28 Janeiro 2013
No dia 17 de janeiro de 2013, faleceu Tissa Balasuriya, do Sri Lanka, padre oblato, ou seja, da Congregação dos Oblatos de Maria Imaculada, OMI, um dos fundadores da Associação dos Teólogos do Terceiro Mundo, teólogo, autor de vários livros e personalidade importante no cenário teológico internacional.
Quando Balasuriya completou, em 30 de agosto de 2004, 80 anos de vida, o jornalista Ajith Samaranayake, já falecido, publicou no jornal Sunday Observer o artigo que publicamos a seguir. A tradução é de Luís Marcos Sander.
Eis o artigo.
O Pe. Tissa Balasuriya está fazendo 80 anos hoje, e se isso sugere a imagem de um estadista idoso, isso não está bem de acordo com o motivo central que dominou a maior parte de sua vida.
Pois a vida do Pe. Balasuriya nunca foi plácida nem confortável ou vivida dentro dos esquemas da respeitabilidade clerical ou aspirou ao aplauso dos eminentes e grandes.
Ele passou a maior parte de sua vida adulta num estado de rebelião quieta contra os xiboletes de sua herança, tanto como sacerdote católico romano quanto como cidadão socialmente consciente, e é uma medida de seu sucesso que as ideias que procurou transmitir sobre a natureza de Jesus Cristo e seus ensinamentos e a melhor forma de encarná-los em nosso ambiente bem distinto tenham se impregnado profundamente e espalhado amplamente, mesmo que algumas dessas ideias tenham feito a ira do establishment se voltar contra ele às vezes.
Está na natureza da mídia e da opinião pública substitutiva que ela fabrica que sejam as atividades públicas mais sensacionais de uma pessoa (que, na maioria das vezes, só tocam a superfície da vida) que atraem o interesse público, enquanto que o trabalho dela que vale mais a pena, mas não pode ser dramatizado ou transformado numa sensação, seja negligenciado ou esquecido.
E foi assim que o livro Mary and Human Liberation [Maria e a libertação humana] do Pe. Balasuriya recebeu uma notoriedade considerável e fez toda a ira do Vaticano recair sobre ele, ao passo que o corpus bem maior de suas obras, em que ele procurou relacionar o Cristo histórico com a vida e as preocupações dos pobres do Terceiro Mundo e da Ásia em particular, em grande parte só é conhecido pelos iniciados.
Se os dois primeiros parágrafos parecem se contradizer, há boas razões para isso. O pensamento do Pe. Balasuriya talvez tenha tocado pessoas em outros lugares sem ter tido grande penetração no país em que ele nasceu. Não é meramente que um profeta não seja reconhecido em sua própria terra, mas em décadas recentes nós no Sri Lanka nos deixamos levar pelos espúrios e falsificados, pelo vistosos e evanescentes em detrimento daqueles que foram sólidos e possuíram profundidade e substância em nossa vida nacional.
Por um estranho paradoxo, o futuro sacerdote católico nasceu em 29 de agosto de 1924 em Kahatagasdigiliya, na periferia da cidade sagrada de Anuradhapura, a sede dos antigos reis sengaleses e o foco do nacionalismo sengalês pós-independência.
Seus pais, William e Victoria, entretanto, eram de Andiambalama, no distrito de Negombo, de modo que o Pe. Balasuriya teve sua primeira formação no Maris Stella College, em Negombo, antes de, como muitos aspirantes a acadêmicos da Província do Centro-Norte, ir a Jaffna, onde estudou no St. Patrick’s College.
Ele concluiu sua formação secundária no St. Joseph’s College, em Colombo, onde entrou na Universidade do Ceilão aos 17 anos. Depois de se formar em Economia em 1945 e ganhar a prestigiosa Medalha de Ouro Khan, entrou no noviciado da Congregação dos Oblatos no mesmo ano e foi ordenado sacerdote em Roma, em 1949.
Futura visão de mundo
Esses foram os anos que serviram para assentar o fundamento da futura visão de mundo do Pe. Balasuriya. Da Universidade Gregoriana de Roma, ele obteve a licenciatura em Filosofia e Teologia e fez estudos de pós-graduação em Economia Agrícola na Universidade de Oxford.
Em Oxford, ele ficou tão insatisfeito com a maneira em que o capitalismo era exaltado pelo establishment acadêmico, diz um esboço biográfico, que saiu e foi a Paris estudar no Instituto Católico e na Faculdade de Sociologia da Universidade de Paris. Ele considera os anos 60 como a época em que finalmente disse adeus à filosofia aristotélica e à teologia tomista.
Os dois pilares da vida do Pe. Balasuriya foram, é claro, o Aquinas University College e o Centro de Sociedade e Religião. Com 29 anos, ele foi nomeado secretário acadêmico do Pe. Peter Pillai naquela primeira instituição e em 1964 se tornou reitor após a morte do Pe. Pillai. Como reitor, ampliou o alcance do currículo e introduziu cursos em tecnologia, administração de empresas, direito e agricultura. Muitos futuros políticos e jornalistas, como Gamini Dissanayake, Vasudeva Nanayakkara e Lucien Rajakarunanayake, estudaram no Aquinas University College durante esse período.
Em 1971, o ano da insurreição liderada pelo Janathā Vimukthi Peramuṇa, o Pe. Tissa saiu dessa universidade para fundar o Centro de Sociedade e Religião, um experimento singular no estudo dos crescentes problemas sociais, econômicos e políticos do Sri Lanka. Embora seja um complexo em expansão atualmente, quando de seu início o Centro estava abrigado modestamente no mesmo local de hoje, na Dean’s Road, em Maradana, e reuniu, talvez pela primeira vez, políticos, acadêmicos e estudantes de todas as correntes, mas com uma pronunciada inclinação radical, para discutir os problemas da época.
Como jovem repórter, durante o período de 1975 a 1977, lembro-me de cobrir regularmente seminários realizados no Centro, onde todos os pesos-pesados políticos e acadêmicos da época se juntavam a aspirantes a intelectuais, como o jovem Dayan Jayatillaka, para se defrontar mutuamente. Toda uma série de seminários durante o último período do segundo governo Sirimavo Bandaranaike foi dedicada, por exemplo, às empresas multinacionais, que na época eram um bicho-papão emergente na frente econômica.
Realidades da vida
Portanto, Sociedade e Religião ou Religião na Sociedade foram as preocupações permanentes do Pe. Tissa. Nesta área, ele exemplificava um movimento crescente entre as igrejas católicas do Terceiro Mundo para relacionar os ensinamentos de Cristo com as realidades da vida nas partes mais pobres do mundo, que se encontravam num contraste acentuado com a vida nos países ocidentais afluentes de onde o cristianismo tinha originalmente vindo para a Ásia, África e América Latina.
Essas potências ocidentais não só eram colonialistas e tinham explorado o Terceiro Mundo em termos econômicos e culturais, mas a imagem de Cristo que elas tinham projetado e propagado nesses países era a de um culto cavalheiro ocidentalizado.
Os católicos trouxeram à Ásia um Cristo como era entendido pelos europeus, enquanto que os protestantes trouxeram consigo uma versão anglo-saxã de Cristo. Além disso, ambos faziam parte do projeto colonialista ocidental, e a expansão ocidental era tratada como intervenção” divina para propagar o evangelho entre os pagãos nativos.
Era necessário, portanto, retornar aos evangelhos e interpretar Cristo em termos que se encontravam dentro deles, e não da maneira “conformista, domesticada e apolítica” em que ele tinha sido interpretado pela igreja estabelecida.
Isso levou, logicamente, a uma preocupação com as realidades políticas, econômicas e sociais circundantes, que incidem sobre qualquer religião em nossos tempos. Neste sentido, o Pe. Tissa tinha de levar em conta dois conjuntos de fatores. Em primeiro lugar, as abordagens ocidentais da teologia então praticadas pela igreja dominante não eram mais compatíveis com o nacionalismo budista emergente daquela época.
Essa era uma área delicada, pois, embora a crítica nacionalista budista da igreja nem sempre fosse válida, a própria igreja pouco tinha feito para mudar junto com as realidades da época e, por conseguinte, alimentava essa mesma crítica. Havia, portanto, necessidade de dissipar esse isolamento da igreja em relação à corrente principal da vida nacional e sintonizá-la com as realidades políticas e culturais da época.
Daí a batalha solitária que o Pe. Tissa teve de travar, em que ele foi mal entendido, interpretado erroneamente e difamado tanto por setores da igreja quanto do establishment político. Certa vez, quando ele tinha provocado a ira de ninguém menos que o imperador, o presidente Jayewardene, lembro-me de que o respeitável Daily News se afastou a tal ponto da tradição que vociferou, num editorial incomum de primeira página: “Largue o sacerdócio”.
A reprimenda, é claro, era dirigida ao diretor do Centro de Sociedade e Religião, que tinha adotado o hábito de andar com roupas comuns, viajando de ônibus, arrastando-se pelas estradas e, em geral, esquivando-se da mística do sacerdócio.
Mariologia
Mais recentemente, como muitos haverão de se lembrar, a própria Igreja Católica colidiu frontalmente com o Pe. Tissa por causa de sua interpretação da mãe de Jesus, em que ele propôs uma mariologia dinâmica, bem diferente da interpretação tradicional.
Em sua opinião, a espiritualidade mariana tradicional reduz a humanidade e maturidade de uma mulher que participou ativamente da vida e do ministério de Jesus e “ofereceu a vida de Jesus como sacrifício”, concluindo que “é esse tipo de mulher que precisa ser central para a espiritualidade cristã”.
Aos 80 anos, portanto, o Pe. Tissa tem o perfil de um rebelde quieto que não teve medo de desafiar dos antigos xiboletes tanto da igreja quanto do establishment político, que não teve medo de expressar sua opinião sobre questões da atualidade sem autodramatização ou os extravagantes gestos narcisistas de um homem-espetáculo ou empresário teatral.
Ele é, em grande parte, produto de seu tempo, tendo nascido no ambiente pré-independência e tendo chegado à maturidade em nossa própria época turbulenta, mas questionando e contestando alguns dos mais sagrados princípios e artigos de fé incrustados tanto na religião quanto na política da atual era pós-capitalista.
Crítico incisivo das iniquidades do sistema capitalista global, ele procurou reconciliar os ensinamentos libertadores de Cristo com a busca de justiça social no mundo inteiro. A luta dele tem sido uma luta que vale muito a pena, ao mesmo tempo em que ainda estamos envolvidos na mesma luta e busca num novo século.
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Tissa Balasuriya: uma confluência inspiradora da sociedade e da religião - Instituto Humanitas Unisinos - IHU