. E é um aviso inquietante.
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Crise do Império Romano há 1.500 anos e crise da Europa hoje: alguma semelhança? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU