03 Fevereiro 2015
A quase um mês dos dias trágicos de Paris, com a mente fria e o coração ainda inchado de raiva e dor, volta-se a falar do que aconteceu. Vatican Insider recolheu o pensamento de um eminente intelectual católico, o diretor da histórica revista dos jesuítas, Études, na França (fundada em Paris em 1856), François Euvé. Após a chacina dos jornalistas, a revista tinha feito uma escolha por muitos criticada da igreja francesa e também de uma parte da Congregação: prestar homenagem a “Charlie Hebdo” publicando na edição on line algumas das vinhetas sobre o cristianismo.
A entrevista é de Luca Rolandi, publicada pelo Vatican Insider, 30-01-2015. A tradução é de Benno Dischinger.
"O atentado que matou doze pessoas na redação de Charlie Hebdo nos enche de horror – escreveu a redação na edição em rede de “Études” – Através de um jornal e as suas opções, é a liberdade de expressão que está ameaçada pelo terrorismo. As reações humanas que se manifestaram, à direita como à esquerda, entre crentes e não crentes, e convidam a não ceder ao medo e a defender uma sociedade plural... O humorismo na fé é um bom antídoto contra o fanatismo e aquele espírito de seriedade que tende a tomar tudo ao pé da letra". A nota concluía com “a nossa solidariedade aos nossos irmãos assassinados, às outras vítimas, às suas famílias e amigos”. Uma escolha que tem feito discutir. Mas, desde sempre a revista dos jesuítas franceses se esforça por ir além da emoção e da superfície das situações históricas, também trágicas, que angustiam a nossa época.
Eis a entrevista.
A situação francesa, as novas fronteiras da ética, o tema dos direitos individuais: que relação é possível construir entre as religiões monoteístas?
Os acontecimentos de início de janeiro em Paris são o sinal de um grande mal-estar dentro da sociedade francesa. Além da questão religiosa, em sua dimensão fundamentalista, é indubitável que uma parte da população se sente marginalizada. Uma faixa consistente tem um forte ressentimento e ódio contra todos, sente ser ignorada pelo poder político, midiático e econômico. Na religião interpretada de modo radical e violento, em particular no Islã, encontram raízes e motivações, certamente aberrantes, mas ideais, e se reencontram num lugar de compartilhamento e apoio mútuo. Além disso, a cultura dominante não propõe grandes ideais, hoje estão em discussão também a confiança no progresso tecnológico, a construção da Europa e acabaram as utopias comunistas e ideológicas do século vinte. A política e seus partidos não têm nada a propor na gestão da economia. Muita gente encontra na religião um projeto que pode dar sentido à vida. Mas, nem sempre tudo isso é orientado ao bem. Além disso, além da França, as chacinas continuam a consumar-se em muitos países do mundo (em particular no Oriente Médio e na África), sobretudo nos confrontos dos cristãos e, em geral, contra pessoas inocentes.
Qual é a posição da Igreja e da sociedade francesa diante destes temas?
O debate social e cultural deve tomar em conta as diversas tradições religiosas presentes no Ocidente. Um exemplo interessante na França é o Comitê consultivo nacional sobre a Ética, onde operam representantes das grandes famílias espirituais. A condição de partida para construir uma síntese e uma visão compartilhada em favor da humanidade é que as famílias religiosas aceitem o diálogo e o encontro, contra toda tentação fundamentalista. A Igreja católica na França é globalmente aberta a este diálogo. Existem correntes fundamentalistas, muito presentes em algumas redes sociais, mas certamente não representam o conjunto dos fiéis e a hierarquia, o episcopado, o clero e os leigos empenhados na vida ordinária das paróquias e das comunidades.
Integralismo e religião. Uma relação sempre mais complexa na sociedade multicultural e multi-religiosa. Serve uma nova forma de laicidade?
O perigo é um fechamento das comunidades em relação ao resto do mundo e às outras comunidades religiosas e laicas. Esta conduta provoca distância, rancor e ressentimento e pode conduzir ao fundamentalismo. A laicidade é uma dimensão que reconhece a pluralidade das inspirações e das opções religiosas e ideais. Uma religião particular não pode impor a sua ética ao conjunto da sociedade, mas deve concorrer para que a vida e o bem sejam compartilhados, salvaguardando identidades e diferenças. Mas, a laicidade deve permitir o encontro e o diálogo, e não se tornar um modelo ideológico. O diálogo comporta a fadiga de encontrar-se e refletir com pessoas que têm convicções diversas sobre valores como os direitos dos homens e das pessoas. Sobre isto é necessário trabalhar, devemos fazê-lo nós e as gerações futuras para não dar razão a quem pensa que o poder, a força e a violência sejam os meios para destruir o outro diverso de mim.
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"A laicidade? Permita o diálogo, mas não se torne um modelo ideológico" - Instituto Humanitas Unisinos - IHU