"O mistério da vida é o mistério do Reino. O Reino não é eficiência, o Reino não é resultado, o Reino não é produtividade, o Reino não é ... Não é o que nossa sociedade capitalista exige: trabalho, investimento, eficácia, produtividade. A sociedade nos empurra com força para o trabalho, a atividade, o rendimento. Nos empurra de tal maneira que já não percebemos quanto nos empobrecemos quando reduzimos tudo a trabalho, a ser eficaz, a resultado.
O Reino é gratuidade. O Reino tem força vital própria, o Reino germina, cresce, amadurece na gratuidade. Então a parábola nos colocou em outra ótica, outra dimensão, outra logica. Ela nos fala em reaprender a estar mais atentas, atentos a tudo que há de dadiva na existência, recuperar a dimensão interior do agradecimento e louvor, libertarmos da pesada carga que a logica da eficiência colocou em nossos ombros, abrir em nossas vidas espaços para o gratuito. O Reino é gratuidade!
A reflexão é da teóloga Irmã Tea Frigerio, Missionaria de Maria-Xaveriana – mmx. Ela possui graduação em Ciências da Religião pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma - PUG e pós-graduação em assessoria bíblica pela Escola Superior de Teologia - EST e pelo Centro de Estudos Bíblicos - CEBI, são Leopoldo/RS . Atualmente atua em assessoria bíblica pelo CEBI e é assessora nacional das Comunidades Eclesiais de Base - CEBs.
1ª Leitura – Ez 17,22-24
Salmo 91 (92)
2ª Leitura – 2 Cor 5,6-10
Evangelho – Mc 4,26-34
Neste domingo 11º do tempo comum a Palavra nos convida a refletir sobre semear e semente. Convida-nos a sermos ouvintes de Jesus que nos fala em parábolas através da memoria das comunidades de Marcos.
“Com muitas parábolas parecidas expunha-lhes a palavra, acomodando-se ao seu entender”.
Parábola era o jeito especial de Jesus falar ao povo. Acomodando-se, me chamou atenção esta tradução, me leva a visualizar Jesus que se acomoda se adequa usando a linguagem do povo, para falar à vida do povo. Povo que na realidade era sua própria gente. O vocábulo parábola vem do grego parabolê e, como sabemos, quer dizer comparação, imagem tirada da vida, da realidade, para esclarecer, fazer pensar. Jesus serviu-se dessa arte: contando histórias, fazendo comparações, apresentando imagens. Jesus tinha o domínio desta arte. Utilizava parábolas concretas, vivas, humanas, que falavam da vida simples de cada dia. Em suas narrações Jesus era simples e se limitava ao essencial entrando e provocando diálogo com a multidão, com os discípulos. Jesus não inventava, usava uma técnica aproveitada pelos rabinos e a aperfeiçoou, a tornou própria. Às vezes narrava a partir da realidade de um jeito que chamava atenção, como neste texto, usando a comparação do grão de mostarda como se fosse uma árvore quando o povo conhecia esta hortaliça que brotava como uma praga em lugares não desejados. A atenção despertada se interrogava: Reino de Deus como grão de mostarda, o que é isso? Mas vamos nos adentrar aos poucos nesta palavra de Jesus, nós também nos acomodando e reagindo à sua provocação.
A primeira parábola nos fala de uma semente que tem força própria. O agricultor precisa só semear. Na vida real um agricultor assim é um agricultor descuidado: agricultor que se preze não dorme, levanta de madrugada e vai ver, a semente já brotou? Precisa aguar, tirar a erva daninha?
Então nós também somos provocadas a ver de perto o vocabulário usado:
“a semente germina e cresce, sem que ele saiba como... a terra por si mesma produz fruto: primeiro os caules, depois a espiga, depois os grãos ... vem a colheita...”
A terra é ventre que acolhe, abriga, alimenta. A semente tem força vital própria. Contemplemos... As palavras pintam à nossa frente a vida brotando, crescendo, formando a espiga, amadurecendo até a colheita abundante.
Através das palavras de Jesus o mistério da vida se desvenda para nós. Quem está escutando o agricultor é provocado a pensar, a mulher ouvindo repensa seu tempo de gravidez, nós contemplamos o mistério da vida no ventre da terra, no ventre da mulher, e intuímos que o mistério da vida é gratuidade: a terra, o ventre materno, o amor...
O mistério da vida é o mistério do Reino. O Reino não é eficiência, o Reino não é resultado, o Reino não é produtividade, o Reino não é ... Não é o que nossa sociedade capitalista exige: trabalho, investimento, eficácia, produtividade. A sociedade nos empurra com força para o trabalho, a atividade, o rendimento. Nos empurra de tal maneira que já não percebemos quanto nos empobrecemos quando reduzimos tudo a trabalho, a ser eficaz, a resultado.
O Reino é gratuidade. O Reino tem força vital própria, o Reino germina, cresce, amadurece na gratuidade. Então a parábola nos colocou em outra ótica, outra dimensão, outra lógica. Ela nos fala em reaprender a estar mais atentas, atentos a tudo que há de dadiva na existência, recuperar a dimensão interior do agradecimento e louvor, libertarmos da pesada carga que a logica da eficiência colocou em nossos ombros, abrir em nossas vidas espaços para o gratuito. O Reino é gratuidade!
E Jesus continua sua conversa e em sua narração fala do grão de mostarda, a menor das sementes semeada na terra. Ao ouvir quem estava quase desinteressado e indo embora renova sua atenção e fica, volta.
O Reino dos céus é como um grão de mostarda. Não o Reino dos céus deve ser como o cedro do Líbano, como nos lembrou o profeta Ezequiel. O Reino dos céus não pode ser pequena semente de hortaliça que quase é graminha, ele deve ser majestoso como o cedro do Líbano!
O grão de mostarda, semente que nasce lá onde não a se quer: incomoda, invade o terreno semeado com cura, desorganiza a ordem, perturba. Ela cresce mesmo contra a vontade. Ela cresce contra a vontade dos esquemas poderosos, das mentalidades hostis, tenta-se arranca-la, mas ela resiste, cresce e vira o maior arbusto das hortaliças, até as aves do céu se abrigam à sua sombra.
Colocamo-nos em contemplação. E vem a minha mente o que pensava quando lia esta parábola até quando um agricultor trouxe-me um galho de grão de mostarda. Galho não, uma rama, arbusto não árvore majestosa!
Penetrando na parábola do grão de mostarda somos convidados, convidadas a ver em profundidade esta similitude: menor das sementes, mas de grande utilidade. Sua folha tem a forma da mão. Parece uma mão aberta. Mão aberta que acolhe. Quando suas sementes são manipuladas se tornam remédios que curam varias doenças, se transformam em tempero que dá sabor especial ás comidas; quando teimosamente cresce se torna a maior de todas as hortaliças tanto que acolhe em sua sombra e abriga.
O Reino dos céus é semear sementes que tem força vital em si mesma. O Reino dos céus é a menor semente mas...
Jesus nos provocou com suas parábolas. Provocou-nos a sair da lógica da eficiência, do rendimento, da produtividade e entrar na lógica da gratuidade fecunda sabendo que o crescimento humano é lento e exige paciência histórica e gratuidade divina. Convidou-nos a ser semente de mostarda que cresce lá onde é indesejada porque desestabelece a ordem, a lógica do poder. Nos convidou a acreditar nos pequenos, a ser mão que acolhe, tempero que dá sabor, remédio que cura...
Tudo isso é Reino dos céus!