10 Dezembro 2014
Não ter filhos por decisão própria se torna opção cada vez mais difundida no Ocidente. Muitas mulheres preferem se concentrar em sua vida pessoal e profissional a enfrentar o que a maternidade encerra. Nos Estados Unidos, um dos países em que mais cresce essa tendência, uma em cada cinco mulheres passa da idade fértil sem ter descendentes (nos anos setenta o número era uma em cada dez), seja por motivos socioeconômicos, circunstanciais (não ter encontrado o parceiro ideal) ou problemas de fertilidade. Na Europa, onde a tendência vai pelo mesmo caminho, destaca-se a Alemanha, com uma das maiores percentagens de não mães do mundo. Os defensores de uma vida sem filhos brandem com orgulho sua escolha, mas continua a pressão da sociedade para que os tenham.
A reportagem é de Cristina F. Pereda e Cristina Galindo, publicada pelo jornal El País, 05-12-2014.
Melanie Notkin lida com isso no dia a dia. Seu livro The Otherhood, termo que a autora norte-americana cunhou para se referir às “outras mulheres”, é um grito que descreve a realidade de milhares de mulheres de seus 30 anos, que, como ela, são submetidas à mesma pergunta por amigos, familiares, colegas de trabalho e até estranhos: quando vai ser mãe? Notkin decidiu dizer a verdade sobre as mulheres sem filhos há três anos, quando começou a colaborar com o The Huffington Post. “Muitas pessoas te dizem que é possível tê-los sozinha”, diz em Nova York, “que você é exigente demais..., mas a solução não é tão simples.” As mulheres que decidem não ser mães são em maior número do que se percebe, não se sentem representadas e, como Notkin, decidiram levantar a voz em livros, em documentários, na Internet.
Nos Estados Unidos essa discussão se tornou mais pública que na Europa. “Se tivesse tido filhos, eles me odiariam”, disse a apresentadora norte-americana Oprah Winfrey, de 60 anos. “Não tenho filhos, mas minha vida é satisfatória. Também seria com filhos”, declarou Condoleezza Rice, ex-secretária de Estado do governo George W. Bush. Ela também tem 60 anos. No ensaio Não quero filhos. Estou louca? Por que ninguém me deixa em paz?, a blogueira norte-americana Gala Darling defende que “existem outras coisas para fazer com sua vida” e que a única parte incômoda é quando os que ouvem sua resposta agem como se a conhecessem melhor que ela mesma. Darling indica os dois pontos fundamentais nesse assunto: “A sociedade espera que as mulheres tenham filhos (…). Só que é também uma questão de respeito; quando você diz que não quer tê-los, isso deveria ser o ponto final da conversa”.
A realidade é que raras vezes acaba aí. Atinge as mulheres que sabem que nunca vão ser mães e as que esperam ser um dia, que ainda não chegou. Tabitha, autora do blog Geektastic, denuncia, como várias outras blogueiras, a intromissão que sente quando lhe perguntam por que não tem filhos. “Quando for mãe, você vai entender” ou “com certeza vai mudar de opinião” estão entre as respostas usuais. “Talvez não seja a intenção delas, mas quando dizem que vou mudar de ideia, estão afirmando que minha escolha não é válida, e não é esse o caso.” Outras vezes os comentários chegam sem convite. Beth Lapides estava no fisioterapeuta quando, a um gesto de dor, ele disse: “Você não aguenta nada, é melhor que nunca tenha filhos”. Em seu ensaio, compilado no livro Não é brincadeira, escritoras que pulam a maternidade, Lapides indaga até se tal afirmação é legal.
