03 Novembro 2014
Recentemente o Vaticano confirmou que o Papa Francisco estará em viagem na Turquia entre os dias 28 e 30 de novembro. O propósito oficial para esta ida é, em grande parte, ecumênico. Ele vai visitar o Patriarca Bartolomeu I de Constantinopla na festa de São André, considerado o padroeiro da mesma forma como os católicos consideram São Pedro como o primeiro papa.
A reportagem é de John L. Allen Jr, publicada pelo portal Crux, 30-10-2014. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
A viagem também é um momento para que Francisco expresse a sua preocupação pela violência na região desencadeada pelo califado autoproclamado do grupo ISIS e para que possa expandir o seu alcance no mundo islâmico.
Mas o que não está claro ainda é quanto de esforço Francisco irá pôr num outro front: o clima anticristão cada vez mais virulento na Turquia, que tende a cozinhar em fogo brando de forma constante até ferver em violência mortal.
A Turquia é oficialmente um país secular. Mas sociologicamente constitui uma sociedade islâmica, com uma população de 76 milhões de habitantes onde 97% é composta de muçulmanos. Há apenas 150 mil cristãos, a maioria ortodoxos gregos. Somente as comunidades grego-ortodoxas e armênias são reconhecidas, portanto outras formas do cristianismo operam numa zona não muito definida – não exatamente ilegal, mas também não exatamente legítima.
Apesar da reputação de ser um país moderado, há uma forte corrente ultranacionalista, com praças nos serviços de segurança e militares que enxergam o Ocidente e o cristianismo como inimigos eternos. Os cristãos relatam várias formas de abuso, incluindo dificuldades em obter permissão para construir ou reformar igrejas, vigilância, tratamento judicial injusto e discriminação nas áreas de mordia e emprego.
Em 2009, o normalmente diplomático Bartolomeu contou ao [programa jornalístico televisivo norte-americano] “60 Minutes” que se sentia “crucificado” por um Estado que quer ver a sua igreja se extinguir.
Esta corrente de desdém se reflete, entre outras coisas, nas teorias conspiratórias sobre o cristianismo, que se tornaram comuns nas listas turcas de best-sellers.
Em 2002, o jornalista Ergun Poyraz publicou “Six Months among the Missionaries” [Seis meses entre os missionários]. Ele escreveu: “Um grande exército missionário invadiu o nosso país”, e acrescentou um aviso ominoso: “Esta terra tem sido turca a milhares de anos. O seu preço foi pago com sangue. Aqueles que sonham em pegar de volta estas terras devem prever pagar o mesmo preço”.
Ilker Cinar, que afirmou ter se convertido ao cristianismo e liderado uma missão protestante durante 10 anos antes de retornar ao Islã, publicou um livro muito popular em 2005 chamado “I was a Missionary, the Code is Decoded” [Fui missionário. O Código está descodificado]. Aí ele advertiu que os cristãos estão se organizando para “reconquistar” a Turquia, trabalhando ao lado dos curdos e de sua fação militante PKK [sigla para Partido dos Trabalhadores do Curdistão].
Ataques públicos a símbolos da identidade cristã tornaram-se comuns também. Em dezembro de 2013, a Associação de Jovens da Anatólia, ramo juvenil de um partido pró-islâmico chamado Partido da Felicidade, lançou uma campanha contra as celebrações públicas de Natal, incluindo queimar os bonecos de Papai Noel e fazer retaliações ameaçadoras contra qualquer um que coloque decorações de Natal.
Como reflexo deste clima, os ataques contra cristãos vêm se tornando cada vez mais comuns e arrojados.
Em janeiro de 2006, o líder de uma igreja protestante chamado Kamil Kiroglu, muçulmano convertido ao cristianismo, foi espancado até ficar inconsciente por cinco jovens. Em fevereiro de 2006, um conhecido missionário católico italiano, o Pe. Andrea Santoro, foi morto a tiros por um muçulmano de 16 anos de idade na cidadezinha de Trabzon.
Em janeiro de 2007, um destacado jornalista turco de descendência armênia chamado Hrant Dink, protestante, foi assassinado em Istanbul. Em abril de 2007, em Malatya, três missionários cristãos protestantes, dois turcos e um alemão, foram torturados, esfaqueados e estrangulados.
Em junho de 2010, Dom Luigi Padovese, vigário católico-apostólico para a Anatólia e presidente da Conferência dos Bispos Católicos da península, foi assassinado pelo seu motorista. Testemunhas relataram que o assassino teria dito em voz alta após o feito: “Allahu Akbar, matei o maior Satanás!”
Há cerca de um ano, houve acusações de que elementos nas forças militares turcas estivessem auxiliando grupos extremistas islâmicos que realizaram ataques mortais contra cristãos armênios no noroeste da Síria, próximo à fronteira com a Turquia.
Até o momento, houve pouco ímpeto para explorar as formas nas quais esta violência vem sendo alimentada por um ambiente no qual o preconceito anticristão não só é aceitável, mas também é quase uma moda.
Em dezembro de 2011, um colunista do jornal turco Zaman se queixou de que o “Vaticano não está fazendo nada” para garantir que a investigação sobre a morte do padovense “seja feita de forma séria”. Se o Vaticano assumisse uma postura mais agressiva, escreveu, acabaria melhorando o “bem-estar de todos os não muçulmanos” e daria uma “enorme contribuição para a promoção dos direitos humanos e da liberdade religiosa na Turquia”.
O Papa Francisco acumulou um capital político enorme no mundo islâmico, em parte por causa de suas amizades com muçulmanos na Argentina, em parte por causa de sua excursão em maio deste ano à Terra Santa, onde fez uma parada na barreira que separa Jerusalém da Cisjordânia, movimento que foi percebido como um gesto de solidariedade para com o sofrimento palestino.
A questão é se ele irá gastar alguma parte deste capital enquanto estiver na Turquia, pressionando o presidente Recep Tayyip Erdoğan a combater esta hostilidade anticristã.
Se ele irá se dispuser a isso, podemos não saber imediatamente. Toda vez que um papa viaja a um país cujo governante tem um histórico dúbio com relação aos direitos humanos, o momento de tirar a foto oficial é, muitas vezes, o preço a ser pago no intuito de estabelecer um desafio nos bastidores. Foi este o acordo que João Paulo II fez, por exemplo, quando visitou Ferdinand Marcos, nas Filipinas; Augusto Pinochet, no Chile; Fidel Castro, em Cuba e assim por diante.
Com certeza, os cristãos que Francisco está indo visitar estão esperando que ele faça algo semelhante durante a sua reunião, no dia 28 de novembro, com Erdoğan, no novo palácio presidencial de Ankara, uma estrutura enorme de 350 milhões de dólares denunciada pelos críticos com uma mancha ambiental e um símbolo das tendências autocráticas de Erdoğan.
O drama da viagem à Turquia por parte do Papa Francisco está contido na forma como Erdoğan receberá a mensagem: “Quando se trata do destino dos cristãos e de outras minorias, nós estamos vendo (...) e diremos ao mundo o que virmos”.
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Será que o Papa vai intimar a Turquia quanto ao preconceito anticristão? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU