05 Agosto 2015
Batalhão da PM na região encabeça ranking de mortes em confrontos. Anistia Internacional diz que MP tem sido omisso.
A reportagem é de Vera Araújo, publicada pelo jornal O Globo, 03-08-2015.
A dona de casa Tereza de Souza Costa, de 65 anos, diz não ter mais lágrimas para chorar. São 25 anos sem notícias do filho Edson de Souza Costa, que desapareceu aos 17, depois de sair de casa para um passeio com dez amigos num sítio em Suruí, em Magé, na Baixada Fluminense. Tereza é uma das sete mulheres que ficaram conhecidas como mães-coragem de Acari. Quatro delas morreram sem saber o paradeiro dos filhos. Mas Tereza não perde a esperança de saber o que fizeram com seu menino.
No dia 26 de junho de 1990, de acordo com investigações da época, os jovens teriam sido sequestrados por homens que se identificaram como policiais. Daí em diante, nada se sabe. Por falta de provas, o inquérito foi encerrado em 2010 sem que ninguém fosse indiciado pelo crime que ficou conhecido como Chacina de Acari, embora nenhum corpo tenha sido encontrado.
— Éramos guerreiras. Chovesse ou fizesse sol, a gente corria atrás de uma pista que nos levasse aos nossos filhos. Subíamos e descíamos os morros por aí, arriscando nossas vidas, entrando em patrulhas da PM, até calarem uma de nós — lembra Tereza.
A mãe de Edson refere-se a Edméia da Silva Euzébio, assassinada em 1993, quando buscava informações sobre o filho Luiz Henrique da Silva Euzébio.
— Ainda temos muito medo. Minha esperança é que alguém ligue para o Disque Denúncia (2253-1177) e diga onde estão nossos filhos, mesmo que seja só para enterrarmos os ossos. Apenas assim poderei morrer em paz — diz ela, que mantém uma foto amarelada de Edson numa parede, acima da cabeceira de sua cama.
Em 2014, 244 casos no Rio
Passados 25 anos do desaparecimento dos 11 jovens, a região do 41º BPM (Irajá), que abrange a área da Favela de Acari, ocupa o primeiro lugar no ranking dos batalhões com maior número de homicídios decorrentes de intervenções policiais, de acordo com registros feitos no ano passado. A informação consta do relatório da Anistia Internacional denominado “Você matou meu filho”, que será divulgado hoje. Foram 244 casos dos chamados autos de resistência na capital, sendo 68 na área do 41º BPM. Dez ocorreram na Favela de Acari. Depois de analisar atestados de óbitos e boletins em delegacias, além de ouvir parentes das vítimas e testemunhas, a Anistia Internacional concluiu que há “fortes indícios” de execuções em nove deles.
— Acari voltou ao centro das atenções. A Anistia Internacional acompanha o caso dos desaparecidos desde 1992, quando pediu proteção para as famílias. Até hoje o assassinato de Edméia não foi julgado. O processo continua em fase de instrução e julgamento. Nessa nova pesquisa, referente a 2014, em nove dos dez casos de Acari que analisamos, as vítimas já estavam feridas ou rendidas quando os policiais as executaram. E uma outra estava fugindo — contou o diretor-executivo da Anistia Internacional Brasil, Atila Roque.
Mãe de DG afirma que inquérito está parado
O fato de as investigações sobre a morte do bailarino Douglas Rafael da Silva Pereira, o DG, do programa “Esquenta”, da Rede Globo, terem sido feitas pela 13ª DP (Copacabana) foi alvo de críticas de sua mãe, Maria de Fátima da Silva. Ele foi morto no Pavão-Pavãozinho, em Copacabana, no dia 22 de abril do ano passado. De acordo com a Polícia Civil, um PM matou o artista, que tinha 26 anos.
— Por que a investigação sobre a morte do meu filho não foi para a Divisão de Homicídios? Meu filho foi executado com um tiro nas costas, não foi auto de resistência. A DH é que tem condições de elucidar os casos complexos, pois tem recursos — disse Maria de Fátima. — Com a tragédia, passei a acompanhar de perto o processo, que não anda. Comecei até a fazer um curso de direito.
Maria de Fátima não consegue conter as lágrimas ao mostrar as fotos do filho ainda criança:
— Eu me sinto de mãos atadas. O que aconteceu com Douglas é o destino de jovens pobres e negros, exterminados na fase mais produtiva. É injusto.
Amizade na dor
Lá se foram 25 anos, mas as mães de Acari sabem que certas dores não se curam. Da procura pelos filhos, restou a amizade entre elas.
— Naquele tempo, uma tentava proteger a outra. Hoje, vejo que a luta foi em vão. Até agora não houve resultado. Só restou mesmo a saudade dos filhos e a amizade entre a gente — disse a dona de casa Ana Maria da Silva, de 65 anos, mãe de Antônio Carlos da Silva, uma das 11 vítimas da Chacina de Acari.
Tereza de Souza Costa ainda tem a sensação de que seu filho vai entrar em casa a qualquer momento.
— É o que mais sonho. Ele entrando por aquela porta, deitando na minha cama e me abraçando. Meu marido também acredita que Edson vai voltar. Estamos nos acabando a cada dia, daqui a pouco vamos embora. Aí, acaba de vez a nossa história.
Tereza teve três filhos: um morreu com seis meses, outro foi vítima de atropelamento e o terceiro, Edson, não voltou mais. Ela passa seu tempo cuidando do marido, que teve parte da perna esquerda amputada por causa de diabetes. Nenhum parente dos 11 desaparecidos de Acari recebeu indenização do estado.
Anistia Internacional diz que impunidade persiste
Pesquisadores da Anistia Internacional ficaram de agosto de 2014 a junho de 2015 preparando o relatório baseado em dados do Instituto de Segurança Pública. Segundo Atila Roque, a análise confirma que persiste o uso excessivo de força policial em Acari. Além disso, ele argumenta que, nas investigações, é comum entre PMs buscar a culpabilidade das vítimas.
— É uma forma perversa de legitimar a ação policial. Quando se culpa a vítima, cria-se uma autorização para matar. Na pesquisa, observamos a predominância da impunidade — destacou Roque.
Muitos casos sem solução
A Anistia Internacional também pesquisou 220 inquéritos relacionados a autos de resistência registrados em 2011. Eles chegaram à conclusão de que, até junho deste ano, 183 casos continuavam na fase de investigação, o que equivale a 83% do total. O Ministério Público estadual pediu o arquivamento de 12 procedimentos. Em outros 21, promotores aceitaram as versões de legítima defesa apresentada pelos policiais. Em apenas um deles agentes do estado foram denunciados.
— O estudo revela que 83% das investigações ficaram no limbo. Quase quatro anos se passaram e elas continuam abertas, sem apontar culpados. Isso indica uma autorização tácita para o policial matar — avaliou Roque.
Segundo o diretor-executivo da Anistia Internacional, ‘‘familiares das vítimas ficam vulneráveis e solitários em sua luta’’.
— Infelizmente, o MP tem sido omisso — afirmou Roque.
A Anistia Internacional fez uma série de recomendações às autoridades do estado. Entre elas, a garantia plena de proteção às testemunhas e a criação de uma força-tarefa de promotores para detectar lacunas nos inquéritos. Também é apontada a necessidade de mortes decorrentes de intervenções policiais serem apuradas pela Divisão de Homicídios, e não pela delegacia da área do auto de resistência.
O secretário de Segurança, José Mariano Beltrame, criticou a Anistia Internacional pela divulgação do relatório:
— Considero temerária e injusta a divulgação desse estudo num momento em que vemos os níveis de criminalidade caírem. Todos sabem que a diminuição da letalidade violenta é o principal fator para que um policial seja premiado pelo Sistema Integrado de Metas. Nos casos de homicídios decorrentes de intervenções policiais, os resultados saltam aos olhos, principalmente em áreas onde há UPPs. Houve 20 mortes nessas áreas em 2014, 85% a menos que em 2008 (136 vítimas). Ainda temos regiões em guerra, mas é inegável a melhora nos índices de criminalidade de 2007 para cá.
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Após 25 anos, responsáveis pela chacina de Acari não foram punidos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU