Por: MpvM | 19 Dezembro 2019
"A narrativa de Lucas está gravada na memória cristã, nas figurinhas dos nossos presépios, dos mais rústicos aos mais suntuosos, onde Jesus toma nossos próprios traços físicos e culturais!
"A narrativa do nascimento de Jesus está também e ainda mais gravada no rosto e no colo das mães migrantes, fugindo da fome, da seca, dos incêndios, dos rompimentos de barragens, do desflorestamento do bioma da Amazônia. Daquelas que fogem da violência doméstica e de tantas outras formas de violência: guerra, discriminação, perseguição étnica, religiosa ou política... essas mães que muitas vezes não têm um lugar apropriado onde repousar o recém-nascido!"
A reflexão é de Ir. Annette Havenne, sm. Ela é religiosa da Congregação das Irmãs de Santa Maria. Possui graduação em psicologia e em teologia pastoral. Vive há 43 anos no Nordeste e reside na periferia de Aracaju/SE. Integra a equipe de assessoria da Conferência dos Religiosos do Brasil – CRB e atua na da formação humana e espiritual de comunidades religiosas e grupos de leigos. Continua residindo no Nordeste do Brasil, mas serve sua congregação como conselheira geral.
Referências bíblicas
1ª leitura: Is 9,1-6
Salmo: Sl 95 (96)
2ª leitura: Tito 2,1-14
Evangelho: Lc 2,1-14
Meu irmão, minha irmã, eu lhe desejo um feliz Natal! Mas gostaria que você redescobrisse que esse “feliz Natal” que eu lhe desejo, que vamos desejar hoje, uns aos outros, é mais do que uma fórmula gasta ou um voto que fica no ar, é um ato de fé, de esperança e também de amor de cuidado!
As leituras da liturgia deste dia de Natal convergem em torno de uma boa notícia grandiosa e paradoxal:
- Uma notícia anunciada pelo profeta Isaías: “Um menino nasceu para nós, um filho nos foi dado!” Is 9,5
- Uma boa notícia cantada no salmo responsorial como “A presença do Senhor que vem!” Sl 95,13
- Uma feliz notícia que ecoa nas primeiras comunidades cristãs: “A Graça de Deus se manifestou!” Tt 2, 11
Quanto ao evangelho que está no coração da celebração, extraído do capítulo 2 da Boa Notícia segundo Lucas, ele nos faz descer ao concreto deste evento em que a mãe dá à luz e a vida surge, mas em meio ao anonimato dos pobres, no desconforto, na precariedade, na contradição... e até rejeição. Quando Deus nasce entre nós, por nós, é assim que Ele escolhe nascer.
A narrativa de Lucas está gravada na memória cristã, nas figurinhas dos nossos presépios, dos mais rústicos aos mais suntuosos, onde Jesus toma nossos próprios traços físicos e culturais!
A narrativa do nascimento de Jesus está também e ainda mais gravada no rosto e no colo das mães migrantes, fugindo da fome, da seca, dos incêndios, dos rompimentos de barragens, do desflorestamento do bioma da Amazônia. Daquelas que fogem da violência doméstica e de tantas outras formas de violência: guerra, discriminação, perseguição étnica, religiosa ou política... essas mães que muitas vezes não têm um lugar apropriado onde repousar o recém-nascido!
Hoje, exercendo o ministério da palavra na voz destas mulheres, quero convidar vocês, irmãos e irmãs, a olhar para Maria, para a presença dela que, neste Natal, faz a diferença. “Quando se completaram os dias para o parto, ela deu à luz o seu filho primogênito, o envolveu em faixas e o deitou numa manjedoura, pois não havia lugar para eles na pousada” (Lc 2, 6-7).
Este será também o sinal proposto aos pastores: “Um menino envolto em panos e deitado na manjedoura” (Lc 2, 12).
Que tem isso de extraordinário? Aos pés deste menino, despojado de tudo, vêm cumprir-se todas as profecias messiânicas, mas de um jeito que ninguém esperava: na simplicidade, na nossa pobre humanidade, na periferia existencial da outrora gloriosa Judeia... Longe da corte, longe do templo, longe dos doutores sábios e entendidos, na humildade da família de Nazaré. Eis o paradoxo do Natal, da encarnação do Verbo de Deus!
Uma das características do evangelho de Lucas é a volta da profecia. A profecia volta, mas volta de um jeito diferente, simples, cotidiano, informal, muitas vezes através do ministério dos pobres, das mulheres, na audácia tranquila da confiança em Deus, no diálogo com o diferente, na fé que se traduz em gestos de cuidado e palavras de conforto, na esperança que não desiste!
Quero convidar vocês a contemplar Maria desejando um feliz Natal ao seu filho: ela não o faz com palavras: Ela o faz com todo o seu corpo que dá a vida, que dá à luz. Ela o faz com suas mãos que envolvem em faixas, que acolhem, cuidam, que logo irão apresentar o menino aos pastores. Ser tocado, acariciado, reconfortado, eis a primeira linguagem que um bebê entende! Falta tudo neste lugar improvisado onde ele nasce, mas não faltam as mãos que cuidam, que envolvem em fraldas, que mimam e acalentam! Feliz Natal entre nós, Jesus!
E agora convido cada uma e cada um de vocês a olhar para suas próprias mãos:
- Mãos jovens, cheias de talentos, impacientes de realizar coisas... que talvez tocam violão, pintam, se expressam na dança, certamente usam o smartphone com rapidez e esperteza.
- Mãos bem cuidadas, mãos delicadas, de namorados ou namoradas que aprendem a linguagem da troca afetiva.
- Mãos usadas pelos serviços de casa, pelo duro trabalho do campo ou da fábrica.
- Mãos de velhos companheiros e companheiras de jornada, no casamento ou nas comunidades de fé, que se unem para se sustentar mutuamente, suportar as dificuldades, rezar.
- Mãos fragilizadas de pessoas que envelhecem: essas contam a história de toda uma vida, encerram tesouros de sabedoria para partilhar.
- Mãos de enfermeira ou de cirurgiã, mãos de sacerdote que celebram a eucaristia, mãos de professora que guiam outras mãos a traçar as primeiras letras...
- Mãos de artistas ou de cientistas.
Como hoje você vai desejar um feliz Natal a outras pessoas, com suas mãos, como Maria?
Um presente a embrulhar, um cartão eletrônico a mandar, um serviço a prestar, uma tarefa a realizar, uma refeição a preparar? Alguém que precisa ser tocado, reconfortado, abraçado? Uma reconciliação que já demorou demais para acontecer? Uma indiferença a quebrar, uma visita a programar, um excluído a acolher? Um evangelho a abrir, uma prece a fazer? Um pão a romper e a partilhar?
Desejar Feliz natal não é uma fórmula gasta, um voto no ar, pode ser o início de uma vida e de relações novas!
Afinal, Ele veio para fazer novas todas as coisas!
Por causa deste menino e da sua mãe, eu convido vocês a optar por viver um natal de fé, de esperança e de amor de cuidado!
Feliz Natal meu irmão, feliz Natal minha irmã!
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Noite do Natal do Senhor – Ano A - Na singeleza do Menino Deus nasce entre nós, por nós - Instituto Humanitas Unisinos - IHU