16 Setembro 2013
Os artigos de Eugenio Scalfari e principalmente a resposta do Papa Francisco – exemplar pela abertura, coragem e profundidade – foram uma lição de laicidade. Uma passagem de Santo Agostinho nos ajuda a compreender o que está em jogo na fé em Deus.
A análise é do teólogo italiano Vito Mancuso, ex-professor da Università Vita-Salute San Raffaele, de Milão, em artigo publicado no jornal La Repubblica, 13-09-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Qual é a diferença essencial entre crentes e não crentes? O cardeal Martini, lembrado por Cacciari como precursor do estilo dialógico expressado pela extraordinária carta do Papa Francisco a Scalfari, gostava de repetir a frase de Bobbio: "A verdadeira diferença não é entre quem crê e quem não crê, mas entre quem pensa e quem não pensa". O que significa que o que mais une os seres humanos é o método, a modalidade de se dispor diante da vida e das suas manifestações.
Essa modalidade pode ocorrer ou com uma certeza que sabe tudo a priori e, portanto, não precisa pensar (é o dogmatismo, que se encontra tanto entre os crentes quanto os ateus), ou com uma abertura da mente e do coração que sempre quer preservar a peculiaridade da situação e, portanto, precisa pensar (é a laicidade, que se encontra tanto entre os ateus quanto entre os crentes).
Os artigos de Scalfari e, principalmente, a resposta do Papa Francisco – exemplar pela abertura, coragem e profundidade – foram uma lição de laicidade, uma espécie de "discurso sobre o método", sobre como se encaminhar verdadeiramente sem reservas mentais ao longo dos caminhos do diálogo em busca do bem comum e da verdade cada vez maior, algo que a Itália e, em particular, a Igreja italiana têm enorme necessidade.
Porém, por mais que se possa estar unidos pela vontade de diálogo e pelo estilo respeitoso em praticá-lo, a diferença entre crentes e não crentes não é apagada por isso, nem deve ser. Um irenismo plano só conduz à famosa "noite em que todas as vacas são pretas", para citar a expressão de Hegel que lhe custou a amizade de Schelling, isto é, leva à extinção do pensamento, que, para viver, precisa das diferenças, das distinções, às vezes até dos contrastes.
Por isso, é particularmente importante responder à pergunta sobre a verdadeira diferença entre crentes e não crentes, ou seja, entender o que está em jogo na distinção entre fé e ateísmo. Embora consciente de que são muitos e diversos os modos de vivê-lo, eu penso, no entanto, que a sua diferença essencial emerge das frases conclusivas da réplica de Scalfari ao papa: "Aquelas que chamamos de trevas são apenas a origem animal da nossa espécie. Muitas vezes eu escrevi que nós somos um símio pensante. Cuidado quando nos inclinamos demais em direção à fera da qual proviemos; mas nunca seremos anjos, porque não é nossa a natureza angelical, se é que ela existe".
"Símio pensante... fera da qual proviemos...": essas expressões assinalaram, a meu ver, claramente, a diferença decisiva entre fé e não fé. Para Scalfari, nós proviemos de uma "fera" e, portanto, somos substancialmente natureza animal, embora dotada de pensamento; para os crentes, mesmo para aqueles que, como eu, aceitam serenamente o dado científico da evolução, a nossa origem passa, sim, pela evolução das espécies animais, mas provém de um Pensamento e vai rumo a um Pensamento, que é Bem, Harmonia, Amor.
A diferença peculiar, portanto, não é tanto o fato de aceitar ou não a divindade de Jesus, mas, mais profundamente, a potencialidade divina do ser humano. A confissão da divindade de Jesus certamente é importante, mas não é a questão decisiva. A prova disso é que, nos primeiros tempos do cristianismo, houve cristãos que olhavam para Jesus como para um simples homem depois "adotado" por Deus pela sua santidade particular, uma perspectiva judaico-cristã que sempre percorreu o cristianismo e que, mesmo nos nossos dias, está representada entre biblistas, teólogos e simples fiéis, e da qual é possível encontrar alguns exemplos até no Novo Testamento (veja-se Romanos 1, 4).
Além disso, o diálogo com o judaísmo, tão elogiado pelo Papa Francisco, passa justamente por esse nó, ou seja, pela possibilidade de pensar a humanidade de Jesus como lugar da revelação divina, sem lesar com isso a unicidade e a transcendência de Deus.
Naturalmente, a diferença essencial entre crentes e não crentes passa muito menos pelo fato de aceitar a Igreja, eficazmente descrita pelo papa como "comunidade de fé": não há nenhuma dúvida de que a Igreja é importante, mas quantos homens da Igreja do passado e do presente se poderia elencar que não têm muito a ver com a fé em Deus, e quantos homens estranhos à Igreja que, ao invés, têm muito a ver com Deus. O ponto decisivo, portanto, não é nem Cristo, nem a Igreja, mas sim a natureza do ser humano: se orientada ontologicamente ao bem ou não, se criada à imagem do Supremo Bem ou não, se provenientes da luz ou não, mas só do fundo obscuro de uma natureza informe e ambígua, chamada por Scalfari de "fera".
Uma passagem de Santo Agostinho ajuda bem a compreender o que está em jogo na fé em Deus. Depois de ter declarado que amava a Deus, ele se pergunta: "Quid autem amo, cum te amo?", "Mas o que eu amo quando eu te amo?" (Confissões X, 6, 8). Trata-se de uma pergunta mais do que nunca necessária, porque ninguém jamais viu a Deus e, portanto, ninguém pode amá-lo com o costumeiro amor humano que, como tudo o que é humano, procede da experiência dos sentidos.
Ao responder, Agostinho põe antes uma série de negações para evitar qualquer identificação do amor por Deus com uma realidade sensível, e entre elas ele nem nomeia a Igreja e a Bíblia, que parecem ter, assim, o seu justo sentido apenas se, antes, sabe-se o que se ama quando se ama a Deus; enquanto, em caso contrário, tornam-se idolatria, idolatria da letra (a Bíblia) ou idolatria do social (a Igreja), o perigo protestante e o perigo católico.
Depois, Agostinho expõe o seu pensamento dizendo que o verdadeiro objeto do amor por Deus é "a luz do homem interior que há em mim, onde resplandece à minha alma aquilo que não é limitado pelo espaço, e ressoa aquilo que não é pressionado pelo tempo".
Dizendo que ama a Deus, ama-se a luz do homem interior que há em nós, aquela dimensão que nos coloca além do espaço e do tempo e que, assim, nos permite realizar e, ao mesmo tempo, superar a nós mesmos, porque nos atribui um ponto de vista do qual podemos ver como que de cima, e assim nos separar e nos libertar das escuridões do ego, daquela fera mencionada por Scalfari, que certamente faz parte da condição humana, mas que, na perspectiva da fé, não é nem a origem de onde viemos, nem o fim para onde vamos.
Seria preciso nos perguntarmos, em conclusão, qual pensamento sobre o ser humano é mais necessário para o nosso tempo, envolvido como nunca antes com a questão antropológica. Obviamente, como crente, eu considero que a posição da fé em Deus, que liga a origem do ser humano à luz do Bem, é, em geral, mais capaz de orientar a consciência para a justiça e a solidariedade eficaz.
Se, de fato, como escreve o Papa Francisco, a qualidade moral de um ser humano "está em obedecer a própria consciência", uma coisa é considerar que tal consciência é orientada desde sempre ao bem, porque dele provém, e outra coisa é detectar na consciência uma origem diferente da qual brotam diversas orientações.
Se não viemos de uma origem que em si é bem e justiça, isto é, se o bem e a justiça não são desde sempre o nosso mais verdadeiro lar, por que o bem e a justiça deveriam constituir, para a nossa conduta moral, um imperativo categórico?
Em todo caso, será assumindo tal questão com espírito laico, ouvindo as razões alheias e argumentando sobre as próprias, que pode ganhar corpo aquele convite a "fazer um trecho de estrada juntos" dirigido a Scalfari pelo Papa Francisco, no espírito do mais autêntico humanismo cristão, e acolhido com favor por Scalfari no espírito do mais autêntico humanismo laico.
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Humanismo cristão ou laico? A resposta de Agostinho. Artigo de Vito Mancuso - Instituto Humanitas Unisinos - IHU