03 Novembro 2011
O último episódio de Le Iene, programa satírico e dessacralizante de um canal de TV italiano [nos moldes do brasileiro Custe o Que Custar], certamente não passou despercebido para os fiéis. Nos últimos anos, as incursões dos enviados do programa, através do uso de câmeras escondidas, haviam desmascarado alguns sacerdotes muito complacentes com os prazeres da carne. Mas, na semana passada, o assunto já não era mais a moral e os pecados do clero, mas sim a fé.
A reportagem é de Andrea Tornielli, publicada no sítio Vatican Insider, 01-11-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
A enviada do Le Iene, de fato, nos arredores da Praça de São Pedro, entrevistou diversos sacerdotes (e também um cardeal, sem que ele se apresentasse como tal e sem que a entrevistadora o identificasse) sobre os dez mandamentos. Algumas perguntas sobre o seu significado e sobre a sua atualidade, e, de repente, perguntas diretas do tipo: pode dizer aos nossos telespectadores o que afirma o nono mandamento? Ou: qual é o quinto mandamento?
O resultado, pelo menos no que se refere às entrevistas editadas e que foram ao ar, foi decepcionante, ou melhor, devastador. Os sacerdotes se demonstraram inseguros diante da câmera, não lembravam a ordem dos mandamentos, algumas os confundiram, trocando uns pelos outros. Foram abundantes as frases como "não me lembro", "você me pegou de surpresa", "não sei dizer na ordem", "agora eu não posso enumerá-los em sequência", "vou chutar... tenho que repassá-los" etc., etc.
Deve se dizer, como uma justificação parcial dos entrevistados, que se tratou, exceto em um caso, de padres não italianos, mas espanhóis, norte-americanos, portugueses, indianos, que não dominavam bem a língua italiana e que, apesar disso, de modo disponível e simpático, aceitaram responder às perguntas do Le Iene.
Os padres em questão não se isentaram ao olho impiedoso da câmera, nem mesmo quando começaram a vacilar. Alguns lembraram o quinto, mas não o nono, outros – um sacerdote italiano de barba – preferiu enfatizar que o importante é o amor e, admitindo que não se lembrava dos mandamentos na sua ordem, preferiu citar Santo Agostinho: "Ama e faz o que quiseres". E é provável que muitos tenham ficado confusos com a pergunta à queima-roupa e tenha tido um lapso de memória.
Quem resgatou a categoria (mas não sabemos na realidade quantas e quais entrevistas tiveram, ao contrário, um bom fim), foi o cardeal brasileiro Claudio Hummes, ex-arcebispo de São Paulo e ex-prefeito da Congregação para o Clero, que, em nada intimidado pela entrevistadora, acertou todas as respostas, demonstrando-se muito bem preparado.
Para além do Le Iene, que colocou esses sacerdotes na berlinda, todos de clergyman, mas incapazes de lembrar a sequência correta do Decálogo, o episódio só pode desconcertar. Em um caso, enquanto o Pe. Felice não conseguia encontrar as palavras, foram as pessoas que passavam por ali que lhe sugeriram que o sétimo mandamento é "Não roubar".
Há, portanto, um problema, e não secundário. Um problema originado também pela catequese pós-conciliar, que abandonou a aprendizagem mnemônica e sintética contida no antigo Catecismo de São Pio X.
"Eu não vi a gravação, mas registrei os ecos negativos em muitos cristãos e também em alguns não católicos e não crentes. Percebi um forte desconforto", explica o bispo de San Marino e Montefeltro, Luigi Negri. "Demonstra-se que a verdadeira crise que a Igreja Católica atravessa é uma crise de caráter cultural. Isto é, uma crise de cultura primária. O dogma foi, durante séculos, a cultura primária e tinha nos mandamentos um ponto de referência substancial". "Se essa referência for perdida – concluiu o bispo –, falta a referência educativa fundamental que o povo tem".
Este é o texto do Decálogo:
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Quando os padres fazem confusão com os dez mandamentos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU