Por: André | 16 Julho 2015
“Qualquer uma das opções que o governo de Tsipras adotar será dolorosa para os gregos, mas a diminuição de um gasto militar ineficiente para destinar esses recursos à economia produtiva, certamente aliviaria a maltratada economia da Grécia.”
A análise é de Pere Ortega, pesquisador do Centro Delás de Estudos pela Paz, e publicada pelo portal do jornal espanhol Público, 14-07-2015. A tradução é de André Langer.
Eis o artigo.
Pior, impossível. Humilhação, esse é o adjetivo mais utilizado pela opinião pública grega. A clamorosa vitória de 61% dos votos a favor do “Não” no referendo grego sobre as medidas de austeridade propostas pela Comissão Europeia, foi respondido pelos chefes de Estado da União Europeia emitindo medidas de maior dureza e lançando um novo ultimato: três dias para sua aprovação. Do contrário, não há resgate nem liquidez e a Grécia deverá abandonar o euro.
Tsipras encontra-se em uma situação muito difícil. Se aceita a chantagem da Comissão Europeia, como parece fazer, o partido Syriza se romperá, e dependendo do que o Parlamento grego decidir, o governo pode cair e ter que convocar novas eleições. Se, pelo contrário, Tsipras retifica e abandona o euro e retorna ao dracma, haverá uma desvalorização da moeda, mais fuga de capitais e a Grécia entrará em uma etapa de incertezas, com inflação, mais desemprego e maior crise social; mas, dentro de alguns anos, a Grécia talvez conseguiria se recuperar.
Sem dúvida, os governos gregos anteriores ao Syriza têm tanta ou mais responsabilidade que a própria União Europeia na crise grega. Já descrevi como o desmesurado gasto militar contribuiu para a enorme dívida e suspensão de pagamentos grega. Então não era de estranhar que entre as medidas que a Comissão Europeia pedia a Tsipras estava a diminuição do gasto militar em 0,2% do PIB e economizar 400 milhões de euros por ano. Pareceu-me uma exígua quantia, considerando que a Grécia tem o gasto militar mais elevado da Europa (2,2%, segundo o Sipri). A resposta do Tsipras neste ponto foi aceitar uma diminuição inferior, 300 milhões de euros neste ano e 200 milhões em 2016. Pelo que tudo indica, Tsipras viu-se ameaçado por seu sócio de governo, o nacionalista Gregos Independentes, de fazer cair o governo, caso aceitasse uma diminuição do gasto militar.
Sobre as questões relacionadas à defesa, o atual governo grego tem um grave problema: ter feito um pacto com o ANEL (Gregos Independentes). Um partido ultraconservador e ancorado no nacionalismo mais rançoso e acusado de xenófobo em relação à imigração. Com um líder, Panos Kammenos, a quem se deu nada menos que o Ministério da Defesa. Com um sócio com essas características é impossível negociar a diminuição do gasto em defesa. Na semana anterior ao referendo Tsipras, ao lado de um eufórico Kammenos, rechaçou a proposta da Comissão Europeia de diminuir o gasto militar. Outro dado revelador sobre as políticas erráticas no âmbito militar do governo de Tsipras foi aprovar, na semana anterior ao referendo, um contrato militar com os Estados Unidos de 440 milhões de euros para modernizar cinco aviões de patrulha marítima P-3B Orion.
Um enorme gasto militar que está relacionado com as rivalidades que a Grécia tem com a Turquia, país com quem tem litígios e agravos de toda espécie que duram séculos, entre as quais está a divisão do Chipre em duas zonas, uma grega e outra turcomana. Causas que um partido ultranacionalista como o ANEL fará mais que exacerbar e que são uma das causas do gasto militar grego provocado por uma absurda corrida armamentista que se mantém com a Turquia. Além de outras questões não menores, pois o ANEL declara sua animosidade para outros países limítrofes: com a Macedônia, por uma questão ridícula: reivindicar junto com outros partidos o nome da Macedônia como parte do seu patrimônio histórico; com a Albânia, pior, pela questão da imigração.
Sem dúvida, o Syriza não buscou o melhor sócio para governar, quando na campanha eleitoral passada criticava o gasto militar desmedido de governos anteriores; fazia promessas pacíficas de acabar com o litígio com a Turquia; e pretendia diminuir o militarismo grego. Um partido de esquerda, o Syriza, por parte de quem se pressupõe senso comum para iniciar uma política de aproximação com a Turquia mediante políticas de segurança compartilhada que pusessem fim às tensões e propiciassem a redução do desmedido gasto militar grego.
Há quem esgrima que o gasto militar grego provém do lugar geoestratégico que a Grécia ocupa no mapa europeu, pois representa um baluarte forte frente aos conflitos do Oriente Próximo, concretamente frente à expansão do terrorismo; também que é um país balcânico, região de alto risco e que sua presença pode frear a expansão desses conflitos para a Europa. Estas não são razões de peso, pois a Grécia é um país que pertence à OTAN, e não faz sentido que seja o país com maior gasto militar (afora os Estados Unidos) desta organização, quando a média dos países membros europeus é de 1,3% do PIB.
Sobre este último ponto é bom recordar que é verdade que em 2008 o gasto militar grego era de 4% do PIB. Em 2015, com a chegada do Syriza ao governo, este gasto diminuiu para 2,2%, sem dúvida uma diminuição significativa. A este respeito também cabe fazer menção ao relatório de desenvolvimento humano, PNUD das Nações Unidas, quando em 2004 recomendou não ultrapassar os 2% do gasto militar e estabilizá-lo em torno de 1% do PIB.
Qualquer uma das opções que o governo de Tsipras adotar será dolorosa para os gregos, mas a diminuição de um gasto militar ineficiente para destinar esses recursos à economia produtiva, certamente aliviaria a maltratada economia da Grécia.
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A derrota do Syriza e o gasto militar - Instituto Humanitas Unisinos - IHU