28 Mai 2015
Fruto da articulação, mobilização e interação entre movimentos ativistas, socioambientais e políticos; com atuação em campo aberto - nas ruas, e virtual - em diversas plataformas das redes sociais; avança, no Brasil, a RAIZ - Movimento Cidadanista.
A entrevista é de Liliana Peixinho, publicada pela página Reaja - Rede de Jornalismo Ativista, 25-05-2015.
Com elos ideológicos e práticos, referenciados em experiências da esquerda radical mundo afora, a RAIZ abre círculos de debate em diversos estados.
Estudantes, professores, economistas, filósofos, jornalistas, historiadores, ambientalistas, ativistas, trabalhadores em geral, enramam esperanças e atitudes, em espaços sociais sedentos de Justiça.
Harmonia, bem viver, respeito ao outro, garantia de direitos, integram princípios, historicamente negados.
A RAIZ finca seus valores no UBUNTU (Sou porque somos), no Ecosocialismo, e Teko Porã. Entre os membros fundadores, estão alguns dissidentes da REDE Sustentabilidade. Nessa entrevista, o sociólogo Marcelo Soares, ambientalista, atuante em políticas públicas, membro da Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (AGAPAN, militante político desde os anos 70/80, responde a alguns questionamentos, filtrados pela jornalista Liliana Peixinho, em ambientes minados em risco de vida.
Eis a entrevista.
Como fundador do PT, ex- porta-voz da REDE Sustentabilidade no Rio Grande do Sul e, agora, empenhado na construção da RAIZ - Movimento Cidadanista como "partido movimento horizontal e contemporâneo para as lutas do século', como analisa o atual cenário político brasileiro, onde manifestações explodem, país afora, em múltiplas vozes, contra um sistema viciado em atropelar direitos?
Entendo que para analisarmos a atual conjuntura de crise e perspectivas de mudança no Brasil, tenhamos que observar 2013, como o ano em que se acirraram as contradições do lulismo e as dificuldades para a sua superação. Embora o país ainda não enfrentasse o atual quadro de crise econômica e ameaça aos direitos sociais, as manifestações que explodiram em junho de 2013 revelaram uma insatisfação com a precariedade dos serviços públicos, principalmente nas grandes cidades, e uma crise de representação política, que questionava, não apenas os governos, mas os partidos políticos existentes.
E a resposta do Governo Dilma, e dos governos estaduais, às manifestações, foi a desqualificação, repressão e criminalização dos manifestantes em todo o país, alguns dos quais ainda estão presos, e muitos respondem à processos judiciais.
Ao mesmo tempo, a diversidade de pautas colocadas pelas ruas, e a ausência de uma direção mais organizada das manifestações, abriram espaços para a sua contaminação, por forças de direita.
Ficou patente então a ausência de uma saída à esquerda para o lulismo, pois PSOL e PSTU se retiraram das ruas, em 2014, apostando suas fichas em projetos eleitorais, deixando as ruas entregues para pequenos coletivos anarquistas e black blocs, os quais se tornaram presas fáceis para a sanha repressiva das polícias militares.
E foi justamente esta ausência de alternativas, facilitada pela sucessão de erros da Marina, que tornou possível o discurso governista mais à esquerda, contraposto à direita tucana. A reeleição de Dilma, associada à eleição de um Congresso ainda mais conservador do que o anterior, abre espaços para o atual quadro de crise econômica e política, com o fortalecimento da direita mais radical, aquela que se encontra do lado de fora do governo, ou mesmo dentro, como é o caso do PMDB.
Na atual conjuntura de ameaças à direitos individuais e sociais, mais do que nunca faz-se necessária uma autocrítica de partidos e movimentos sociais do campo da esquerda, mas, principalmente, a construção de uma nova alternativa de esquerda: como a Syryza na Grécia, ou o Podemos, na Espanha.
De 2008 a 2010 vimos amadurecer no Brasil, principalmente via Redes Sociais, uma nova via para alternância de Poder. Um capital político de 20 milhões de votos, foi fortalecido nas eleições seguintes, de 2014 e, em meio a alianças dissonantes do projeto político original do MMS/REDE, e com o apoio de Marina a Aécio, muitos, como senhor, lutam, agora, na formação da RAIZ- Movimento Cidadanista. Que princípios podem nortear demandas historicamente reprimidas no campo eleitoral?
O surgimento de novos movimentos sociais, organizados de forma horizontal, a partir das redes sociais; e de manifestações massivas, nas ruas, ao contrário da Espanha, não deu origem à construção de uma alternativa no campo institucional, como o Podemos, que se originou do 15 M.
A construção da Rede Sustentabilidade, com um discurso de nova política, passou ao largo destes novos movimentos. E isso, em grande parte, devido à sua principal liderança, Marina Silva, que fez uma opção, pela via eleitoral, em aliança com um partido tradicional (PSB). E, também, teve dificuldades em fazer um discurso que empolgasse a juventude, devido às suas posições conservadoras em alguns temas chaves: como os direitos dos LGTBS, o aborto, e a legalização da maconha. Mas, o mais grave, foi a ausência na Rede Sustentabilidade daquela que é a principal característica destes novos movimentos: a horizontalidade. Sacrificada em sucessivas decisões, que acabaram levando Marina a apoiar Aécio no segundo turno das últimas eleições presidenciais. Hoje, sabemos que ao contrário da sentença de Victor Hugo, sempre citada por Marina: "de que nada pode deter uma ideia cujo tempo chegou", o personalismo e o oportunismo, podem sim, enterrar esta ideia.
Entendo que, nas últimas eleições, ficou patente que o capital político de 20 milhões de votos da Marina é muito heterogêneo, e em grande parte, conservador, constituído por eleitores evangélicos, muitos dos quais, agora, engrossam as marchas pelo impeachment da Dilma, e mesmo pela volta dos militares ao poder.
A Raiz Movimento Cidadanista surge a partir do reconhecimento dos equívocos da Rede Sustentabilidade. Mas, também, de uma visão mais abrangente de esquerda, como comprova a adoção entre seus princípios básicos: do "bem viver", assumido pelos governos da Bolívia e Equador; e do ecossocialismo, enquanto crítica radical ao capitalismo. Estes princípios, assim como o UBUNTU africano, presentes na Carta Cidadanista, permitiram aglutinar na Raiz não apenas socialistas, comunistas e anarquistas, mas esta nova geração de lutadores sociais, muitos dos quais despertaram para a política em 2013. A ideia é se constituir enquanto um partido movimento, horizontal e contemporâneo, a partir de uma multiplicidade de círculos territoriais e temáticos.
Que bases de atuação tem a RAIZ como alternativa de espaço político?
A RAIZ tem como principal base de atuação a infinidade de novos movimentos sociais, e a diversidade de pautas deste início de século. Isso não significa renegar as lutas do passado. E a presença da Deputada Luiza Erundina entre nós, faz este vínculo com as lutas e políticas sociais dos anos 80 e 90, que deram origem ao Partido dos Trabalhadores, mas que quer avançar nas conquistas e direitos sociais e individuais. Esta capacidade de aglutinar antigos e novos lutadores sociais, e de buscar uma nova síntese teórica, assim como formas de ação condizentes com o espírito destes tempos nervosos, cria um caldo de cultura política bem diferente da esquerda tradicional.
Movimentos como Ocupe Estelita, no Recife; Ocupe Parque Augusta, em São Paulo; e Ocupa Cais do Porto, em Porto Alegre; a luta contra o desmatamento; a defesa de populações indígenas e quilombolas; e a defesa de ampliação de direitos individuais de LGTBs e mulheres; assim como dos direitos animais; e de uma nova política de drogas; estão despertando, para a política, uma geração distante dos antigos manuais marxistas, que cobra respostas urgentes, para questões que o atual modelo de produção e consumo, não pode oferecer.
Mas, como já dissemos, isso não significa abandonar a luta sindical e por direitos sociais, sempre adiados, ou recentemente ameaçados, como a reforma agrária e os direitos trabalhistas; bem como por uma reforma urbana em cidades; que são o locus das principais contradições do sistema capitalista atualmente, na esfera da reprodução.
