29 Novembro 2016
"São tantos os direitos desrespeitados que até parece que não há solução, mas a tristeza, a dignidade e a firmeza com que os povos indígenas nos relataram sobre suas lutas e suas re-existências e também os sorrisos e brincadeiras das crianças nos fazem sair desse evento com a certeza de que a sua luta é a nossa, que a defesa de uma sociedade brasileira melhor passa pela garantia dos seus direitos territoriais, mas também de suas formas de vida que nos ensinam valores fundamentais a cada dia", escreve Unioeste - Marechal Cândido Rondon em manifesto publicado, 15-11-2016.
Eis o manifesto.
Nós, Camponeses, Estudantes, Indígenas, Pesquisadores e Professores da Educação Básica, de diferentes regiões do Estado, presentes na IV Jornada de Pesquisas sobre a Questão Agrária no Paraná, vimos a público denunciar e expressar nossa preocupação com o retrocesso de instrumentos jurídicos, Políticas, Programas e outras medidas ligadas ao campo e que foram objeto de intenso debate durante a Jornada.
A atual destruição de instâncias internas ao Estado brasileiro que tinham por atribuição a garantia de direitos inalienáveis constitucionalmente garantidos aos sujeitos do campo, - a exemplo das populações indígenas, povos tradicionais e camponeses beneficiários da reforma agrária e pequenos agricultores de um modo geral -, é medida de extrema gravidade, que vulnerabiliza em massa a população do campo e da cidade, impondo recessão econômica e fazendo ruir conquistas sociais.
Segundo o Ministério de Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), na última década, a expansão da agricultura capitalista, falsamente confundida com agronegócio, consumiu, em média, 87% dos recursos públicos destinados ao campo. Contudo, há que destacar que o extraordinário impacto dos parcos 13% de investimentos na agricultura dos pobres, foram determinantes para a exclusão do Brasil do mapa da fome no mundo, fato ocorrido em 2014, conforme anunciado pela Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO).
No contexto dos impactos econômicos virtuosos como o dos mercados institucionais, traduzidos em aumento da produção de alimentos saudáveis para a cidade e o campo e que, pela primeira vez na história do país, chegou às escolas, hospitais e feiras que alimentam o povo brasileiro, houve melhoria das condições de vida das populações do campo e das cidades e construção dos princípios de sustentabilidade garantidos pela expansão da agricultura agroecológica, acesso à Educação do Campo, reconhecimento identitário, entre outros. Esses feitos se deram amplamente ancorados em políticas públicas focadas no Desenvolvimento Rural, mas que na prática, desdobraram-se em Desenvolvimento Local, em função de basear-se na agricultura lastreada na produção de alimentos saudáveis e geração de empregos.
No entanto, a recente intensificação do processo de criminalização dos movimentos sociais do campo e a invisibilização da produção camponesa que, segundo o próprio Estado brasileiro (IBGE, 2012), contribui com 38% do faturamento agropecuário brasileiro, têm sido utilizadas para justificar a retirada dos recursos e a destruição dos direitos dos marginalizados de sempre. Ao mesmo tempo, o reconhecimento das diversas identidades de povos e comunidades tradicionais não tem servido para um reconhecimento dos seus territórios, ao contrário, diversas PEC’s estão sendo tramitadas para acabar com essa possibilidade.
Assim, vivenciamos um processo de retrocesso que nos preocupa e nos instiga a apresentar denúncias, com base em nossa presença cotidiana no campo, por meio de pesquisas, inúmeras ações extensionistas e processos educativos por nós desenvolvidos.
Denunciamos, em primeiro lugar, a situação de descaso e repressão que sofrem os povos indígenas na região Oeste do Paraná. Após visitar, durante o evento, quatro aldeias de Terra Roxa e Guaíra (Tekoha Yvyporã, Tekoha Tatury, Tekoha Mirim e Tekoha Karumbey) registramos múltiplos direitos humanos, sociais e territoriais desrespeitados e vulnerabilizados que expomos a seguir:
São tantos os direitos desrespeitados que até parece que não há solução, mas a tristeza, a dignidade e a firmeza com que os povos indígenas nos relataram sobre suas lutas e suas re-existências e também os sorrisos e brincadeiras das crianças nos fazem sair desse evento com a certeza de que a sua luta é a nossa, que a defesa de uma sociedade brasileira melhor passa pela garantia dos seus direitos territoriais, mas também de suas formas de vida que nos ensinam valores fundamentais a cada dia.
Essas denúncias confrontam um modelo de campo baseado em uma macroeconomia enganosa que mantém os desequilíbrios e as desigualdades, os monopólios e os lucros para poucos, o uso indiscriminado e mortal dos agrotóxicos, as técnicas irresponsáveis das corporações, as injustiças sociais. Um modelo que relega o papel do Estado a subsidiar o benefício de um agronegócio para poucos e que esbanja bens naturais e financeiros. Trata-se de um modelo que coloca em risco, definitivamente, a vida. Esse modelo da modernização da agricultura que não respeita a diversidade de saberes do campo brasileiro, que acirra seus problemas e que limita a reprodução da diversidade de povos no campo é um modelo que não serve, que deve ser radicalmente transformado a partir dos projetos fundados na justiça social que as mobilizações já estão promovendo.
Por isso conclamamos o engajamento de cada brasileiro para que participe do esforço de desconstrução da barbárie que está em marcha, através do apoio às seguintes ações:
As pesquisas, os debates, as visitas em campo e a descrição de nossas lutas cotidianas nos deram elementos para nos posicionar desta forma frente à quantidade de problemas e ameaças que nos interpela profundamente. Com essa carta queremos fortalecer caminhos para a ação conjunta propondo ações e reflexões que nos permitam construir alternativas comuns.
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Manifesto da IV Jornada de Pesquisas sobre a questão agrária no Paraná - Instituto Humanitas Unisinos - IHU