Por: Jonas | 27 Mai 2014
A extrema-direita acaricia o poder com gula e orgulhosa. Os eleitores deram uma sonora bofetada na democracia francesa e no projeto da construção europeia: a eleição para escolher os 751 deputados do Parlamento europeu terminou na França com um resultado histórico para a extrema-direita. A Frente Nacional, movimento fundado por Jean Marie Le Pen e dirigido hoje por sua filha, Marine Le Pen (foto), se converteu no primeiro partido da França. Com 25% dos votos, a Frente Nacional superou a direita da UMP, que ficou estagnada em 20% dos votos. Os socialistas, por sua vez, com constrangedores 13,98%, seguiram seu caminho em direção ao abismo. Os percentuais da esquerda francesa são uma calamidade. Toda a esquerda francesa reunida totaliza apenas 33%.
Fonte: http://goo.gl/pks7CC |
A reportagem é de Eduardo Febbro, publicada por Página/12 e reproduzida por Carta Maior, 26-05-2014.
Os resultados das outras extremas direitas europeias também são importantes, mas nenhum iguala o caso francês. A França que é, junto com a Alemanha, o pilar do projeto europeu, fortaleceu uma maioria nacional anti-europeia, profundamente arraigada em uma espécie de nacionalismo utópico oposto a quase tudo o que move a filosofia política da União Europeia há 30 anos. “Votou-se pelo retorno à soberania nacional e para escapar da austeridade”, disse Marine Le Pen.
A Dinamarca avançou na mesma toada que a França. O ultranacionalista e xenófobo Partido Popular dinamarquês obteve 23,1% dos votos e se converteu também no primeiro partido político do país. Os movimentos anti-Europa são hoje um espinho cravado no pé das grandes democracias do velho continente. Na Holanda e na Bélgica, os ultras da direita ficaram aquém das expectativas suscitadas pelas pesquisas, mas não foi assim na Grã-Bretanha, onde o Partido da Independência do Reino Unido (UKIP) superou todos os prognósticos. Na Alemanha, a chanceler Angela Merkel viu surgir outra fonte desestabilizadora. Sua coalizão, CDU-CSU, voltou a ganhar, com 36%, mas no horizonte político apareceram vários adversários: um, restaurado, os socialdemocratas do SPD, o outro, recém criado em março de 2013, o partido anti-euro Alternativa para a Alemanha.
O SPD conquistou 27% dos votos e protagonizou assim uma recuperação espetacular frente os 20,9% que obtiveram em 2009. Mas o dado mais notório é o vertiginoso crescimento do movimento anti-euro Alternativa para a Alemanha, o qual, em sua primeira participação em uma eleição, obteve 6,5%. Outro convidado ao banquete democrático é o partido neonazista alemão, o NPD, que com 1% dos votos, também ingressará no parlamento europeu. Ao contrário da França, a esquerda alemã do Die Linke, roçou os 8% de votos contra 6,1% em 2009. Só Itália e Portugal salvaram a honra das desgastadas socialdemocracias do Velho Continente.
A extrema esquerda e a extrema direita modificaram o tabuleiro europeu. Na Áustria, o partido de centro-direita, ÖVP lidera com 27,3%, na frente dos socialdemocratas do SPÖ, com 24%, mas a extrema-direita do FPÖ, com 20,5% dos votos, registra um grande crescimento, comparado aos 12,7% de 2009. Na Grécia, a esquerda radical do Syriza está em primeiro, na frente da direita da Nova Democracia e dos neonazistas da Aurora Dourada. Mesmo com seus líderes presos, os herdeiros gregos de Hitler obtiveram entre 8 e 10% dos votos. Uma façanha!
A grande lição destas lições parlamentares europeias salta aos olhos: a socialdemocracia fracassou mais uma vez em suas tentativas de controlar o Parlamento de Estrasburgo, a direita é majoritária, ao mesmo tempo em que partidos de extrema-direita e extrema-esquerda irrompem com peso no cenário parlamentar. O exemplo mais excepcional é o da França. A ultradireitista Frente Nacional havia obtido 6,4% dos votos em 2009 contra 25% agora. De marginal, passou a ser o primeiro partido do país. O Parlamento europeu segue sob o controle da direita, Partido Popular Europeu (PPE), e dos socialdemocratas (S), mas cresceram os focos rebeldes de eurofóbicos, eurocéticos e fascistas, divididos entre as esquerdas radicais e uma pujante extrema-direita.
A chamada “exceção francesa” é a mais dramática pelo peso real e simbólico que tem a França na história moderna europeia. Em vários países, as extremas direitas superaram a barreira dos 15%: Dinamarca, 23%, Reino Unido, 22%, Áustria, 20%, Hungria, 15%. Mas é na França que os ultras chegaram mais longe e onde a esquerda perdeu muitos níveis de legitimidade. Os ecologistas e a esquerda francesa sofreram um maremoto. Os ecologistas franceses, que haviam obtido 16,3% em 2009, conquistaram apenas 7% agora. A Frente de Esquerda, de Jean Luc Mélenchon, não conseguiu tirar proveito do descontentamento provocado pela política liberal dos socialistas, ficando no mesmo nível de 2009, 7%.
O PS francês voltou à pré-história da grande capitulação eleitoral de 1994. A direita, ainda que tenha ficado em segundo lugar, não está em uma situação melhor. “Tudo indica que há uma fratura entre a Europa e o povo francês”, reconheceu o ex-primeiro ministro liberal François Fillon. O exemplo francês é um naufrágio descomunal. Os dois partidos que governaram o país, a UMP e agora os socialistas, romperam todos os códigos compreensíveis e terminaram por criar um monstro: a direita com suas permanentes incursões nos terrenos da extrema-direita e os socialistas com seu giro liberal, tão estranho às promessas e às razões pelas quais as pessoas votaram em François Hollande em 2012.
Em termos gerais, a composição do parlamento europeu se modificou sem provocar uma grande virada, porém. O Partido Popular Europeu deve conseguir 211 cadeiras (64 a menos que hoje) e o Partido Socialista Europeu 193 (duas a menos). Já a esquerda radical passará de 35 a 47 deputados e os Verdes devem permanecer estáveis com 58 deputados. Entre essas correntes se instalará agora a extrema-direita.
Tudo parece um pesadelo. Como escreveu o Le Monde: “ao cabo de cinco anos de crescimento zero e de aumento do desemprego, a vitória de Marine Le Pen é a derrota de uma Europa em crise que não soube se defender”. O fato a favor da extrema-direita francesa tem uma identidade cifrada: votaram na Frente Nacional 48% de trabalhadores, 37% dos empregados, 38% dos desempregados, 30% dos menores de 35 anos. Comparativamente, os percentuais da esquerda são a apoteose da perda desse eleitorado: pela esquerda socialista votaram 8% dos trabalhadores, 16% dos empregados e 15% dos menores de 30 anos. A história deu uma volta de forma inaudita. Os bastiões sociais da esquerda se deslocaram para a extrema-direita. Em resumo, a Frente Nacional pode içar hoje legitimamente a bandeira e reivindicar que é o partido dos jovens e das classes populares.
A Frente Nacional obteve nas urnas uma vitória histórica e surpreendente para seus adversários de esquerda e de direita: é a primeira vitória nacional em seus 52 anos de existência. Seu crescimento é uma curva de cifras positivas: nas presidenciais de 2012, Marine Le Pen obteve 17,9% dos votos, ou seja, mais de sete pontos acima do que seu pai havia conquistado em 2007. Nas municipais de 2014, a FN ganhou mais de mil comunidades. É um partido em pleno voo. Por outro lado, há uma esquerda aborrecida e dedicada a gestão, vestida de freira liberal, obediente, institucionalizada e sem coração. Também há uma direita em decomposição, uma direita os clãs se desgarram, onde suas lideranças visíveis aparecem acusadas pela justiça ou detidas pela polícia, onde as ideias são uma recordação cada vez mais ausente.
A esquerda francesa, em sua totalidade, está de luto. A direita é uma metáfora violenta. No meio, a paciente e acertada estratégia adotada por Marine Le Pen destinada a desdiabolizar a imagem da Frente Nacional funciona como um encanto irresistível. O cenário global é o de uma Europa liberal, asséptica e indolente, onde as classes populares e os jovens se sentem interpretados pela extrema-direita. A partitura da extrema-direita encontrou uma sala cheia e disposta a dar-lhe um lugar no grande vazio deixado pelos partidos de governo.
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O big bang da extrema-direita europeia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU