Por: Jonas | 20 Março 2015
A poucos dias da posse oficial do novo bispo de Osorno, Juan Barrros Madrid (foto), aumentam as reivindicações ao papa Francisco e ao próprio bispo. O sacerdote de Osorno, Peter Kliegel, solicita que o Papa “reverta a situação” e dom Juan Luis Ysern, bispo emérito de Ancud, pede ao prelado que renuncie, porque não terá condições de cumprir a sua missão de bispo. Reproduzimos, na continuidade, a entrevista com o bispo Ysern e a carta ao Papa, escrita pelo padre Kliegel.
Fonte: http://goo.gl/42ZlKa |
A entrevista é de Miguel Angel Millar, publicada por Religión Digital, 19-03-2015. A tradução é do Cepat.
Eis a entrevista.
Muito obrigado, dom Juan Luis, por conversar com a Rádio Austral de Valdivia. A situação sofrida pela comunidade de Osorno, em razão da nomeação de seu novo bispo, leva-me a convidá-lo para complementar, com os seus comentários, os diversos e variados pontos de vista de todos os protagonistas da opinião pública. Durante os anos em que trabalhei com a comunicação, na Igreja de Chiloé, sempre que precisei de uma informação relativa à vida da Igreja, segundo suas normas, de qualquer lugar do país, o senhor era sempre mencionado como uma pessoa especialmente qualificada para analisar estes temas.
Eu vejo, estimado Miguel, que inicia com toda uma justificativa, explicando a razão pela qual me convida para conversar sobre este tema. Certamente, as entrevistas ocorridas em tempos passados, através da Rádio Estrella del Mar, foram muitas. Entendo perfeitamente a confiança, muito obrigado, e não precisa se justificar diante de mim. Além disso, isto permite nos reencontrarmos em um estúdio de rádio, como fazíamos frequentemente em Ancud. Contudo, antes iniciar o assunto, permita-me aproveitar a oportunidade para saudar todos os que nos ouvem e de uma forma muito especial aos que nos ouvem em Chiloé.
Mas, agora, o assunto é Osorno, dom Ysern.
Você tem razão. Segue uma cordial saudação para aqueles que nos ouvem em Osorno.
É um fato muito notório que a nomeação do novo Bispo de Osorno produziu grande descontentamento e assim se manifestam os fiéis. O senhor considera correto que os fiéis se manifestem publicamente a respeito de um pronunciamento feito pelo Papa?
Às vezes, as pessoas reagem segundo o que é dito por vocês, sem um verdadeiro sentido crítico em relação aos meios de comunicação social. Pode acontecer, portanto, que essa reação das pessoas não tenha muita profundidade em si mesma. Há aqueles que são especialistas em manipulação de massas. Em entrevistas anteriores, já fizemos referência à responsabilidade de vocês em despertar o sentido crítico. Não vamos entrar nesse assunto agora. Porém, concretamente, se os fiéis após uma profunda reflexão se manifestam de acordo com a sua consciência e de forma respeitosa, parece-me bom que atuem assim.
No entanto, a consideração comum é que a manifestação pública de uma discordância com a nomeação feita pelo Papa é de uma rejeição ao Papa, que, por outro lado, é muito querido. Qual a sua opinião?
É exatamente o oposto. É o Papa que nos disse para “fazermos barulho” para avançar sobre a verdade, a justiça e o bem, seguindo o Senhor. Somente sobre essa base poderemos conseguir uma convivência harmônica, solidária e fraterna. É verdade que quando se faz barulho, podem ocorrer feridas. Mas, o Papa nos disse que prefere uma Igreja ferida, não uma Igreja adormecida. É muito mais cômodo ficarmos quietinhos, dormindo, mas assim não avançamos em nada.
E o senhor, o que pensa da nomeação de dom Barros como bispo de Osorno?
Quando saiu sua nomeação, enviei-lhe uma mensagem, dizendo que contasse com a minha oração para saber cumprir a vontade de Deus.
O que isso quer dizer?
