22 Março 2012
Vestido com uma longa djellaba branca e usando um fez rubro na cabeça, Manuel Gomez, 61, caminha ao longo da estrada de San Cristóbal de las Casas, sul do México. “Nasci católico, virei presbiteriano e hoje sou muçulmano”, conta esse índio Tzotzil, que passou a se chamar Mohammed desde que se converteu ao islamismo, em 1995. Assim como ele, dezenas de milhares de habitantes desta cidade do Estado de Chiapas, berço do movimento zapatista, abandonaram o culto católico.
A reportagem é de Frédéric Saliba, publicada pelo jornal Le Monde e reproduzida pelo Portal Uol, 22-03-2012.
Ainda há poucos muçulmanos, mas os protestantes ou evangélicos representam mais de um quarto da população de Chiapas (4,8 milhões de habitantes). Essas conversões em massa, que envolvem expulsões violentas, têm preocupado o clero, que receberá o papa Bento XVI entre os dias 23 e 26 de março, no Estado de Guanajuato (oeste).
Em sua casa decrépita, Mohamed reza cinco vezes por dia. “Fui convidado duas vezes para ir a Meca”, conta com alegria esse humilde vendedor de frutas e legumes que nunca havia saído de Chiapas, antes de adotar os preceitos do Corão. Ao seu lado, sua esposa, Nura (Joana), usa um véu islâmico, mas manteve seu vestido tradicional tzotzil de pêlo de cabra. “Nem penso em rejeitar a cultura de nossos ancestrais”, ressalta Mohammed.
A dois passos de lá, no fundo de uma alameda em terra batida, um prédio reformado abriga uma escola islâmica do movimento Morabitum, ramo sufi do islamismo. “Cerca de vinte crianças aprendem ali o Corão, foneticamente”, explica o imã Hajj Idriss, também conhecido como Esteban Lopez, que conduz a oração de sexta-feira. Esse espanhol sexagenário desembarcou em Chiapas em 1995 para implantar o islamismo no México. Desde então, cerca de 500 índios teriam se convertido ao islamismo em Chiapas. “Nossa influência continua sendo modesta, em comparação com os protestantes”, aponta o imã.
As dezenas de igrejas evangélicas que têm surgido em todos os cantos dessa cidade de 190 mil habitantes são prova disso. Adventistas, batistas, metodistas... a maior parte dos ramos do protestantismo está representada.
“Nos anos 1930, os primeiros missionários traduziram a Bíblia para línguas indígenas”, explica Aida Hernández, especialista em religião no Centro de Pesquisa em Antropologia Social (Ciesas). “Chiapas hoje possui o maior número de protestantes no México”. A proporção deles nesse Estado (27,35%) quase dobrou em vinte anos, de acordo com o Instituto de Estatísticas.
Numa manhã de domingo, em um outro subúrbio pobre do norte da cidade, o templo pentecostal Solo Cristo Salva está lotado. Do lado de dentro, Manuel Dias, um tzotzil de 20 anos, canta veementes aleluias em um órgão eletrônico. À sua frente, os fiéis erguem os braços, batem palmas, dançam de olhos fechados ao ritmo de rock, pop ou salsa. “Veja como a fé é mais forte aqui”, comemora o pastor, Rafael Ruiz, antes de pregar em espanhol e em tzotzil.
Para Gaspar Marquecho, antropólogo da Universidade Autônoma de Chiapas, “os índios estão decepcionados com o catolicismo, marcado pela lembrança da colonização e do autoritarismo dos padres mestiços. As igrejas evangélicas, que respeitam seus sincretismos, atendem melhor a suas necessidades de espiritualidade e de solidariedade diante da pobreza, do analfabetismo e da discriminação”.
Vicente Garcia, pentecostalista de 33 anos, “parou com o álcool graças a Deus”. Mas esse vendedor ambulante pagou caro por sua conversão. “Os católicos enxotaram minha família”, conta esse ex-agricultor que foi expulso de San Juan Chamula. Dos anos 1960 até o fim dos anos 1990, esse vilarejo tzotzil, situado uma dezena de quilômetros ao norte de San Cristóbal de las Casas, foi palco de violentas divisões religiosas.
Foram tensões que tomaram conta da região. “Era partir ou morrer”, conta Pascuala Lopez, indígena de 25 anos, cuja casa foi incendiada no vilarejo de Huixtan, sudoeste da cidade. “Os crimes são menos frequentes hoje, mas as tensões permanecem”, enfatiza Marquecho. Em junho, em Huixtan, onde vivem os índios tzeltal, um pastor foi assassinado com sua esposa e seu filho de 14 anos.
Desde o fim dos anos 1960, Samuel Ruiz, bispo de San Cristóbal de las Casas (1959 a 1999), lutou contra esses atos de violência. Esse defensor da Teologia da Libertação, preocupada com os pobres, firmou laços estreitos com o subcomandante Marcos, que no dia 1º de janeiro de 1994 lançou, em San Cristóbal de las Casas, o levante zapatista pela emancipação dos índios. Quando ele morreu, em 24 de janeiro de 2011, os zapatistas o homenagearam. “Mas Marcos nunca quis se envolver em conflitos religiosos, ele incentivava os evangélicos a se defenderem sozinhos”, conta Marquecho. “A mobilização deles, às vezes armada, explica a diminuição de expulsões, insuficientemente sancionadas pelas autoridades em um Estado laico, que deveria proteger a liberdade de culto”.
E Sandra Canas, pesquisadora em antropologia na Universidade do Texas, explica: “Na realidade, os conflitos das comunidades não são religiosos, e sim políticos e econômicos. Ao se tornarem evangélicos, os índios rompem com o sistema autoritário e corrupto dos caciques locais, cuja dominação se baseia em funções religiosas católicas. Os caciques os expulsam por não quererem ver sua autoridade sendo questionada”.
São ações condenadas por Felipe Arizmendi, bispo de San Cristóbal de las Casas. “Nós lutamos pela liberdade religiosa, defendendo uma igreja que integre mais diversidade cultural, por muito tempo negligenciada pela Igreja em Chiapas”. Chefe do bispado desde 2000, ele quer recuperar o terreno perdido reforçando a malha eclesiástica nesse Estado, que passou de 66 para 90 padres em doze anos. “Nossos 60 seminaristas estão aprendendo uma língua indígena”, ele comemora. “A próxima visita do papa consolidará esse trabalho de evangelização.” Para o imã Hajj Idriss, o islamismo é poupado desses conflitos: “Como estão em pequeno número, os muçulmanos não são uma ameaça para os caciques católicos.” Ainda não, pelo menos.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Índios de Chiapas abandonam catolicismo para se converter a outras religiões - Instituto Humanitas Unisinos - IHU