04 Outubro 2012
Fé e ciência tentam responder a perguntas que acompanham o ser humano em toda a sua existência: qual é a origem do cosmos, o início e o fim de tudo que existe? De onde viemos e para onde vamos? Na tentativa de oferecer respostas a essas questões, religião e ciência tentam dialogar, mas entre cientistas e teólogos, o diálogo e a compreensão dessas duas esferas é complexo, e às vezes difícil.
Na tentativa de responder à pergunta "É possível o diálogo entre fé e ciência?", e apontar as aproximações e divergências entre os dois campos, o físico e Prof. Dr. Marcelo Gleiser, do Darthmouth College, em Hanover, nos Estados Unidos, e o teólogo e Prof. Dr. Michael Welker, do Wissesnschaft und Theologische Seminar, de Heidelberg, Alemanha, expuseram seus argumentos para a platéia que assistia a conferência do XIII Simpósio Internacional IHU - Igreja, cultura e sociedade. A semântica do Mistério da Igreja no contexto das novas gramáticas da civilização tecnocientífica.
Para o físico agnóstico, "existem problemas nessa conversa", porque as pessoas podem assumir posições diversas ao discutirem esses temas. As limitações desse diálogo, assegura, podem ser averiguadas nos dois últimos séculos, que foram marcados por "um extremismo na religião e na ciência". Ao que compete a sua área de atuação, Gleiser disse que a função da ciência é explicar os fenômenos naturais por meio do método empírico, onde se parte de uma hipótese e de testes. "A ciência se utiliza de uma metodologia, que prova ou não a hipótese, a qual funciona até surgir uma nova teoria", esclarece.
Apesar de reconhecer a existência de cientistas religiosos, ao manifestar sua posição pessoal sobre o "diálogo possível", o cientista é enfático: "Não existe um conflito, existe uma incompatibilidade entre naturalismo e sobrenaturalismo. Essa dicotomia do naturalismo e do sobrenaturalismo, de que existe outra realidade que não pode ser explicada através das forças da natureza, é o grande ponto de tensão entre religião e ciência. Nesse ponto epistemológico, elas são incompatíveis.Para o cientista, o conhecimento não vem da revelação da fé e, sim, de um método repetitivo. Existe uma universalidade na ciência, que é muito bela. As pessoas fazem escolhas subjetivas do que acreditar". Sobre essa questão, ele também falou à IHU On-Line na tarde de ontem, quando concedeu uma entrevista pessoalmente: "É muito difícil para um cientista, e eu me incluo nisso, aceitar a existência de uma entidade sobrenatural no universo, porque isso vai contra toda a estrutura do pensamento científico”.
Na avaliação do seu opoente, o teólogo alemão Michael Welker, "a Igreja sempre dialogou com os cientistas", mas a discussão é difícil porque poucas pessoas dedicam-se ao estudo pontual da relação entre as duas esferas. Diante desta limitação, questiona: "Como lidar com racionalidades separadas, afastadas, que não conseguem entrar em diálogo?" Para ele, é fundamental que as pessoas superem a compreensão de que a religião somente preocupa-se com a transcendência. Pelo contrário, ela tem um papel social e político a desempenhar nas sociedades. "A religião não lida apenas com a transcendência sobrenatural, lidamos com a cultura, por exemplo. É importante nos livrarmos das caricaturas, de que a religião só tem a ver com o transcendente", reitera.
Na sua exposição, Michael Welker salientou que é "preciso ver por trás da bagunça do mundo um resgate que enobreça a vida, e mostre que não somos apenas uma cobaia neste mundo. Tem de existir um propósito na vida, que esteja acima 'de comer e ser devorado'. É nesse sentido que chamo atenção para a religião. Temos de ter a religião para buscar as verdades mais profundas".
Diálogo possível?
Durante a conferência, a IHU On-Line refez a pergunta que norteou os debates da noite a alguns participantes. A resposta foi unânime, mas com perspectivas significativas.
O tema é uma das "paixões" do teólogo aposentado, Donald Nelson, que veio do Paraná para acompanhar a discussão. "Tenho paixão por esse debate, que no passado era conflitivo, e por vezes foi indiferente na minha vida. Mas como Gleiser, estou convicto de que o diálogo é o caminho, e isso significa que existe fé e razão. Na Igreja, o pensamento é diálogo. Pensamos que Deus está criando o mundo através do processo evolutivo", frisa. Na compreensão do teólogo Celso Pinto, do Rio de Janeiro, o diálogo não só é possível, mas "necessário, porque existem explicações que a ciência faz e a teologia precisa ouvir. Do outro lado, a ciência também precisa ser modesta e entender que há outras maneiras de falar da vida, que não a científica".
Já no entendimento da teóloga e professora da Unisinos e integrante do Instituto Humanitas Unisinos - IHU, Cleusa Andreatta, "o diálogo é possível porque cada uma das áreas, com seus recursos etimológicos, tenta responder questões fundamentais da existência humana. O importante é o discurso de cada uma das áreas, apesar de serem discursos insuficientes". Ana Formoso, teóloga e integrante do Instituto Humanitas Unisinos - IHU, também vislumbra uma possibilidade de conversa nessas esferas, mas reconhece que as "metodologias de abordagem são diferentes; têm uma distância que temos de buscar. A religião tem de cultivar, mas tem de desconstruir-se da violência antropológica e cultural que carrega".
Para a jornalista Anne Ledur, "desde que ambas as partes sejam flexíveis, o diálogo é possível". Entretanto, ressalta, "hoje percebemos que a ciência veio mais preparada para o diálogo, enquanto a religião estava na defensiva". O estudante de Física da Unisinos, Marco Antônio, atraído para o debate pela presença de um de seus inspiradores, também concorda com a possibilidade de diálogo, "desde que tenha níveis de tolerância entre as partes, no sentido de que a religião não despreze a ciência, e de que a ciência se conforme em não poder explicar tudo".
Na avaliação do teólogo Erico Hammes, não há oposição nas discussão, e "o diálogo é possível no sentido de que são âmbitos diferentes, e que precisam aprender reciprocamente sua própria gramática e linguagem a respeito das diferentes abordagens da realidade. A ciência nos coloca no mundo como seres inteligentes e capazes de interferir na realidade. A religião e a teologia nos aproximam das dimensões existenciais e das questões da vida, de forma que não haja uma posição irracional sobre essas questões. A religião pode ser vivida na condição plena da razão e da inteligência".
Ao responder as questões durante o debate, Gleiser reiterou que "o sentido da vida está na pró-cura, ou seja, na escolha subjetiva de cada um", apesar de reconhecer que qualquer método de explicação único é um esvaziamento do pensando humano. "Pensar só de uma forma é um empobrecimento cultural. Mas, ciência e religião não podem invadir uma a esfera da outra".
Welker, concorda, e aponta que o objetivo do diálogo "é tornar cada um o que é, e para isso é preciso um discurso da diferença. Temos diferentes religiões e diferentes campos da ciência. Temos uma cultura multissistêmica e é preciso considerar isso".
Texto de Patricia Fachin e Fotos de Luana Nyland
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Fé e ciência: o diálogo é possível. E agora, como dialogar? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU