03 Novembro 2014
Um astrônomo do Vaticano disse que, embora alguns considerem as recentes palavras do Papa Francisco sobre o Big Bang uma mudança na posição da Igreja sobre o tema, o pontífice, de fato, não disse nada de novo.
A reportagem é de Elise Harris, publicada no sítio Catholic New Agency (CNA), 30-10-2014. A tradução é de Claudia Sbardelotto.
"É importante ressaltar que o Papa Francisco não estava dizendo nada de novo ou 'rompendo com a tradição', como eu vi um comentarista dizer", disse o Ir. Guy Consolmagno, SJ (foto) à CNA no dia 29 de outubro.
Ir. Consolmagno é um jesuíta norte-americano, pesquisador astronômico e cientista planetário do Observatório do Vaticano, uma instituição educacional de pesquisa astronômica, financiada pela Santa Sé.
Uma tempestade de matérias apareceram na mídia após um discurso do Papa Francisco na inauguração de um busto do pontífice aposentado Bento XVI para a sessão plenária da Pontifícia Academia das Ciências na segunda-feira.
Em seu discurso, o Papa Francisco disse que "o Big Bang, que hoje se encontra na origem do mundo, não contradiz o ato divino da criação, mas sim o exige".
Ele também falou sobre a evolução, dizendo que a "evolução da natureza não contrasta com a noção de criação, mas pressupõe a criação de seres que evoluem".
Devido à explosão de manchetes na web dizendo que o papa tinha oficialmente endossado uma mudança na posição da Igreja sobre estas duas teorias, Ir. Consolmagno disse que é importante lembrar que ambas as teorias vieram como resultado do trabalho de um padre e um monge católico.
"A base genética da moderna teoria da evolução é baseada na obra de Gregor Mendel, um monge católico; e a moderna teoria do Big Bang foi proposta pela primeira vez por Georges Lemaitre, um padre católico", disse ele.
Ir. Consolmagno explicou que a base teológica para essas teorias também podem ser encontradas nas escrituras, e citou a Carta de São Paulo aos Efésios como uma fonte bíblica.
O que o Papa Francisco disse, observou ele, é "totalmente consistente" com o que vários outros papas da história recente já disseram, incluindo São João Paulo II, no seu discurso à Pontifícia Academia das Ciências, intitulado "A verdade não contradiz a verdade" e na carta de 1988 ao director do Observatório do Vaticano em Ciência e Religião.
O Papa Pio XII também falou sobre essas teorias em seu discurso de 1952 à Assembleia Geral da União Astronômica Internacional.
Uma coisa importante a se ter em mente em torno desses temas é que "a Igreja não tem 'posições' em matéria de ciência", observou o astrônomo.
Portanto, "a ciência é deixada livre para propor explicações e descrições do funcionamento do mundo natural, sabendo que nenhuma dessas descrições representa a palavra final e que todas elas se baseiam no pressuposto de um universo racional, cuja própria existência depende da ação criadora de Deus".
A confusão sobre as palavras do Papa Francisco também surgiu quando ele disse que "quando lemos o relato da Criação no Gênesis, corremos o risco de imaginar Deus como um mágico, com uma varinha capaz de fazer tudo".
Após essa declaração, o pontífice disse que Deus permitiu a Criação e criou seres a fim de que se desenvolvessem ao longo da história de acordo com as leis internas que Deus lhes deu no início da Criação, e por isso "Deus não é um demiurgo ou um mágico, mas o criador que dá o ser a todas as coisas".
Em resposta aos que tomaram as palavras do papa no sentido de que Deus não é divino, o Ir. Consolmagno explicou que tudo o que o pontífice disse foi que a noção cristã de Deus não é a mesma dos entendimentos pagãos do ser divino.
Ele se referiu à utilização do termo "demiurgo", que vem de uma tradição gnóstica, e tem sido considerada uma heresia desde os tempos romanos antigos.
"Essa era a ideia de que Deus seria uma espécie de 'artesão', que formou o universo a partir de materiais pré-existentes", disse ele, que é basicamente a mesma noção dos deuses pagãos da natureza que eram compreendidos como aqueles que supervisionavam as atividades da natureza.
À luz desse entendimento, o astrônomo disse que o mais provável é que o papa estava implicando que o conceito cristão de Deus é que ele não é um "Deus da natureza" como aquele dos pagãos.
Os católicos, continuou ele, "abraçam a ideia das leis naturais para explicar como funciona a natureza - a ciência - precisamente porque nós não confundimos as ações dessas leis com as ações de Deus".
Deus é a razão pela qual o universo existe, tempo e espaço incluídos, e por isso ele tem leis, observou o religioso, dizendo que a ciência apenas procura descrever como essas leis funcionam.
Recursos úteis para a compreensão dessas teorias, segundo ele, podem ser encontrados no livro publicado pelo Observatório do Vaticano, The Heavens Proclaim - Astronomy and the Vatican [Os céus proclamam - Astronomia e o Vaticano], de 2009, bem como o seu recente livro, Would you Baptize an Extraterrestrial? [Você batizaria um extraterrestre?], em co-autoria com o físico Pe. Paul Mueller.
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Astrônomo do Vaticano boceja com o frenesi a respeito das palavras do papa sobre o Big Bang - Instituto Humanitas Unisinos - IHU