Por: Jonas | 11 Agosto 2014
No último sábado, 9 de agosto, o CJCIAS/CEPAT, em parceria com a Pastoral da PUCPR e o Instituto Humanitas Unisinos, deu início a um ciclo de estudos sobre algumas das principais obras do filósofo italiano Giorgio Agamben, um dos mais renomados intelectuais no momento atual. Para a abertura do evento, contou-se com a assessoria do professor Bortolo Valle (PUCPR) (foto), que se debruçou sobre a temática “Giorgio Agamben: trajetória intelectual e a importância de seu pensamento”.
O relato é de Jonas Jorge da Silva, da equipe do CJCIAS/CEPAT.
Giorgio Agamben nasceu em 1942, em Roma. Entre as curiosidades de sua trajetória, é interessante o inusitado fato de ter atuado como o apóstolo Filipe, no filme O Evangelho Segundo São Mateus (1964), de Pier Paolo Pasolini, de quem era amigo. Além de levar em conta sua aproximação com as obras de Walter Benjamin, para entender seu pensamento é primordial reconhecer a influência de Michel Foucault, com “a disciplina dos corpos”, e da obra “As origens do totalitarismo”, de Hannah Arendt, que desmorona nossa pretensa noção de verdade e coloca em evidência a crise política na qual o Ocidente adentrou.
O professor Valle destacou que Agamben é um filósofo anti-acadêmico, no sentido de que sua produção filosófica não fica compartimentada em disciplinas restritas, como é comum a muitos filósofos que se especializam em apenas uma área. Agamben tem grande facilidade em transitar pelos diversos campos do saber e a temática que envolve o seu pensamento não é uma temática fixa.
No horizonte de suas preocupações destacam-se quatro pilares: direitos humanos, dignidade humana, a sacralidade da vida e a questão da violência. Pensando-se na imagem de um edifício, poderia se dizer que esses quatro pilares estão amarrados à condição humana nos diferentes momentos de sua história.
O professor Valle destacou que Agamben é um profundo conhecedor do pensamento grego e é a partir dele que esboçará uma arqueologia da violência, que é uma questão fundamental em seu pensamento. Em Aristóteles, tem-se uma leitura-chave sobre quem é o homem ocidental: é aquele que domina o logos e a política. Da classificação aristotélica entre os elementos que diferenciam o homem dos outros animais e seres do universo cósmico, dá-se a instauração de uma violência inerente ao processo de diferenciação. Os desdobramentos disso é que, na vida social, os que dominam a política, desde o Ocidente, determinam quem pode ser considerado homem e quem não é tão homem assim, ficando expressa a dificuldade do Ocidente em lidar com o diferente.
Em um segundo momento, essa estrutura de diferenciação grega volta a se revelar na estrutura teológica adveniente da cristianização do Ocidente. Assim, o fator de diferenciação passa a ser entre os que são filhos de Deus e aqueles que não são (os pagãos). Novamente, há uma legitimação da violência em relacão ao diferente, no caso, voltada para os que não são considerados filhos de Deus. Um dos expoentes da construção teológica que embasa essa ideia de filiação divina é Gregório de Nissa.
A modernidade marcará o terceiro momento desse processo. Ao valorizar na radicalidade o pensamento humano, René Descartes institui o sujeito: “penso, logo existo”. Só o homem pode ser sujeito, melhor, só o homem ocidental, o restante é objeto. Assim, tudo o que é desconhecido e que não bebe dessa fonte é considerado objeto, podendo ser explorado, manipulado, ou seja, sobre o mesmo há uma carga de violência. Aqui, mais uma vez, nem todos os homens são considerados homens e arbitrariedades como a escravidão, por exemplo, são legitimadas.
No século XVIII, com nascimento das ciências humanas e sociais, há uma nova mudança na condição humana. É o próprio homem que passa a ser objeto de estudo, que passa a ser analisado. Instaura-se a crise de identidade. O homem passa a ser produto de um discurso da sociologia, da psicologia, etc. São esses discursos que tem poder para dizer o que é normal no comportamento humano em contraponto ao que é anormal e transgressor. Novamente, instaura-se uma condição de violência para com o diferente.
Por fim, o século XX é o momento enigmático dessa condição de violência humana. O homem sempre matou, mas nunca dizimou tanto como no século XX. O campo de concentração possivelmente seja uma das maiores marcas do recrudescimento dessa condição humana. O século XX desnudou a vida humana. A vida, que sempre esteve envolvida por uma sacralidade, passa por um processo de dessacralização e se apresenta nua. Institui-se a indiferença nas relações humanas e, com isso, o ser humano passa a estar totalmente desprotegido de qualquer instância metafísica.
O professor Valle enfatizou que a descrição de todo esse processo contribui para enxergamos o alcance do pensamento de Giorgio Agamben. Agora, na contemporaneidade, a única instância que pode proteger o humano é a dos direitos humanos, mas, a mesma também cai no paradoxo da violência, pois toda ação em prol da proteção humana é acompanhada pela violência contra um dos lados envolvidos.
Além desses aspectos, o professor Valle destacou que a produção de Agamben é marcada por um diálogo permanente com outros pensadores contemporâneos. Ao final de sua exposição, os participantes puderam tirar dúvidas e levantar questões que só aguçaram as expectativas para as próximas etapas.
O ciclo de estudos “Introdução a Giorgio Agamben” contará com mais quatro encontros, com a seguinte programação:
- 30 de agosto: Estado de Exceção. São Paulo: Boitempo, 2004. Assessor: Sandro Luiz Bazzanella (Universidade do Constestado);
- 20 de setembro: O Reino e a glória. Uma genealogia teológica da economia e do governo. São Paulo: Boitempo, 2011. Assessor: Castor Bartolomé Ruiz (Unisinos);
- 18 de outubro: Opus Dei. Arqueologia do ofício. São Paulo: Boitempo, 2013. Assessora: Georgia Amitrano (UFU);
- 8 de novembro: Altíssima pobreza. Regra monástica e forma de vida. São Paulo: Boitempo, 2013. Assessor: Selvino José Assmann (UFSC).
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A violência e a diferença em Agamben - Instituto Humanitas Unisinos - IHU