24 Novembro 2016
Dar origem a um movimento global de centro-direita, restabelecer o nexo entre tradição judaico-cristã e capitalismo, inclinar-se com as organizações antiaborto e antigay, apoiar os nacionalismos contra as visões paneuropeias e euroasiáticas, colocar no centro de tudo isso o “Tea Party”, o movimento da direita radical e de base que, há cerca de uma década, pôs em crise o establishment tradicional do Partido Republicano dos EUA. Era isso que, em 2014, teorizava Steve Bannon, homem forte da equipe de governo do novo chefe da Casa Branca, Donald Trump.
A reportagem é de Francesco Peloso, publicada no jornal L’Unità, 23-11-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
No verão daquele ano, Bannon proferiu um longo discurso conectado em videoconferência com o Dignitatis Humanae Institute, um órgão conservador católico, com sede nos arredores do Vaticano.
Esse texto, agora, é lido com uma certa atenção. Mas por que motivo o futuro conselheiro do presidente bilionário foi chamado a intervir? Do outro lado do Rio Tibre, há muito tempo, estão ativos círculos ultraconservadores, em alguns casos apoiados ou financiados por movimentos e fundações estadunidenses.
Nessa galáxia, encontramos também o instituto Dignitatis Humanae, ligado, dentre outros, a políticos de vários países e em cujos organogramas encontram-se os nomes de diversos cardeais conservadores, mas não só.
Aquele que se destaca, no entanto, é o nome do presidente do advisory board, isto é, o do cardeal estadunidense Raymond Leo Burke, líder da ala intransigente da direita eclesial no Vaticano, removido pelo Papa Francisco de todos os órgãos de governo da Cúria, porém ainda ativo. Tanto que assinou, há alguns dias, junto com outros três purpurados, uma carta dirigida a Francisco na qual se expressa um claro desacordo em relação ao documento Amoris laetitia, sobre o matrimônio e a família, com o qual o bispo de Roma delineava um modelo de Igreja aberta também a categorias geralmente excluídas, como os divorciados recasados civilmente.
Com Burke, outros dois cardeais muito idosos, Walter Brandmüller – já conhecido por ter defendido que a reviravolta conciliar em favor do diálogo com os judeus não era tão vinculante para os católicos –, depois Joseph Meisner, ex-arcebispo de Colônia, e principalmente o atual prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, Gerhard Ludwig Müller, cujo dicastério foi esvaziado de papel a partir da configuração pastoral e não mais legislativa dada pelo papa à vida da Igreja.
O fato de tradicionalistas e ultraconservadores terem visto com satisfação a vitória de Trump também em função anti-Bergoglio não é um mistério. Mas, certamente, o vínculo Bannon-Vaticano nessa chave dá à questão outro peso.
Quanto ao mérito, a fórmula proposta por Bannon era mais ou menos a de George W. Bush, ou seja, um capitalismo que retorna aos seus instintos primários, sem limites, temperado, ao mesmo tempo, com um cristianismo ético, ideológico e identitário.
Mas há um decisivo elemento antissistema a mais na teoria de Bannon, ou seja, a crítica ao “capitalismo clientelista”; o resgate dos bancos de 2008 é julgado como desastroso, e disso são acusados governos que, em conluio com as instituições financeiras, agiram para assegurar os bancos, enquanto a classe média se empobrecia.
Em suma, à receita clássica do ultraliberalismo de rosto humano, acrescenta-se o tempero decisivo da “revolta” contra o Estado-capitalista e os grandes banqueiros.
Os aliados indicados, nem é necessário dizer, são o húngaro Victor Orban e os ingleses do Ukip, o partido nacionalista do Brexit. Esse é o quadro, mas, cuidado, a guerra não falta: o inimigo global da civilização judaico-cristã só pode ser o Califado, visto como uma espécie de prolongamento do Islã pelo conselheiro de Trump.
Em tal estratégia, de acordo com Bannon, um “cleptocrate” como Putin também pode ajudar, enquanto as pulsões racistas dos movimentos nacionalistas serão superadas com o passar do tempo.
Se não fosse verdade, pareceria que estávamos lendo o roteiro de “Dr. Fantástico”, atualizado ao terceiro milênio. Nesse contexto, o papa dos migrantes e dos “descartados”, das pontes em vez dos muros, do repensamento do modelo de desenvolvimento, do diálogo entre civilizações, líderes e nações, é hoje um obstáculo real. Ainda mais que Francisco está renovando a Igreja, levando novamente à sua raiz evangélica ao longo da linha da misericórdia e, desse modo, indicando na compreensão das diversidades, na justiça e na caridade, os caminhos a se seguir.
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A reviravolta dos EUA reanima a ala anti-Bergoglio no Vaticano - Instituto Humanitas Unisinos - IHU