24 Novembro 2016
“Não se trata apenas de uma mudança na política da Igreja. As palavras do papa mudam a lei da Igreja.” Para o padre James Bretzke, professor de teologia moral do Boston College, “a carta de Francisco é muito significativa no contexto do seu papado, que entrará para a história como o papado da misericórdia. Aqui nos Estados Unidos, é uma escolha que vai dar o que falar.”
A reportagem é de Alberto Flores D'Arcais, publicada no jornal La Repubblica, 22-11-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
A notícia que chegou do Vaticano na madrugada estadunidense logo se tornou primeira página de sites de notícias e de redes de TV, enquanto, nas redes sociais, começou o costumeiro balé de torcidas opostas.
Passaram-se apenas duas semanas desde a eleição de Donald Trump, e a questão do aborto (com relativas implicações religiosas, culturais e políticas) durante a campanha eleitoral levantou críticas e distinções, com diversos bispos estadunidenses comprometidos (às vezes em primeira pessoa) com a defesa de posições que, mais de uma vez, eles articularam com as teses antiabortistas de Donald.
O episcopado dos Estados Unidos – cuja hierarquia se formou nos longos anos de pontificado de João Paulo II e, mais recentemente, nos de Bento XVI – assumiu posições frequentemente muito críticas em relação ao presidente Obama (por causa das suas posições sobre o aborto e o casamento gay, mas também sobre a reforma da saúde), uma linha que foi desacreditada, de algum modo, pelo Papa Bergoglio, quando, na sua viagem a Washington no ano passado, disse que os bispos não devem usar “uma linguagem belicosa”, mas “conquistar espaço no coração dos homens”.
Reunida em Baltimore poucos dias depois da eleição de Trump, a Conferência Episcopal dos Estados Unidos renovou a sua cúpula, enviando sinais mistos para milhões de fiéis que – durante a campanha eleitoral – tinham se dividido, por sua vez.
Para o novo presidente da Conferência, o cardeal Daniel DiNardo – arcebispo de Galveston-Houston (Texas), considerado conservador – interpretar a sua eleição como um voto de desconfiança contra o Papa Francisco seria “uma loucura” (“Eu sou um padre e um bispo tradicionalista e tenho grande respeito e consideração pelo papa. É uma loucura interpretar as minhas posições como se fossem contra ele”).
Como número dois, foi escolhido José Gomez, arcebispo de Los Angeles (nascido no México), que é considerado, sobre questões como a imigração (e o famoso muro), um inimigo jurado do próximo presidente, mas, sobre o aborto – ele que é defensor dos latinos e homem do Opus Dei –, poderia se alinhar com as posições conservadoras.
De Baltimore, os bispos dos Estados Unidos enviaram uma carta a Trump (“Temos toda a vontade de trabalhar juntos”), enfatizando, entre os principais temas, o da “proteção da vida”.
Para James Martin, jesuíta que escreve para a revista America (a mais importante revista católica), o anúncio dessa segunda-feira, tem “um grande significado”, porque, se até agora tinha havido “a permissão por apenas um ano, agora essa possibilidade foi estendida por tempo indeterminado”. E todos deverão levar isso em conta: “Trata-se de outro grande gesto de misericórdia”.
Aborto, muros, imigração, mas não só. A presidência Trump está destinada a se cruzar sobre mais questões com a Igreja Católica, tanto na versão progressista e social do Vaticano de Francisco (a sua posição sobre os imigrantes e o mundo muçulmano está em conflito aberto com os programas da próxima Casa Branca) e do novo cardeal Joseph Tobin, que, na versão mais conservadora, cujo expoente de destaque é o cardeal Burke (aquele que disse que nega a comunhão aos dois políticos católicos mais conhecidos do Partido Democrata, o secretário de Estado, John Kerry, e a líder do Congresso, Nancy Pelosi).
Alguns atritos também poderiam existir sobre a Rússia. Motivo? O chefe da Igreja Ortodoxa Russa, o Patriarca Kirill, se lançou contra o casamento gay (ele o comparou com as leis nazistas e ao apartheid na África do Sul, “é algo que contradiz as leis da natureza. Quando a lei vai contra os valores morais, as pessoas se rebelam”) e disse estar confiante na “esperança” que trouxe ao mundo a vitória de Donald Trump. Que, como já se sabe, tem uma queda por Vladimir Putin.
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Vaticano-EUA: o risco de um grande gelo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU