27 Janeiro 2015
Foi a ciência que mudou o mundo: o prolongamento incrível da nossa vida, o aumento da previsibilidade das vicissitudes do mundo e a libertação de muitas condições sinistras de partida são exemplos disso. E o futuro ainda está por vir.
A opinião é do geneticista italiano Edoardo Boncinelli, em artigo publicado no jornal Corriere della Sera, 24-01-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Ouve-se dizer, muitas vezes, que os filósofos mudam o mundo, e, em mais curto prazo, os políticos. Mas, desde quando eu existo, foi a ciência que mudou o mundo: o prolongamento incrível da nossa vida, o aumento da previsibilidade das vicissitudes do mundo e a libertação de muitas condições sinistras de partida são exemplos disso, sem falar do enorme impacto que teve a invenção da pílula anticoncepcional.
E certamente não acabou. Ao contrário, para alguns, o melhor ainda está por vir. Neste período, fala-se de gametas e de reprodução, com a abertura de horizontes inimagináveis.
Partenogênese
Há alguns dias, eu falei de uma coisa bastante natural, a estimulação de um óvulo, de modo que dê origem a uma nova vida sem a intervenção de um espermatozoide masculino. Definimo-la como partenogênese, um fenômeno de grande naturalidade, possível de ser obtido com uma estimulação mínima. Para obter uma filha de uma mãe.
Agora, fala-se de produzir gametas masculinos e femininos utilizando células adultas de certos indivíduos. É óbvio que estamos entrando no grande capítulo de células-tronco. Com as quais se pode fazer células somáticas de todos os tipos, e agora até mesmo gâmetas, ou seja, células germinativas. Em anfíbios e em camundongos, isso é possível há muito tempo, mas agora também na nossa espécie.
Gametas a partir de células quaisquer
Uma nova descoberta feita em Cambridge permite, precisamente, a produção de gametas humanos a partir de células quaisquer. O último passo nessa direção foi dado através da identificação de um gene específico, um membro da família Sox, uma das muitas que controlam a operação de diversos genes-arquiteto, os reguladores da geração da forma viva nos animais superiores. É uma meta esperada, mas nem por isso menos ambicionada, uma meta que promete – ou ameaça – mudar para sempre a relação progenitores-filhos.
Os tempos mudaram
Milênios atrás, reproduzíamo-nos por hábito, "um pouco por brincadeira e um pouco para não morrer", como fazem todos os animais. Vivíamos muito pouco. Muitos dos nossos filhos morriam antes de nós, e aqueles que sobreviviam nos enterravam. As mulheres tinham que dar à luz a 15-16 filhos para conseguir levar um ou dois deles até a idade adulta.
Era tudo natural, e tudo convulsionado e confuso. Depois, pouco a pouco, as coisas mudaram, e teve-se uma procriação mais responsável, mas sempre apoiada em grandes números por culpa da ação do Triste Ceifador.
Novos métodos
Em tempos relativamente recentes, as mortes das crianças diminuíram drasticamente, e começou-se a conversar de família e de planejamento dos nascimentos. Mas percebemos que há muitas pessoas que não têm sucesso nessa que é a função mais natural do mundo: não podem ter filhos.
Muito, muitíssimo tem sido feito nesse campo, com o desenvolvimento de uma ginecologia especializada e graças aos diversos métodos de fecundação assistida.
O último grito antes de agora foi a introdução diretamente no núcleo de um óvulo de um espermatozoide que não conseguiu amadurecer totalmente. Agora, os gametas, óvulos e espermatozoides poderão ser criados em laboratório, à vontade.
Eugenia
Essa será uma arma excepcional contra todas as formas de infertilidade, mas também contra todas as formas de condicionamento, seja de natureza biológica, psicológica ou social. Seremos ainda mais livres.
Para fazer o quê? Não é fácil dizer. Poderemos decidir nós mesmos quando, onde, com quem, como e por que procriar. E talvez também o que gerar, se dar à luz um ser vivo com estas ou aquelas características.
Quem fala de eugenia usa esse termo com uma conotação negativa, que teve muitas vezes na história, mas se esquece de que a palavra contém a partícula "eu", que, em grego, significa "bem" e "bom". O que era bom ontem não o é hoje, e pode-se apostar que amanhã será ainda outra coisa.
Não cometamos o erro de nos livrarmos muito rapidamente do futuro por medos que provêm de um passado distante. Naturalmente, sempre com boa razão – e eu disse "razão" não por acaso.
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Filhos sem união homem-mulher. A ciência e o dilema do futuro - Instituto Humanitas Unisinos - IHU