Por: Jonas | 03 Março 2015
Nó último caderno de Cristianisme i Justícia, quatro teólogos, a partir de diferentes argumentos bíblicos, teológicos e eclesiológicos, confluem para a necessidade de uma aplicação do princípio de misericórdia no caso dos divorciados em segunda união que, sem menosprezar o valor da indissolubilidade matrimonial, favoreça à acolhida e comunhão uma maior centralidade.
A reportagem é publicada por Religión Digital, 28-02-2015. A tradução é do Cepat.
Por ocasião do sínodo sobre a família, ocorrido em Roma, no final de 2014, cinco cardeais, entre eles G. Müller, atual prefeito da Congregação da Fé, publicaram um livro intitulado Permanecer na verdade de Cristo, no qual se manifestavam contrários à admissão de divorciados em segunda união aos sacramentos. Isto motivou que quatro teólogos vinculados ao Cristianisme i Justícia decidissem escrever suas reflexões, não pretendendo nenhum confronto, mas, sim, contribuir com argumentos para o debate, e sempre a partir de uma postura que procura colocar a misericórdia, a acolhida e a compreensão no centro.
O caderno intitulado Refazer a vida. Divórcio, acolhida e comunhão e que acaba de ser publicado com o n. 192, da coleção de Cadernos Cristianisme i Justícia (dezembro de 2014), foi escrito por Xavier Alegre, José I. González Faus, Jesús Martínez Gordo e Andrés Torres Queiruga.
Xavier Alegre aborda a fundamentação bíblica. Reconhece certamente que as palavras de Jesus sobre o matrimônio, reunidas nos evangelhos de Marcos (10, 1-12), Mateus (5, 31-32; 19, 1-12) e Lucas (16, 18), proclamam que no projeto de Deus o matrimônio era, em princípio, indissolúvel, e que Jesus condenou de maneira contundente o divórcio. Não obstante, por meio da argumentação bíblica, Xavier Alegre acredita ser insustentável manter uma atitude que marginalize os divorciados da comunidade cristã - tampouco se voltaram a se casar -, já que os textos evangélicos, lidos em seu contexto, não abrem margem para condenações e muito menos para a exclusão da Eucaristia.
José I. González Faus dedica seu capítulo aos aspectos teológicos e começa com um panorama histórico sobre como a igreja, ao longo dos séculos, foi entendendo o sacramento do matrimônio. A partir do balanço histórico, González Faus se alinha a teólogos como Kasper, que preferem dar protagonismo e centralidade ao princípio da misericórdia ao invés de optar pelo acatamento de uma lei abstrata que não leve em conta as situações particulares. Este princípio de misericórdia não contradiz as razões teológicas em favor da indissolubilidade do matrimônio, mas, sim, coloca o acento no Deus que perdoa e que está disposto a amar a humanidade, mesmo que esta lhe tenha sido infiel.
Jesús Martínez Gordo se centra na eclesiologia e defende a postura de Kasper frente aos cinco cardeais partidários da exclusão da Eucaristia aos divorciados em segunda união. Atribui a situação atual ao fato de ter sido considerado como magistério “infalível” e “irreformável”, no mesmo nível de uma proclamação da fé, a proclamação da “definitividade” da indissolubilidade do matrimônio por parte de João Paulo II no ano 2000, e que desta proclamação se deduz a exclusão do princípio de misericórdia para o caso dos divorciados em segunda união. Neste sentido, Martínez Gordo se questiona:
“(...) sendo o matrimônio um sacramento permanente, como é possível continuar sustentando que a graça de Deus permanece inclusive quando a “espécie” do sacramento se degradou, ou seja, quando os dois cônjuges já não estão unidos por um vínculo afetivo, levando em consideração que sua união acabou e até é possível que se odeiem? Sustentar que a graça de Deus permanece eficaz em situações como estas ou desse gênero é algo que se parece quase a uma blasfêmia”.
Sendo assim, Martínez Gordo convida para ir além e repensar o sacramento do matrimônio, não tanto como contrato indissolúvel, mas, sim, como comunhão conjugal na qual transparece o mistério da comunhão divina.
Finalmente, Andrés Torres Queiruga situa a questão como exemplo da atual luta entre um Papa pastor frente ao restauracionismo eclesial das últimas décadas. Toda a forma como o Papa geriu a convocação e a organização do Sínodo aponta para uma tentativa de atualizar a novidade salvadora do Evangelho, para que responda a suas necessidades prioritárias e esteja à altura de suas justas exigências culturais. Dentro deste novo enfoque, frente ao problema da comunhão aos divorciados, o rigorismo perde seu sentido, porque se torna claro o fundamental: “a Eucaristia... plenitude da vida sacramental, não é um prêmio para os perfeitos, mas, sim, um generoso remédio e um alimento para os fracos”.
Em resumo, os quatro teólogos, a partir de diferentes argumentos bíblicos, teológicos e eclesiológicos, confluem para a necessidade de uma aplicação do princípio de misericórdia no caso dos divorciados em segunda união que, sem menosprezar o valor da indissolubilidade matrimonial, favoreça à acolhida e comunhão uma maior centralidade.
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“Refazer a vida. Divórcio, acolhida e comunhão” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU