Por: Jéferson Ferreira Rodrigues | 02 Setembro 2016
A tradição cristã, na sua história, manteve com outros saberes uma relação matizada por encontros e desencontros. Quando perpassa-se os seus inícios, percebe-se uma fecunda interação com diversos universos religiosos e culturais daquele tempo, assimilando e reinterpretando(-se) os(nos) elementos fundamentais para melhor explicitar sua busca pelo Mistério e sua profissão de fé.
Isso estendeu-se por um período considerável, onde a atmosfera religiosa predominava, mas quando adentra-se num outro momento histórico, e esse é a modernidade: os curtos circuitos sobressaem e colocam a fé cristã diante da oportunidade de uma "nova" interpretação.
O advento do pensamento científico não colocou em crise apenas a teologia e a experiência cristã na fé, mas todos os saberes, nesse caso, trata-se das ciência humanas, que buscavam uma cientificidade através de seus métodos para o fenômeno humano. Tal crise é promovida pela mudança de método e de paradigma.
A ciência torna-se a palavra definitiva e confiável, para toda e qualquer análise da realidade, pois não está baseada nas alturas do espírito humano e sua possibilidade de transcendência, mas precisa ser submetida à avaliação e comprovada na demonstrabilidade de seus experimentos. E como homens e deuses, guardados em suas peculiaridades, não podem ser "demonstráveis", não cabem nos tubos de ensaios, tão pouco cabem nos microscópios, então, tais saberes ficam em suspensão, e com uma certa pressa são considerados como falsos e indignos de credibilidade.
Com isso, o progresso das ciências assumiu o "controle" da cosmovisão subsequente, mudando os paradigmas e determinando os elementos necessários para descrever e entender a realidade que emergia. Torna-se sinônimo e condição de conhecimento "seguro" e "verdadeiro". Embora a crença científica mantenha sua relatividade, acabou fabricando para si seus absolutos, dogmas, ministros, templos e suas liturgias.
Isso acentuou um "descaso científico" por aquilo que é religioso/teológico, desencadeando uma postura defensiva por parte da Igreja e da teologia, especificamente no ato de "enclausura-se" sem uma resposta digna e a altura para aquele tempo. O repúdio a tudo que pudesse vir daquelas fontes, torna-se visível no "antimodernismo" como postura e orientação máxima na experiência eclesial e no exercício teológico.
As mudanças proporcionadas pelo universo científico, não se restringe ao âmbito dos laboratórios e às discussões dos especialistas, mas atinge o "mundo das pessoas", em todas as suas dimensões, pois acontece uma mudança no modo de interpretar o mundo. Não é uma simples mudança. Ela tem muitas consequências, inclusive a experiência cristã, no âmbito eclesial e teológico, precisou deixa-se interpelar e buscar uma renovada reinterpretação de suas convicções mais fundamentais.
Agora, como entender e entregar a vida e a fé a um Deus criador, professado no credo, diante de um mundo em expansão? Quais são as consequências intelectuais e práticas de tal entendimento? As respostas não podem ser apresadas. É preciso discutir profundamente com firme disposição de um aprendizado mútuo. Caso contrário, muda-se apenas na "embalagem", mas não no conteúdo. Isso não é suficiente!
Diante do confronto, a primeira tendência é ignorar e desqualificar o contraditório, ou ainda, aquilo que me implica e faz pensar. Em certa medida, a pessoa humana elabora para si "mundos paralelos", sobretudo para proteger-se, ou seja, começa a perceber a vida em compartimentos. Isso diz respeito ao "mundo da fé" e também ao "mundo da ciência". Não cultiva-se a interação e mantém com certa onisciência as fronteiras que dividem tais mundos.
Tal crise acaba por fragmentar e dividir a pessoa, sem considerá-la na sua integralidade, e por sua vez, não se descobre que mesmo "mundos" de diferentes naturezas e finalidades podem interagir e enriquecer-se mutuamente. Contudo, para ambos é preciso uma atitude de disponibilidade. Hoje muito bem traduzida, nem sempre praticada, na postura interdisciplinar.
