Por: André | 14 Abril 2015
“Mesmo após mudar uma política de histórica hostilidade com Cuba, o cenário regional segue sendo muito complexo para os Estados Unidos. Ao fim e ao cabo, após a criação de novas ferramentas de integração – como a Unasul, Celac e a ALBA/Petrocaribe –, a Cúpula das Américas segue sendo herdeira de uma etapa prévia da região: aquela do Consenso de Washington, derrotado precisamente 10 anos atrás em Mar del Plata. Da modificação (ou não) desse formato depende boa parte da sobrevivência desta instância, que parece ter ficado presa a uma mudança de época da América Latina”, escreve o cientista político Juan Manuel Karg, em artigo publicado por Página/12, 13-04-2015. A tradução é de André Langer.
Eis o artigo.
Primeira conclusão: o bloco de 33 países que compõem a Celac – Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos – ficou fortalecido após a reunião do Panamá. Uma imagem pode dar conta disso: após ouvir Raúl Castro, e antes que falassem Cristina Fernández de Kirchner e Nicolás Maduro, Obama retirou-se da plenária de Chefes de Estado, em uma atitude muito questionável. Esta imagem, que alguns analistas conservadores buscaram fazer passar como uma derrota dos países da Unasul, supõe antes o contrário: os Estados Unidos não podem dirigir um espaço que criaram com essa finalidade, lá por 1994, o que fica evidente com a saída de Obama da sala. Assim, o país que em décadas passadas foi “amo e senhor” deste tipo de encontro, nem sequer ouviu os discursos de boa parte dos presidentes da região, em uma atitude arrogante, mas também defensiva.
Segunda conclusão: se alguém esperava um discurso “light” de Castro no Panamá, por conta do restabelecimento de relações diplomáticas com Washington, equivocou-se. O cubano foi contundente em sua explicação sobre a política de Washington para com a ilha, em nível histórico, ultrapassando os recortes mal-intencionados que depois diversos meios hegemônicos da região tentaram fazer. Recordou que na guerra da independência os Estados Unidos “entraram como aliados e se apoderaram do país como ocupantes”. Depois disse que as penúrias que o bloqueio produziu provocaram um apoio maior ao modelo político, econômico e social vigente na ilha desde 1959. Assim, disse que “77% dos cubanos nasceram sob o bloqueio. Mas o fustigamento trouxe mais revolução”. Por último, referiu-se à derrota da ALCA, a proposta de livre comércio, cujo desenvolvimento foi esboçado exatamente na Cúpula das Américas, ao afirmar que a “a ALCA naufragou em 2005 no Mar del Plata sob a liderança de Chávez, Kirchner e Lula”.
Terceira conclusão: a crítica à ordem executiva proclamada por Obama, considerando a Venezuela uma ameaça para Washington, apoderou-se de boa parte das intervenções. Ou seja, inverteu uma reunião cujo ponto essencial seria a foto Obama-Castro. Cristina Fernández de Kirchner foi contundente: “A primeira coisa que fiz foi rir. Uma ameaça? É inverossímil”, disse primeiro, para depois afirmar que “é uma pena que esta reunião se veja obscurecida por essa decisão. Esse decreto deve ser abandonado”. Depois foi o próprio Nicolás Maduro, que levou 11 milhões de assinaturas ao encontro, que sentenciou que “este decreto se mete na vida da Venezuela”. Em seguida, Maduro esclareceu que busca uma resolução diplomática do tema, ao dizer: “Estendo-lhe a mão, presidente Obama, para que resolvamos o tema sem a intervenção em assuntos internos”.
Quarta conclusão: a ausência de uma declaração final marca o descontentamento dos Estados Unidos e do Canadá com os eixos centrais da reunião, algo similar ao que aconteceu em Cartagena de Indias, na Colômbia, em 2012. Embora Obama tenha conseguido a foto que queria junto com Raúl Castro, e aproveitou os dias prévios à reunião para encontrar-se com os países do Caribe nucleados na Caricom [Comunidade do Caribe] – em vias de tentar enfraquecer a hegemonia venezuelana na zona através da Petrocaribe –, podemos dizer que o fato de que não exista um documento final marca as divergências entre o bloco Celac e os países da América do Norte, que se opuseram a se posicionar sobre o decreto executivo contra a Venezuela. Duas cúpulas consecutivas sem posicionamento conjunto demonstram os limites de uma instância tão abrangente, com países muito divergentes em termos de orientação política e econômica.
Diversas interrogações ficam após o conclave panamenho, rumo à reunião do Peru 2018: até que ponto a Cúpula das Américas marcará o pulso das discussões regionais, visto e considerando que o bloco Celac já chega a essas reuniões com consensos prévios?; de que forma mudará o cenário regional, atualmente permeado de um conjunto de governos pós-neoliberais, com vistas à próxima Cúpula das Américas?; poderão os Estados Unidos conseguir uma maior afinidade com os países do Caribe, através da Caricom?
Seja como for, mesmo após mudar uma política de histórica hostilidade com Cuba, o cenário regional segue sendo muito complexo para os Estados Unidos. Ao fim e ao cabo, após a criação de novas ferramentas de integração – como a Unasul, Celac e a ALBA/Petrocaribe –, a Cúpula das Américas segue sendo herdeira de uma etapa prévia da região: aquela do Consenso de Washington, derrotado precisamente 10 anos atrás em Mar del Plata. Da modificação (ou não) desse formato depende boa parte da sobrevivência desta instância, que parece ter ficado presa a uma mudança de época da América Latina.
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A América Latina depois da Cúpula - Instituto Humanitas Unisinos - IHU