Notkin explica que, por meio de sua experiência pessoal e dos dados colhidos para o livro, compreendeu que cada vez mais mulheres acima de 35 anos não têm filhos não apenas por decisão própria, mas pelas circunstâncias. “Querem fazer o que seja certo para elas”, diz. “São modernas, livres, independentes e também querem ter filhos, mas são uma maioria silenciosa.” Pesquisa conduzida pela cientista social britânica Catherine Hakim, realizada em 25 países, conclui que a decisão de não ter filhos de forma voluntária é maior entre os homens que entre as mulheres. Somando os dois gêneros, menos de 10% das pessoas que descartam ter filhos o fazem por decisão própria.
Entre as mulheres norte-americanas de 40 a 44 anos, cerca de 18% não se tornaram mães, contra 10% em 1976 (1,9 milhão, contra 580.000), segundo o Centro Pew de Pesquisas. Essa tendência é semelhante na Espanha (18,1% das mulheres entre 40 e 44 não têm filhos), França (20,6%), Finlândia (28,8%) e Alemanha (o recorde: 33,6%), segundo os dados da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE). É muito difícil extrair das estatísticas quais não são mães por opção. “A ausência de filhos parece estar ligada à formação”, segundo a OCDE. Por exemplo, na Suíça, cerca de 21% das mulheres de 40 anos não têm filhos, mas a proporção cresce para 40% no caso das que fizeram curso superior. Em seu livro As mulheres sem sombra ou a dívida impossível. A decisão de não ser mãe, a psiquiatra francesa Geneviève Serre identifica o perfil de quem se volta a essa opção como graduada, executiva e urbana.
"Presume-se que as pessoas sejam mais felizes se tiverem filhos. Agora mesmo os filhos são um luxo, uma escolha", afirma Laura Scott.
Para as mulheres que temem se arrepender, ou que simplesmente querem adiar a gravidez, a ciência oferece o congelamento de óvulos. As bancas de advocacia foram as primeiras a oferecer a técnica em sua carteira de benefícios trabalhistas, junto com o vale-refeição e o seguro saúde. Quando recentemente foi divulgado que também tinham feito isso a Apple e o Facebook, o assunto gerou grande polêmica. Os defensores da iniciativa consideram que ela cobre uma necessidade cada vez mais difundida na força de trabalho feminina pela escolha própria. Para os críticos, é uma forma indireta de pressionar as funcionárias a não terem filhos, no lugar de criar medidas que facilitem a conciliação entre a carreira e a maternidade.
“Precisamos redefinir o conceito de família e reconhecer que as mulheres têm valor que ultrapassa sua capacidade de trazer crianças ao mundo”, diz Laura Scott, que criou em 2003 o projeto Childless by Choice, para investigar por que aumentava o número de mulheres que, como ela, decidiam não ser mães. Ella e Notkin concordam que em sua maioria as mulheres esperam ser mães entre 25 e 35 anos, mas pelas circunstâncias são obrigadas a adiar, e aos 45 anos não querem mais. “Outras, pelo contrário, decidem deliberadamente muito antes”, afirma Scott.
“A educação é um fator determinante, mas também a economia”, diz, em referência à dívida contraída por muitas universitárias para pagar seus estudos. Para Notkin a situação atual resulta de muitas mulheres fazerem diferentes opções, e não apenas o que se espera delas. Ela diz que nas conversas entre milhares de mulheres em blogs, fóruns ou livros pode parecer “mais feminista” dizer que não tem filhos por uma decisão autêntica, quando na realidade o processo é mais complexo.
Ter ou não filhos está menos associado à identidade feminina agora que há 50 anos, compreende-se que não é o destino das mulheres, mas uma combinação de fatores, mas isso não significa que a sociedade em geral e a norte-americana em particular, profundamente arraigada em valores tradicionais, tenham evoluído ao mesmo ritmo que milhões de mulheres. “Entretanto, presume-se que as pessoas sejam mais felizes se tiverem filhos”, lamenta Scott. “Devemos nos livrar da noção de que os filhos são um investimento econômico para o futuro, são agora mesmo um luxo, uma escolha.”
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Debates sobre a maternidade - Instituto Humanitas Unisinos - IHU