Tal postura de disponibilidade é assumida pela Igreja, no Concílio Vaticano II (1962-1965), através de não continuar na manutenção da desconfiança, até mesmo de repúdio, e começar a reconhecer os avanços proporcionados pelas ciências, no que tange a vida humana e sua repercussão na vida de fé.
Contudo, entende que algumas das contribuições contradizem suas convicções mais profundas, mas isso não é suficiente para impedir a abertura e a disponibilidade em aprender e promover uma existência que tenha sentido e tenha seu próprio valor.
Com isso, os(as) teólogos(as) como companheiros(as), no exercício crítico da fé, precisam descer do conforto proporcionado por suas "torres de marfim", ou ainda, descer de suas abstrações, para ouvir as perguntas daqueles que creem, e também daqueles que não creem, e daí sim, formular respostas qualificadas desde os múltiplos interpretes, ressaltando o aspecto público da fé e da própria teologia.
Essa atitude está consonante com a postura do Evangelho, naquilo que tange a atitude mais radical de Jesus: kénosis, esvaziamento, humildade. A encarnação do Filho, na pessoa de Jesus de Nazaré, revoluciona os padrões de seu tempo, sua simplicidade e profecia também causam desconforto. A postura de esvaziamento e de contínuo aprendizado, sobretudo com os diferentes e vulneráveis inaugura a possibilidade de um "mundo novo": o Reino de Deus. Isso implica em seguimento e numa espiritualidade própria, como resposta radical e decidida de seguir esses passos e projeto.
Diante de um "mundo científico" tal postura é salutar, nutrida por uma espiritualidade saudável, ou ainda, a espiritualidade do seguimento, vivida na autenticidade de uma existência que encontrou sua razão na disponibilidade ao outro e na autenticidade do serviço aos mais vulneráveis.
Tal espiritualidade torna-se um elo articulador de uma "outra relação possível": desfaz a desarmonia causada pelos embates de um passado, não muito distante, e cria a oportunidade de parceria num aprendizado mútuo, sem sobreposições e sem alimentar maledicências. Cada saber está a serviço da humanidade.
"Quero mostrar que a ciência não é uma inimiga agressiva da fé cristã,
mas uma amiga que ajuda a esclarecer a visão que a fé tem da realidade"
(Roger Haight)
Roger Haight, no Cadernos Teologia Pública, edição 74, analisa o seguimento de Cristo na interação com os avanços científicos, especificamente das grandes ideias propostas pela ciência, no que tange, ao "confronto" com a fé. O autor fala na condição de "não cientista", isso não diminui em nada sua reflexão, sobretudo porque como teólogo busca a inteligibilidade da fé, deixando-se interpelar pelas questões colocadas pelas ciências. Não pretende resolver os problemas, mas entender como esses dois mundos interagem e se implicam mutuamente.
O texto está organizado em três partes:
1. Desafios científicos para a fé e espiritualidade cristã
2. A Espiritualidade do seguimento de Jesus
3. O seguimento de Jesus numa era científica
Para acessar o texto: clique aqui
Roger Haight é ex-presidente da Sociedade Teológica Católica dos Estados Unidos. Professor Visitante no Union Theological Seminary, em New York, uma tradicional cada de formação de teólogos fundada em 1983 como uma instituição presbiteriana e onde estudaram grandes nomes da teologia mundial. Foi professor de Teologia por mais de 30 anos em escolas da Companhia de Jesus em Manila, Chicago, Toronto e Cambridge. For professor visitante em Lima, Nairobi, Paris e em Pune (Índia).
Eis algumas obras:
O futuro da cristologia (São Paulo: Paulinas, 2005)
Jesus símbolo de Deus (São Paulo: Paulinas, 1999)
Dinâmica da teologia (São Paulo: Paulinas 1990)
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Seguimento de Jesus na Era científica - Instituto Humanitas Unisinos - IHU