A própria concepção de partido movimento, aproxima a RAIZ dos movimentos sociais, pois não buscamos uma relação de cooptação, ou sermos reconhecidos enquanto vanguarda. Mas, estarmos justamente, na retaguarda das lutas sociais, amplificando-as e acumulando força, para o que os fundadores do Podemos denominavam como assalto institucional. Ou seja, colocar-se enquanto uma alternativa concreta de poder.
Observamos uma consciência coletiva avessa a representações institucionais sem credibilidade, como a dos partidos brasileiros. Quando o PT chegou ao poder, no RS, o senhor ficou anos fora da militancia política, até a construção da REDE, onde agora é dissidente. Nesse cenário de falta de representação, o que a RAIZ trás de novo para os desafios em pauta?
Esta aversão aos partidos políticos no Brasil, decorre de dois fatores: um característico da corrupção do nosso sistema político; e outro, que é global, de questionamento não apenas dos partidos políticos, mas da própria democracia representativa. A falência do sistema político brasileiro decorre do adiamento sucessivo, tanto nos governos do PSDB, como nos do PT, de uma reforma política que garantisse regras mais democráticas e transparentes, inclusive no financiamento das campanhas eleitorais.
O resultado desse adiamento foi o fortalecimento de uma relação de balcão, entre o executivo e o legislativo, através de emendas parlamentares ao orçamento da União, e compra direta de votos, que acabaram originando esquemas de corrupção como o mensalão, e o recente petrolão. Essa promiscuidade e assalto aos cofres públicos, é potencializada, ainda, com o financiamento privado de campanha, que influi diretamente não só nos governos, como no Congresso, com a formação de bancadas específicas, no chamado Congresso BBB (Boi, Bala e Bíblia).
Priorizar uma atuação eleitoral nestas regras de jogo, seria comprometer, definitivamente, as possibilidades de questionamento deste sistema viciado, como vimos com a Rede Sustentabilidade, em que a Marina foi sendo levada, sucessivamente, à adesões que retiraram o potencial transformador da sua candidatura.
A RAIZ não tem pressa, nem prioriza, este jogo eleitoral. Mas, uma organização pela base, e um reforço nas lutas, junto aos movimentos e demais organizações e coletivos interessados, sinceramente, em construir novas relações políticas no Brasil, através da organização de Frentes, como está sendo feito pelo Podemos, nas atuais eleições municipais espanholas. Frentes que podem, ao nosso ver, serem construídas já nas eleições de 2016, aglutinando todas aquelas forças de oposição: tanto ao governismo, como à direita de sempre.
Como o nome sugere, RAIZ é símbolo de profundidade, de absorção. Como membro de uma das primeiras entidade ambientais do Brasil, a AGAPAN, como observa o discurso paradoxal entre o que se diz, e o que se faz, no país onde o greenwashing (pintado de verde) dita as regras do mercado? Que ideias, ações, propostas polítícosocioambiental, está em construção no movimento e que experiências a RAIZ traz, como exemplo viável, para um país em crise generalizada de gestão?
Se queremos construir novos padrões de produção e consumo, e estabelecermos princípios como: "bem viver", UBUNTU, e ecossocialismo; devemos contribuir aqui e agora, na geração de novas experiências, que fortaleçam a nossa utopia e que agreguem força aos movimentos que se contrapõem ao produtivismo e consumismo, atuais. E isso implica em ações no interior mesmo, da sociedade, que estimulem a economia solidária, a preservação ambiental, e a ampliação de direitos individuais e sociais, principalmente para mulheres, negros, indígenas e LGTBs. Muitas vezes, aquelas que são consideradas pequenas ações potencializam, e trazem ganhos inestimáveis, em cidadania. E isso é o que queremos com a RAIZ: construir um novo cidadanismo a partir de ações concretas. Que afirmem os homens e mulheres deste século, como agentes políticos realmente transformadores. Porque serão a mudança, que querem ser, no mundo. Há braços!
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RAIZ - Movimento Cidadanista como espaço de retaguarda para lutas sociais no Brasil - Instituto Humanitas Unisinos - IHU