22 Fevereiro 2016
"A ciência realizou, entretanto, enorme progresso, esclareceu muitos conceitos e ofereceu uma incrível variedade de aplicações práticas. A propósito da vida orgânica, a genética e a bioquímica revelaram muito sobre seus mecanismos fundamentais e a biologia molecular nos deu enfim o segredo dos segredos da organização biológica", escreve Edoardo Boncinelli, geneticista italiano, em artigo publicado por Corriere della Sera, 07-02-2016. A tradução é de Ramiro Mincato.
Eis o artigo.
A animação do corpo e das diferentes partes e a capacidade de conhecer (e de comportar-se em base a tal conhecimento), são as duas (ou três) características dos seres vivos, ou animados, historicamente explicadas pela posse de uma alma.
Segundo uma primeira concepção, a alma seria uma espécie de energia vital e de princípio organizador que permeia os seres vivos, mantém as atividades e coordena suas funções. Esta ideia incorpora o primeiro e, fundamentalmente, o mais “natural" significado da palavra “alma”. Com o passar do tempo, a aura de mistério que envolvia este "fluido vital" foi se apagando, mas a crença de que nos corpos opere algo imaterial que os faz viver, ainda atravessa os séculos XIX e boa parte do século XX, às vezes tomando o nome de Vitalismo. Muitos acreditavam e acreditam ainda hoje que o corpo não pode sozinho acender a vida e controlar suas funções. A ideia de que, provavelmente, algo imaterial é de algum modo "superior", e possui propriedades que a matéria não pode ter.
Alguém chamou “energia” este algo mais - energia vital ou energia psíquica -, contribuindo assim para tornar mais e mais denso o mistério. Estamos no reino da mais alta confusão terminológica e da consequente inclinação mística, embora ocasionalmente professada por pretensos laicos. Esqueceram que há mais de dois séculos a ciência não fala mais apenas da matéria, mas de matéria, de energia e de informação - os três parâmetros básicos do universo físico.
A ciência realizou, entretanto, enorme progresso, esclareceu muitos conceitos e ofereceu uma incrível variedade de aplicações práticas. A propósito da vida orgânica, a genética e a bioquímica revelaram muito sobre seus mecanismos fundamentais e a biologia molecular nos deu enfim o segredo dos segredos da organização biológica. Que é simples e linear: em cada célula do corpo são mantidas as "instruções para o uso" necessárias e suficientes para nascer, crescer, viver e reproduzir-se no momento apropriado. Estas instruções são trazidas pela molécula de DNA, presentes no interior do núcleo de cada célula, e estão escritas sob a forma de um texto linear utilizando um alfabeto de quatro letras ou caracteres: A, G, C e T.
O DNA é uma longa molécula constituída pela repetição ordenada destes componentes químicos elementares. Como todas as outras moléculas, o DNA tem sua estrutura, sua função, e pode ser sujeito a reações químicas. Sua natureza de molécula longa relativamente estável lhe confere, no entanto, propriedades informativas que as outras moléculas não têm: pode ser lida como um texto que contém uma mensagem, ou melhor, um complexo de mensagens.
O conjunto destas mensagens recebe o nome de patrimônio genético, ou genoma, de determinado organismo. Cada organismo tem o seu, e é caracterizada por ele. Recebeu-o de seus antepassados e o passará para seus descendentes quando se reproduzir. É o genoma, portanto, que dá continuidade à geração dos indivíduos de qualquer espécie.
O ponto essencial é que, se para uma pedra ou para um galho seco tudo acontece em nível de estruturas relativamente permanentes de dimensões macroscópicas - de milímetros para cima - para os seres vivos tudo o que importa acontece em nível molecular. É uma questão de mobilidade, transformações e interações moleculares ordenadas - principalmente, mas não exclusivamente, de proteínas - fluidas ou semifluidas, hospedadas e suportadas por estruturas moleculares mais estáveis, que podem também ser de dimensões macroscópicas, como organelos, membranas, vasos ou armaduras rígidas. Estas estruturas são, portanto, o que se observa de uma célula ou de um organismo vivo, mas a vida acontece dentro delas, e entre elas, em nível essencialmente molecular, e às vezes também atómico.
Outro significado possível da palavra alma - na verdade existem pelo menos sete - é aquele, muito impreciso, de mente. A mente pode ser definida como processamento dos conteúdos adquiridos, tanto aqueles provindos diretamente dos nossos sentidos, como aqueles de tempos em tempos chamados pelo "grande livro" da memória. A mente seria o complexo das atividades cerebrais superiores.
Não são muitos os que hoje ainda falam da alma, pelo menos fora da esfera estritamente religiosa, mas muitas pessoas falam o tempo todo de mente, que para eles é no fundo um pouco o substituto secular da alma, uma instância e uma atividade de algum modo superior e capaz de dar significado e objetivo para às diversas tarefas realizadas pelo cérebro.
Dentro de nós moram juntos processos de aprendizagem, ou cognitivos, e instâncias afetivas, ou emocionais. A palavra “mente”, por vezes, designa o conjunto de ambos os fenômenos, enquanto é usada, às vezes, para designar apenas os processos cognitivos, deixando as instâncias afetivas ao campo da psique.
Penso que em nossas cabeças há apenas moléculas, células e circuitos nervosos, enquanto muitos acreditam que há mais, a mente, por exemplo, distinta do cérebro e do seu funcionamento. Este está envolvido num número enorme de operações, muitas das quais não são por nós minimamente consideradas como atividades da mente, porque parecem problemas de "baixa atividade” cerebral.
Considere-se, por exemplo, aquelas operações cerebrais que nos permitem seguir com os olhos o voo de uma bola ou de um pássaro. Trata-se de operações complexíssimas, mas não as chamamos normalmente de operações da mente, porque as julgamos de "nível inferior". Com isso nos fechamos à possibilidade de compreender muitas das que definimos funções superiores e que aparecem para nós como surgidas do nada ou da atividade da Mente ou do Espírito.
Seja o que for que se diga, todas as funções cerebrais, inferiores ou superiores, se fundam e apoiam em processos automáticos ou semiautomáticos, ocorridos em nível de base: o sublime está fundado sobre o concreto e o complexo, sobre o elementar, sem nenhuma solução de continuidade.
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Segredos da mente? Moléculas, células e circuitos nervosos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU