15 Março 2016
Francisco, nestes tempos obscuros que estamos vivendo, modificou o lema evangélico dizendo: "Ama o teu próximo mais do que a ti mesmo". É aí que está a sua revolução que se transfere para a política.
A opinião é de Eugenio Scalfari, jornalista e fundador do jornal italiano La Repubblica, 13-04-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
O Papa Francisco completou no dia 13 de março três anos do seu pontificado. Ainda me lembro de quando o cardeal camerlengo da Santa Igreja Romana, assomando-se à sacada do Palácio Apostólico depois da fumaça branca, comunicou o nome que o papa tinha escolhido: a praça lotada e a Via della Conciliazione já haviam explodido em um aplauso ensurdecedor, mas, quando conheceu aquele nome, o aplauso se tornou uma ovação e aumentou ainda mais quando Francisco apareceu.
Pessoalmente, eu acompanhava o evento pela televisão: temos janelas que nos mostram o Panteão sob os olhos de quem olha o panorama; pouco mais adiante, o excêntrico campanário de São Ivo, depois a cúpula da Santa Inês e, por fim, no fundo, a cúpula de São Pedro, de Michelangelo.
Eu olhei intensamente aquele panorama, depois desviei o olhar para a minha esquerda: havia o Janículo, e se via distintamente a estátua de Garibaldi a cavalo. Lembro-me também do episódio que faz parte da história da Itália do Ressurgimento: Garibaldi e a sua "legião lombarda" tinham combatido em 1849 na Porta San Pancrazio contra os franceses que queriam esmagar a república romana e levar novamente o papa para lá. Garibaldi, depois de um sangrento confronto, ordenou a retirada. Enquanto os poucos garibaldinos que permaneceram atravessavam o Janículo, Nino Bixio apontou o canhão de que dispunham para a cúpula de São Pedro com a ideia de fazê-la saltar pelos ares, mas Garibaldi o viu e o deteve: "Você enlouqueceu?". Assim, ele o impediu, e a cúpula, desse modo, foi salva.
Eu tinha sob os meus olhos Francisco e Garibaldi.
Confesso que essa associação feita pelos meus pensamentos me comoveu. Na minha idade, comover-se é fácil, mas nunca pensaria que, com o Papa Francisco, eu teria um contato estreito, a tal ponto que ele, em um certo ponto da nossa relação, me disse que me considerava como um amigo e, enquanto me dizia isso, me abraçou.
Peço desculpas por ter começado contando os meus sentimentos antes de entrar no mérito deste artigo dedicado a Francisco no dia do seu aniversário como pontífice, mas os sentimentos fazem entender melhor os pensamentos que deles derivam, e esses sentimentos produziram uma amizade muito valorizada por mim (e espero que também por ele) entre o papa católico e um não crente como eu sou.
* * *
Escrevi várias vezes e já o disse várias vezes em voz alta que Francisco é um revolucionário. Um espírito profético e revolucionário. Ele mesmo também tem uma linguagem afetuosamente irônica e, em um telefonema recente, do dia 2 de dezembro, ele começou me dizendo: "Alô, sou um revolucionário". Era a tarde do dia posterior ao seu retorno de uma viagem à África, onde ele abriu a primeira porta desse Jubileu.
Como todos sabem, esse Jubileu extraordinário (os ordinários ocorrem a cada 25 anos) é dedicado à Misericórdia, e é daí que eu quero partir para indicar os pontos de fundo desse evento revolucionário.
A misericórdia é um valor típico do Sagrado, mas não apenas: é ou, melhor, deveria ser também um valor civil, até mesmo social. Alguns o confundem com o perdão, mas não é assim. O perdão pressupõe um pecado que o pecador admite que fez e do qual se arrepende. Esse não é apenas um fato religioso. Se o que uma religião define como pecado for também um crime que diga respeito à justiça e às leis, a confissão pode ser considerada como um atenuante, mas que não apaga o crime, com as consequências do caso.
Como fato religioso, em vez disso, o arrependimento comporta a absolvição acompanhada por um percurso penitencial.
Eu me lembro que o cardeal Martini, de cuja amizade fui honrado, me disse que o sacramento mais importante de todos é a confissão e o percurso penitencial que o pecador deve seguir, e ele certamente não é obrigado a recitar alguns Pater Noster e algumas Ave-Marias. Para os pecadinhos, tudo bem, mas não para os graves.
Francisco, quando fala dos pecadores, faz duas considerações. A primeira é a pouca importância dos "pecadinhos" determinados pelo caráter da pessoa, pelo ambiente em que vive, pelas tentações que sofre e as quais, às vezes, não sabe resistir.
Mas, depois, restam os pecados verdadeiros, graves, produzidos pelas escolhas do mal em vez do bem. Deus nos deu o livre arbítrio, e como (assim pensa o papa) dentro de nós, de todos nós, existe uma vocação para o bem e uma para o mal, se escolhemos esta última, o pecado é grave, e o pecador deve tomar o processo penitencial que tem o objetivo de convencer aquela alma para seguir a vocação do bem. Esse, aliás, é o objetivo da Igreja missionária que Francisco lançou como tarefa exclusiva da religião católica.
Sobre esse ponto, nas nossas conversas, houve um aprofundamento. Se o pecador não se arrepende e, depois, cai doente e chega ao ponto da morte e, naquele momento, se arrepende, o perdão de Deus é certo.
À objeção apresentada por mim de que esse arrependimento poderia ser feito como uma hipotética vantagem para o Além, a resposta de Francisco foi: o Senhor vê dentro das almas e, portanto, sabe se o arrependimento é real ou determinado por um cálculo de segurança. E, depois, acrescentou mais outra coisa: "Pode acontecer que o moribundo tenha o desejo de se arrepender, mas não chegue ao arrependimento propriamente dito. Isso é suficiente para o Senhor, e essa alma está salva".
Eu perguntei: a Igreja missionária tenta evocar a escolha do bem, mas quem decide em que consiste o bem? A Igreja ou a pessoa chamada a escolher com o seu critério? A resposta foi: "A pessoa, a menos que não seja uma escolha intimamente hipócrita". Eu tive essa indicação durante os nossos encontros e também a escrevi, mas depois a reencontrei no L'Osservatore Romano quando ele publicou algumas declarações públicas de Sua Santidade.
Não é revolucionário? Qual é o pontífice que chegou a lançar uma Igreja missionária desse tipo? E, acima de tudo, qual é o papa que quis que a atividade da Igreja fosse exclusivamente reservada à missão, renunciando a todo temporalismo político?
A Igreja sempre foi missionária, e a Ordem dos Jesuítas principalmente, mas a Missão sempre conviveu com o temporalismo que Francisco, ao contrário, desconfessou sem reservas.
O verdadeiro confronto com uma parte do episcopado mundial e, especialmente, do ocidental ocorre nessas questões. Francisco considera a Igreja institucional como uma espécie de hospital de campanha ou como o armazém onde se conservam os recursos para financiar os serviços.
A única frase que, nas nossas conversas, eu o ouvi dizer em francês foi: "L'intendance suivra". A intendência era precisamente a Igreja institucional, que deve ter contatos e resolver questões políticas "de serviço" com governos estrangeiros.
Não é por acaso que, à frente da Secretaria de Estado, está Pietro Parolin. É um ótimo diplomata, mas, ao mesmo tempo, é um sacerdote capaz de curar as almas. Talvez seja a pessoa mais próxima de Sua Santidade, o seu mais íntimo interlocutor.
Mas há um outro ponto fundamental na Missão que o Papa Francisco assumiu como objetivo a perseguir: a Misericórdia, da qual já mencionamos, mas que é oportuno aprofundar.
A Misericórdia não tem nada a ver com o perdão dos pecados. É um dom, é o requisito motivador da religião cristã, é a característica saliente da divindade. A definição mais clara e direta está no lema "Ama o teu próximo como a ti mesmo", que dá uma legitimidade ao amor para consigo – necessário para assegurar a sobrevivência do indivíduo – contanto que seja compartilhado com igual amor pelo próximo.
Sua Santidade, porém, nestes tempos obscuros que estamos vivendo, modificou esse lema dizendo "Ama o teu próximo mais do que a ti mesmo". É aí que está a sua revolução que se transfere para a política.
A política, a alta e nobre como Aristóteles a considerava, deve levar em consideração e assumir os valores que os tempos pedem. Amar o próximo mais do que a si mesmo deve se tornar um valor que se realiza especialmente com políticas sociais, pleno emprego, assistência aos fracos, inclusão dos excluídos, educação à ética pública, competência, honestidade. Pensem na corrupção desenfreada, pensem nos refugiados e nos imigrantes, e vejam qual é o sentido político-religioso do Papa Francisco.
Por fim, há o conceito do deus único, do qual ele fez a característica mais distintiva do seu pontificado.
Que o deus é único é um conceito até mesmo óbvio. Isso não descarta que igualmente difundido é o convencimento de que esse deus único é seu, e a sua propriedade é exclusiva. Assim, há o deus muçulmano, o deus judeu, o deus católico, o deus cristão, mas não católico, que, por sua vez, se distingue em ortodoxo, luterano, protestante, anglicano, valdense e assim por diante. Naturalmente, há também os deuses hindus e outras divindades do Oriente Médio e Distante.
Francisco reitera continuamente que não pode ser reivindicada a propriedade de deus. Diversas são as escrituras e os modos para chegar a ele. Moisés, Abraão, Jesus Cristo, Maomé e outros. Mas esses percursos, enquanto são feitos, nunca devem obscurecer a unicidade da divindade em geral e das monoteístas em particular.
Essa posição de Francisco exclui o fundamentalismo, combate-o e, de algum modo, excomunga-o. Esse é outra contribuição de alta política do papa. O fundamentalismo é o pai do terrorismo que se vale de uma religião profanada à sua imagem e semelhança, e está ensanguentando todo o mundo dos modos mais horríveis e desumanos.
Por fim, há a relação de Francisco com os não crentes. Somos muitos que cultivam essa relação, motivada pelo fato de que, entre as prescrições que concluíram o texto final do Concílio Vaticano II, destaca-se aquela que fala da necessidade de que a Igreja se encontre com a cultura moderna.
Francisco fez dessa necessidade uma das suas tarefas principais. Talvez a mais difícil, porque a modernidade nasce e envolve uma cultura inspirada pelo relativismo e pela laicidade.
A relação entre laicidade e fé religiosa, de fato, não é fácil de se instaurar e também envolve (mas Francisco está bem consciente disto) alguma mudança na Igreja.
Devo dizer que o lema "Ama o teu próximo mais do que a ti mesmo" certamente é um ponto de encontro com uma laicidade retamente entendida. Mas é preciso trabalhar ainda sobre isso, de um lado e de outro, para realizar esse encontro com plenitude de resultados, mantendo as diferenças nos modos de conceber a relação entre além e aquém.
Caríssimo Francisco, feliz aniversário pontifical e muitos votos pelo teu trabalho de paz, de amor pelo próximo, de misericórdia, que os não crentes também compartilham.
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Três anos atrás, Bergoglio decidiu se chamar Francisco. Artigo de Eugenio Scalfari - Instituto Humanitas Unisinos - IHU