"Maria colabora com o mistério da redenção, associando-se a seu Filho (LG, n. 56). Sua assunção é figura do que acontecerá com todos os seguidores de Jesus no fim dos tempos, porque Maria não é apenas a imagem (o reflexo), mas também o protótipo da Igreja. Isto significa que a Igreja deve ser aquilo que Maria é. E, enquanto peregrina neste mundo, a Igreja tem Maria como um sinal até a plenitude do Reino, em outras palavras, “até que chegue o Dia do Senhor” (LG, n. 68). O que celebramos na solenidade de hoje é a vitória de Cristo sobre todos os poderes que tentam impedir que o Reino de Deus chegue à plenitude esperada."
A reflexão é de Aíla Luzia Pinheiro de Andrade, religiosa do Instituto Nova Jerusalém. Ela possui graduação em Licenciatura em Filosofia pela Universidade Estadual do Ceará (1998), graduação (2000), mestrado (2003) e doutorado (2008) em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia FAJE/BH. Tem experiência na área de Teologia, com ênfase em Carta Aos Hebreus, atuando principalmente nos seguintes temas: Messianismo, Philon de Alexandria, Flávio Josefo, Judaísmo, Targum, Midrash, Talmud.
1ª leitura - Ap 11,19a;12,1-6a.10ab
Salmo - Sl 44(45),10bc.11.12ab.16 (R. 10b)
2ª leitura - 1Cor 15,20-27a
Evangelho - Lc 1,39-56 (Cântico de Maria)
Maria colabora com o mistério da redenção, associando-se a seu Filho (LG, n. 56). Sua assunção é figura do que acontecerá com todos os seguidores de Jesus no fim dos tempos, porque Maria não é apenas a imagem (o reflexo), mas também o protótipo da Igreja. Isto significa que a Igreja deve ser aquilo que Maria é. E, enquanto peregrina neste mundo, a Igreja tem Maria como um sinal até a plenitude do Reino, em outras palavras, “até que chegue o Dia do Senhor” (LG, n. 68). O que celebramos na solenidade de hoje é a vitória de Cristo sobre todos os poderes que tentam impedir que o Reino de Deus chegue à plenitude esperada.
A principal personagem que aparece no grande sinal no céu não tem sua identidade imediatamente revelada pelo livro do Apocalipse, é chamada apenas de “mulher”. Somente no desenrolar da narrativa é que sua identidade fica clara.
A mulher é adornada pelos astros que a envolvem, o que significa que ela é a coroação de todas as obras da criação. Essa representação alude ao sonho de José, filho de Jacó (Gn 37,9) que, posteriormente, foi interpretado pelos sábios judeus como uma referência à vinda do Reino de Deus quando tudo na natureza e na história estaria submetido à soberania do Senhor.
Em oposição à mulher está a figura tenebrosa do dragão, descrito com características horripilantes, adornado pelos principais símbolos bíblicos para os poderes do mundo: chifres e diademas. O significado do dragão nos é dado pelo texto de Dn 7,24; trata-se dos governantes dos impérios que dominaram os povos ao longo da história, representa os poderes do mundo.
O dragão intenta fazer mal à mulher, mas ela é levada para o deserto, lugar que Deus lhe tinha preparado, e ali é cuidada. Então, a mulher representa o novo povo de Deus, que é a Igreja, comunidade dos seguidores de Cristo, enquanto aguarda a segunda vinda do Senhor, suportando as dificuldades do deserto, situação em que o antigo povo de Deus esteve à espera para entrar na Terra Prometida. Agora é a Igreja que espera pela plenitude do Reino de Deus.
Enquanto essa cena se desenrola na terra, especificamente no deserto, uma voz proclama que há uma nova realidade no céu: ali o Reino de Deus já acontece plenamente (v. 10). Cristo, o ser humano plenificado e vitorioso, é a garantia de nosso acesso ao céu. Isso significa que a mulher, que ainda permanece no deserto, pode ter certeza da vitória em sua luta contra o dragão.
A Lei, em Dt 26,2, exigia que os primeiros frutos (as primícias) fossem oferecidos ao Senhor para expressar a gratidão do agricultor e o reconhecimento de que Deus era o responsável pela colheita. Quando o israelita oferecia os primeiros frutos a Deus, estava agradecendo a colheita inteira. Os primeiros frutos saídos da terra eram parte da colheita, e, tão certo quanto as primícias são a prova de que há uma colheita, a ressurreição de Cristo é a garantia de nossa ressurreição nele.
Cristo, primícias dentre os mortos, ascendeu ao céu e ofertou a si mesmo a Deus como o representante de seus seguidores, ou seja, da Igreja, que ascenderá depois dele. Não é somente o primeiro na ordem do tempo que ressuscitou dos mortos (primeiro a sair de dentro da terra), mas é o principal no que se refere à dignidade e importância, estando conectado com todos os demais que vão ressuscitar. Cristo é o ser humano ressuscitado, e nossa ressurreição é a partir dele. Portanto, nossas esperanças não são vãs, nossa fé não é inútil e nós não seremos desapontados.
Este trecho do Evangelho está vinculado ao texto da anunciação e o completa. Ao ouvir a mensagem do anjo Gabriel em relação à encarnação do Filho de Deus, tendo como sinal a gravidez de Isabel, Maria se dirige prontamente para a região montanhosa.
A conexão entre esses trechos nos aponta duas verdades sobre Maria: sua fé e seu compromisso com o Reino. Com a fé que ela demonstra na Palavra de Deus, temos em Maria a verdadeira discípula, que ouve a Palavra e a põe em prática. A fé na Palavra de Deus gera compromisso, que leva discípulos e discípulas a realizarem na vida o que ouviram do Senhor. É o que Maria nos mostra com seu exemplo.
Maria é exemplo de discípula para quem acredita no cumprimento das promessas divinas, porque ela mesma está à disposição de Deus para servi-lo como instrumento dócil. Foi isso o que aconteceu quando disse: “Eis a serva do Senhor! Faça-se em mim segundo a tua palavra” (1,38). E, imediatamente, saiu para visitar sua prima. Ao chegar, é saudada por Isabel, e algo de revelador acontece. O teor da saudação diz respeito a duas realidades. A primeira refere-se à atitude crente de Maria. Ela é bendita porque acreditou. Aqui é exaltada a sua fé. Foi sua total adesão à Palavra de Deus que operou um milagre em sua vida e na vida da humanidade: a encarnação do Filho.
Daqui passamos para a outra realidade da saudação: “E bendito é o fruto do teu ventre!”. Maria, que carrega no útero o Filho de Deus, é identificada com a arca da Aliança. No Antigo Testamento, a arca da Aliança era símbolo do encontro entre Deus e a humanidade. No útero de Maria, dá-se o encontro entre Deus e a humanidade, pois Cristo é verdadeiro Deus e verdadeiro homem.
Maria representa a Igreja, que se compromete com o Reino pela fé na Palavra de Deus e pela exigência de gerar o Cristo para o mundo por meio do anúncio, do testemunho e do serviço.
Em 1974, o papa Paulo VI escreveu um documento sobre a devoção a Maria (Marialis Cultus) que continua a ser a norma para a devoção mariana entre os católicos. O que é próprio da devoção mariana é que deve estar em função de Cristo. Isso significa primeiramente que não pode haver culto a Maria em si mesma, mas no papel que ela tem no mistério de Cristo.
O texto retirado do livro do Apocalipse é claramente cristológico, como se pode ver nos seguintes trechos: “Nasceu-lhe, pois, um filho varão, que há de reger todas as nações com cetro de ferro. E o seu filho foi elevado para Deus até o seu trono” (v. 5). “Agora, veio a salvação, o poder, o Reino do nosso Deus e a autoridade do seu Cristo” (v. 10).
Portanto, não se deve cair em um devocionismo exagerado, em uma devoção que não seja fundamentada nem na Escritura nem na tradição genuína. A Mãe do Senhor e nossa Mãe é sinal e modelo daquilo que devemos ser e que seremos como Igreja na plenitude dos tempos.