Isso é a tarefa de todo cristão, manter uma atitude de discernimento tendo como referência Cristo, assim como se manifestou no Evangelho.
Permita-me que faça a pergunta de outra forma. Se o senhor estivesse no lugar de dom Barros, tendo presente o que disse, o que faria?
A resposta, como é evidente, só pode expressar meu parecer, absolutamente pessoal. Eu, vendo a realidade da forma como se apresenta, não considero que seria possível para mim o exercício do ministério episcopal e Deus não pede o impossível. Nesta situação, eu exporia a realidade ao Papa e com essa motivação apresentaria a minha renúncia. Consequentemente, não poderia aceitar o cargo e diria isto ao Papa. Mas, repito e insisto que este é o meu parecer pessoal.
Então, o senhor considera que dom Barros é culpado pelas coisas que o envolvem com o padre Karadima.
São duas coisas distintas. Não confundamos. Quando digo que se estivesse em sua situação, eu renunciaria, estou me referindo à situação de rejeição que existe em relação a ele. O tema da culpa ou não em algo relacionado ao padre Karadima, é um tema que cabe aos tribunais competentes se pronunciar, após dar lugar à defesa. Não tenho notícia sobre qualquer tribunal que tenha se pronunciado ou que esteja estudando a causa. Eu não estou me referindo, de forma alguma, a respeito desse ponto.
Dom Ysern, pela experiência das vítimas nós sabemos perfeitamente que os culpados pelos abusos costumam seguir caminhos muito distintos aos dos tribunais, razão pela qual o desconhecimento do pronunciamento de algum tribunal, não significa, necessariamente, um descrédito para os acusadores. O uso dos meios de comunicação é o normal?
É um fato que não se pode negar. Por isso mesmo, dada a enorme força dos meios de comunicação social, vocês possuem uma grande responsabilidade de não manipular a opinião pública, tendo muito cuidado em não distorcer a visão da realidade e, por outro lado, todos nós devemos ajudar a manter o necessário sentido crítico, para o correto discernimento. Caso contrário, não poderemos alcançar a verdadeira convivência, pois na falsidade não é possível construir a paz.
O senhor pensa em participar da posse de dom Barros como bispo de Osorno?
Certamente, não. Já disse que, de acordo com meu ponto de vista, parecer não ser possível para ele o exercício do ministério de bispo na situação existente em Osorno. Portanto, se considero que esta não é a vontade de Deus, também não posso estar presente nesse momento. Repito mais uma vez, trata-se da minha opção, nada mais.
Mas, se os demais bispos concordassem com o seu pensamento, inclusive os que foram bispos de Osorno e os representantes da Conferência Episcopal, não seria uma espécie de reprovação ao papa Francisco, por nomeá-lo bispo de Osorno?
Repito mais uma vez, é o meu pensamento, sem falar em nome de ninguém. Pode ser que existam outras formas de pensar e eu as respeito totalmente. Não sei o que os demais farão, mas ainda que pensem como eu e não participem [da posse], de forma alguma isso significa um desacato ou insolência em relação ao Papa. Muito pelo contrário.
Explique-se, por favor, como o senhor entenderia isso?
Eu compreenderia como o cumprimento do que disse e ensina o Papa, com seu exemplo e suas palavras. O Papa se expressa, todos os dias, com sinais muito precisos, com toda naturalidade e simplicidade. Sinais que todos entendem sem a necessidade de explicações. Por outro lado, penso que é necessário manter a atitude que o Papa pediu aos bispos que participaram do Sínodo, em outubro do ano passado, em Roma, no sentido de se expressar sem pretender dizer o que o agradaria, mas, sim, que cada um se expressasse livremente de acordo com a sua consciência e, após o Sínodo, o Papa agradeceu por ter sido assim e que era isso o que lhe dava alegria. Portanto, não penso em ir à posse de dom Barros e não sinto isto como uma reprovação ao Papa, a quem admiro muito e a cada dia estimo mais. Sempre rezo por ele. Gostaria de acrescentar que não tenho nenhum tipo de antipatia pessoal a dom Barros e também rezo por ele. Podemos ser amigos, ainda que pensemos diferente.
Entretanto, apesar das explicações que você nos oferece, o que não se pode negar é que houve um desencontro muito grande entre a nomeação feita pelo Papa e o parecer da comunidade de Osorno.
Este é outro assunto muito importante que coloca o sistema de nomeação dos bispos em um questionamento muito profundo. Acredito que todos nós podemos contribuir no sentido de buscar um sistema de nomeação que contenha, em algum momento do processo, certa forma de consulta à comunidade. Sabemos que o Papa quer fazer profundas reformas na caminhada da Igreja e que quer conhecer o pensamento do Povo de Deus. Penso que os acontecimentos de Osorno podem trazer uma contribuição muito valiosa.
Trata-se de uma contribuição que pode ser muito valorizada no interior da Igreja, mas no mundo as avaliações costumam ser diferentes. O que está em jogo é o exercício da autoridade, coisa que durante toda a história foi complicada, tanto dentro como fora da Igreja.
Sem dúvida, é uma realidade muito significativa. É necessário que aquele que exerce a autoridade dentro de um organismo ou entidade que faz parte da sociedade não seja reconhecido com essa autoridade apenas pelo organismo ou entidade a que pertence, mas também pelos demais membros da sociedade, caso contrário não poderá se relacionar com a sociedade para o trabalho que lhe corresponde em seus organismos dentro da sociedade. Isto está dentro do que expressei anteriormente como impossibilidade para o exercício do ministério, segundo meu parecer. Não preciso repetir.
Dom Ysern, sempre agradeço pela oportunidade de conversar com o senhor. Voltaremos a nos encontrar.
Como conversamos muitas vezes, o que importa é que não manipule pelo rádio e que ajude a manter um sadio espírito crítico para que cada um possa trazer a sua livre contribuição sobre a verdade, para construir a convivência solidária e fraterna. Sempre em atitude de diálogo, evitando qualquer tipo de violência e procurando fazer com que se ouça a voz dos pobres. Estando em Valdivia, é claro que com esta atitude é preciso apoiar os povos originários para que a sua voz sobre a verdade histórica seja ouvida, buscando sem cansaço a justiça, repito, em atitude de diálogo, evitando qualquer tipo de violência com a qual muitos comunicadores realizam seu trabalho no sul do Chile. Uma saudação também para todos eles. Neste sentido, são muitos os esforços que realizei contigo, a partir da Rádio Estrella del Mar, e sabemos que esse trabalho é proveitoso. Ânimo, Miguel. Até outra oportunidade.
Abaixo, a reprodução da carta do padre Peter Kliegel, da Diocese de Osorno, ao papa Francisco.
Carta ao Papa Francisco
Fonte: http://goo.gl/1MAh4M |
“O peso moral que o nomeado bispo carrega sobre os seus ombros não lhe permitirá pastorear como autoridade máxima de uma diocese e dom Barros sabe disto e com ele uma comunidade diocesana inteira. Não se vê credibilidade. Sua figura contrasta abertamente com a figura de nosso primeiro bispo, a caminho da santidade, o venerável servo de Deus Francisco Valdés Subercaseaux”, escreve o padre Peter Kliegel (foto).
Santo Padre, Irmão em Cristo,
tomo permissão para lhe escrever esta carta aberta, sendo pastor na Diocese de Osorno/Chile já há 49 anos, e agora muito preocupado pelo que acontece, neste momento, na espera da chegada do novo bispo Juan de la Cruz Barros Madrid, nomeado por Sua Santidade.
Acredito com esta carta representar muitos sacerdotes, diáconos e inúmeros leigos que com ardor e fervor se entregam na missão.
O senhor tem conhecimento das dificuldades que surgiram por causa desta nomeação e através de nosso bispo administrador, Fernando Chomalí, apresentou o seu desejo de aceitar o designado bispo Barros e que não caiamos na tentação de dividir a Igreja.
Santo Padre, o que menos desejamos é dividir a Igreja e saiba que a obediência a sua pessoa como sucessor de Pedro é nosso sagrado compromisso.
No entanto, a preocupação pastoral e a obrigação de velar pelo bem público me faz escrever esta carta. Em sua exortação apostólica “Evangelii Gaudium” escreve algo maravilhoso: “Os leigos são simplesmente a imensa maioria do Povo de Deus. Ao seu serviço está uma minoria: os ministros ordenados” (EG 102). São justamente nossos leigos que não se sentem respeitados em sua dignidade de pessoas e cristãos, apenas pelo fato da nomeação de um bispo para a cura e o serviço de suas almas.
O Senhor Núncio Apostólico dom Ivo Scapolo explicou, no dia 5 de setembro de 2012, em uma conferência na Pontifícia Universidade Católica do Chile, que “no povo de Deus existe uma efetiva comunhão eclesial somente se há informação, comunicação e diálogo que permitam compartilhar as diferentes experiências e situações...” Ele explica extensamente que o direito de manifestação do pensamento na Igreja é um direito fundamental. Exatamente isto não foi respeitado.
Neste direito é que se baseia o nosso comum questionamento a respeito da nomeação do bispo Barros como bispo para Osorno, em razão de sua trajetória no círculo do sacerdote Karadima. O senhor nos deu a conhecer que tem a absoluta certeza de que não existe razão alguma que impeça o fato de dom Barros ser bispo de Osorno.
Santo Padre, a realidade vivida é outra. O peso moral que o nomeado bispo carrega sobre os seus ombros não lhe permitirá pastorear como autoridade máxima de uma diocese e dom Barros sabe disto e com ele uma comunidade diocesana inteira. Não se vê credibilidade. Sua figura contrasta abertamente com a figura de nosso primeiro bispo, a caminho da santidade, o venerável servo de Deus Francisco Valdés Subercaseaux.
No dia 4 de março, nós, sacerdotes e diáconos, conversamos pessoalmente com o bispo Barros em um ambiente aberto e sincero, após rezar e escutar a palavra de Deus. O diálogo foi difícil e a aproximação dolorosa. Ele nos prometeu fazer uma declaração pública a respeito da situação mencionada. Já passou uma semana e nada aconteceu. Não pode fazer por causa de sua consciência?
A nomeação de um novo bispo sempre gera uma enorme alegria no povo de Deus, em toda uma nação cristã como Chile. (Na diocese já vivemos isto quatro vezes). Agora, acontece o oposto.
Chama atenção que o colégio dos Bispos, a Conferência Episcopal, não se pronuncie em solidariedade a um irmão bispo, diante do que está ocorrendo. O que isto nos diz?
Nenhuma das dioceses onde dom Barros serviu como bispo auxiliar nos parabenizou, como sempre aconteceu antes. Por que bispos, sacerdotes e fiéis ficam calados?
Com dor aguardamos um bispo que está colocando sobre os nossos ombros o que ele precisa carregar. Muitos fiéis nos disseram isto e assim se sentem.
Santo Padre, a Igreja Católica do Chile, fortemente golpeada por muitos escândalos em todos estes anos, está perdendo o seu rosto. A dignidade de nossos fiéis está ferida e por puro amor a sua igreja manifestam – agora com gritos – o que o Direito Canônico lhes confere: “Os fiéis têm o direito e, às vezes, inclusive, o dever, em razão de seu próprio conhecimento, competência e prestígio, de manifestar aos Pastores sagrados sua opinião sobre aquilo que pertence ao bem da Igreja e de manifestar aos demais fiéis, ressalvando sempre a integridade da fé e dos costumes, a reverência aos pastores, e levando em conta a utilidade comum e a dignidade das pessoas.” (Can. 214,3)
Santidade, será o Kairós se nos escutar. Sua autoridade e seu carisma pessoal nos cativam e com muita humildade lhe solicitamos que se reverta a situação de nossa diocese.
Com amor e dor na alma escrevi estas linhas.
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Igreja chilena. “Não é possível o exercício do ministério de bispo na situação existente em Osorno”, afirma dom Ysern - Instituto Humanitas Unisinos - IHU