05 Janeiro 2012
O grande escândalo dos abusos sexuais que investiu contra uma parte do clero nacional belga levou o primaz, Dom André-Joseph Léonard (foto), a uma confissão pública e ao compromisso para com a comunidade.
A reportagem é de Giacomo Galeazzi, publicada no sítio Vatican Insider, 03-01-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
"Peço-lhes perdão". Diante do balanço do "doloroso" 2011 e no início de um 2012 de "purificação", o primaz católico da Bélgica e arcebispo de Bruxelas, André-Joseph Léonard, faz "mea culpa" pelos abusos sexuais do clero. Em nome de uma das Igrejas nacionais mais atingidas pelo escândalo dos padres pedófilos, Dom Léonard assume as culpas dos sacerdotes e religiosos "infiéis", enquanto a hierarquia eclesiástica vive na Bélgica um momento particularmente difícil também por causa da contestação interna dos "dissidentes". O "mea culpa" de Léonard, prelado de forte sensibilidade ratzingeriana, chega em um momento em que a hierarquia da Igreja belga está particularmente sob pressão.
Depois da exumação ocorrida em 2010 por parte da polícia belga do túmulo do prestigiado cardeal Léon-Joseph Suenens, em busca de papéis secretos, uma clamorosa invasão da cultura secularista dentro da catolicidade, os ataques continuaram constantes até o último, em setembro passado: cerca de 70 vítimas de padres pedófilos denunciaram publicamente ao Tribunal de Ghent a Conferência Episcopal Belga e o Vaticano por não terem feito nada para evitar os supostos crimes ocorridos na diocese de Bruges.
A Igreja da Bélgica até poucos meses atrás estava nas mãos do cardeal Godfried Danneels, prestigioso primaz que em pouco tempo se tornou "o grande ogro" que a mídia afirma ter trabalhado para oferecer cobertura aos padres pedófilos. É por causa também dessas acusações que parte do clero e dos fiéis pede reformas: o celibato sacerdotal, em particular, é visto como a alavanca desencadeadora dos abusos. O Vaticano pede firmeza a Léonard, mas não é fácil. Há dois meses, foi o New York Times que noticiou que, em Buizingen, a sudoeste de Bruxelas, havia nascido movimento alternativo à Igreja oficial, em que quem celebrava a missa não era mais os padres, mas sim os leigos. Na Igreja de Dom Bosco, de fato, tendo falecido o pároco, não se encontrou nenhum jovem sacerdote capaz de substituí-lo. E, assim, os fiéis criaram um novo movimento católico, em que as funções são celebradas pelos leigos.
Enquanto isso, no país antigamente catolicíssimo, são mais de 200 os padres rebeldes que, apoiados por milhares de fiéis leigos, assinaram um documento para pedir a admissão dos divorciados em segunda união à Comunhão, a ordenação de mulheres e homens casados e homilias confiadas aos leigos.
Entre os signatários do apelo belga, há pessoas de destaque do catolicismo do país: Roger Dillemans, presidente honorário da Universidade Católica de Leuven, Paul Breyne, desde 1997 governador da província dos Flandres Ocidentais (1,2 milhão de habitantes), Trees Dehaene e e Agnes Pas, ex-presidentes do Conselho Pastoral Inter-Diocesano, e, por fim, eminentes sacerdotes como John Dekimpe, Ignace Dewitte e Staf Nimmegeers. O pedido, nascido de baixo, quer contar com "um amplo apoio em todas as nossas dioceses". Porque, dizem os promotores da iniciativa, "estamos convencidos de que, se, como fiéis, tomarmos a palavra, os bispos vão ouvir e estarão prontos para levar adiante o diálogo sobre essas reformas urgentemente necessárias".
Um ano atrás, a violenta tempestade tinha atingido a cúpula da Igreja Católica belga, André-Joseph Léonard, que pedira clemência para os padres pedófilos idosos: dos socialistas francófonos aos liberais flamengos, muitos se disseram "indignados" com as suas declarações, que queriam absolver aqueles que cometeram abusos, mesmo que não estivessem mais em serviço. A proposta de Dom Léonard foi considerada "inaceitável" por dois deputados socialistas membros da Comissão Especial para a Pedofilia na Igreja. Dom Léonard disse que condenar os padres idosos seria exercer uma espécie de "vingança", mas, segundo os socialistas Karine Lalieux e Valerie Deom, fazer justiça não significa vingar-se. "Mais uma vez – segundo os deputados –, Léonard tenta fazer com que as vítimas se sintam culpadas e tenta pressionar para induzi-los a não pedir mais que a justiça seja feita, como, ao contrário, é o seu direito". Não é Léonard, explicam os socialistas, que deve dar indicações sobre a condenação ou não, mas sim "a justiça dos homens" que deve tomar o seu curso e estabelecer as eventuais sanções.
"Particularmente chocados" declararam-se os liberais flamengos: "A justiça é um assunto do Estado, sobre o qual um homem da Igreja não deve intervir", disseram os deputados Carina Van Cauter e Sabien Lahaye-Battheu, autores de um projeto de lei para aumentar para 30 anos a prescrição para o crime de abuso sexual de menores. Dom Léonard foi mais vezes criticado por ter ignorado as inúmeras denúncias das vítimas dos abusos cometidos por padres belgas. Em resposta às acusações da Igreja Católica belga, ele decidiu submeter os seus jovens seminaristas a testes psicológicos para impedir eventuais tendências pedófilas.
"A Igreja deve fazer um trabalho melhor para proteger as crianças". Esses testes serão acompanhados por encontros periódicos com psicólogos especializados que seguirão os traços de um código para evitar os abusos de crianças. Uma decisão ditada justamente pelo ciclone de escândalos que sacudiu o clero desse país, depois que centenas de casos de abusos cometidos entre os anos 1950 e 1960 vieram à tona nos últimos meses.
Quem iluminou os incidentes foi a Comissão Adriaenssens, homônima do psicólogo Peter Adriaenssens que a presidia. Instituída no ano 2000 pela própria Cúria para investigar os abusos cometidos nas paróquias belgas nos últimos 50 anos, em poucos meses de investigação, a comissão havia reunido 450 denúncias de ex-vítimas de abusos cometidos entre 1960 e 1985 por padres, professores e líderes de movimentos de jovens. Segundo o relatório preparado pela comissão, "a maior parte das vítimas tinha cerca de 12 anos", "uma delas tinha 2, cinco tinham 4 anos, oito tinham 5, e dez, 7 anos". Ainda segundo o relatório, 102 dos abusos foram cometidos por membros de uma das 29 congregações religiosas presentes na Bélgica. Treze destas vítimas não superaram o choque e se suicidaram.
Um dos casos mais escandalosos levantados pela comissão de inquérito em abril de 2010 foi a de Dom Roger Vangheluwe, hoje com 74 anos, ex-bispo de Bruges, uma das dioceses mais importantes dos Flandres. O prelado confessou ter abusado sexualmente de seu sobrinho menor de idade, tanto quando ele ainda era padre, quanto depois da nomeação episcopal. Nessa ocasião, o arcebispo André-Joseph Léonard tinha declarado que, "de agora em diante, a Igreja belga está comprometida em um esforço de transparência, virando resolutamente a página com relação à época, não tão distante, em que, na Igreja, assim como em outros lugares, se preferia a solução do silêncio ou do mascaramento".
Palavras pesadas que muitos interpretaram como uma dura crítica ao seu antecessor, o cardeal Godfried Dannels, aposentado há apenas alguns meses. A decisão de submeter os jovens seminaristas a testes psicológicos foi recebida tepidamente por aqueles que defendem cotidianamente as ex-vítimas, como o advogado Walter Van Steenbrugge, que declarou à revista belga Le Vif/L'Express que "estudar o perfil psicológico dos futuros padres é um passo mínimo na direção certa, mas não vai além disso, porque a Igreja não elimina os verdadeiros dogmas que estão na base do problema, como o papel da mulher e o celibato dos padres".
Em setembro, uma associação norte-americana pela proteção das vítimas de padres pedófilos pediu ao Tribunal Penal Internacional de Haia que indicie Bento XVI e três altos prelados do Vaticano (Tarcisio Bertone, Angelo Sodano e William Levada) por terem "tolerado abusos e moléstias sobre menores". Embora ninguém tenha feito tanto quanto Joseph Ratzinger contra os abusos.
Justamente essa associação, a Rede de Sobreviventes dos Abusados por Padres (Snap, na sigla em inglês), e a ONG para os direitos humanos Center for Constitutional Rights (CCR) estão fazendo uma viagem pelas principais capitais europeias para "reunir informações úteis" e "testemunhos de outras vítimas".
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O ''mea culpa'' da Igreja belga - Instituto Humanitas Unisinos - IHU