21 Março 2013
O Papa Francisco precisará de uma extrema dureza para não ceder às bajulações dessa adulação melosa, que certamente tenderá a envolver a sua ação de modo que "tudo mude para que nada mude"
A opinião é do jornalista e escritor italiano Roberto Beretta, em artigo publicado no sítio Vino Nuovo, 18-03-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Ele virou o altar para o povo, portanto é um progressista. Não, já citou o diabo duas vezes, por isso é um tradicionalista. Disse que gostaria de uma Igreja mais pobre: é de esquerda. Mas também advertiu contra transformá-la em uma entidade assistencial: certamente é de direita! Quantos – até mesmo aqui nestas páginas – já estão tentando puxar o Papa Francisco pela mozeta (que, por sorte, ele se recusou a vestir, desde os primeiros minutos após a sua eleição).
E é espetacular observar como o camaleonismo clerical é inteligente e rápido em se transformar segundo o poder que quer bajular. O novo papa é tão reverenciado que nos perguntamos como é possível que ele não foi eleito ainda há oito anos, no lugar de Bento XVI, do qual parece que ele foi um dos principais concorrentes: se ele realmente é (e era) o mais humilde, os mais ao alcance da mão, o mais apto ao governo da Igreja, assim como todos hoje estão prontos a jurar, por que o Espírito Santo e os cardeais esperaram tanto tempo para colocá-lo no sólio de Pedro?
Por outro lado, o pobre Ratzinger é posto de lado despudoradamente. Tudo o que ele fez segundo o seu gosto e perspectiva, e que na época era exaltado como inovação excelente e original, hoje é implicitamente rejeitado no mesmo momento em que sorrimos comprazidos diante dos achados com os quais o sucessor inverte o seu conteúdo. Seria muito divertido anotar como as mesmas folhas e talvez as mesmas assinaturas que, por exemplo, se difundiam anos atrás para explicar como Bento XVI fazia muito bem para exumar novamente o camauro e os sapatos vermelhos, hoje, sem piscar, escrevem comentários comprazidos sobre o forte simbolismo da cruz de ferro e a recusa dos paramentos do novo pontífice.
Não pretendo, com isso, ser o costumeiro desmancha-prazeres contraditório: o Papa Francisco me agrada muito, muito, muito, o seu estilo neste momento me parece muito mais próximo dos meus desejos do que o do antecessor. Só estou nauseado com a hipocrisia e a bajulação que crescem ao seu redor: até ontem, se tivéssemos escrito (aqui também) que queríamos uma Igreja mais pobre, teríamos atraído sobre nós sabe-se lá quantas acusações de comunismo católico, bonismo, pauperismo, demagogismo.. . Hoje, é o papa que o diz, e é a melhor coisa que se poderia dizer. Até ontem, quem criticava a corrupção e as sujeiras da Cúria era um anticlerical, hoje todos defendem que encontramos o homem certo para finalmente mudar a situação (mas como? Não estava tudo perfeito mesmo antes no Vaticano?!?).
Só digo duas coisas. O Papa Francisco precisará de uma extrema dureza para não ceder às bajulações dessa adulação melosa, que certamente tenderá a envolver a sua ação de modo que "tudo mude para que nada mude"; deverá manter ao longo do tempo o anticonformismo evangélico que o levou – ontem – a andar de metrô como um cidadão qualquer e – hoje – a rejeitar o luxuoso carro de placa Scv1.
Não será fácil. E depois também precisará de nós, porque ninguém pode mudar o mundo (a Igreja) sozinho. Certamente, o seu modelo – o da liderança mais indiscutível e autorizada do mundo – será fundamental para indicar uma nova direção, mas depois é necessário que o povo (aquele que ele invocou desde a primeira aparição na janela da Praça de São Pedro) o siga com a sua revolução de baixo.
Ninguém notou ainda: esse é o primeiro papa que não participou do Concílio. Mas já nos fez recordarmos dele de muitos modos.
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Aquela melosa adulação papal - Instituto Humanitas Unisinos - IHU