25 Fevereiro 2016
“Uma grande parcela da população tem uma escolaridade baixa, o que acaba refletindo em um menor conhecimento nas escolhas alimentares e faz com que as estas se pautem pelo apelo do marketing ou mesmo pelo preço”, ressalta a nutricionista.
Imagem: bemnutri.com.br |
Conforme ressalta, em entrevista por telefone à IHU On-Line, a nutricionista e professora Juliana Masami Morimoto, esse hábito acarreta um severo desequilíbrio na dieta alimentar, tanto em relação à quantidade máxima de calorias que devem ser consumidas em um dia, quanto em relação à qualidade dos nutrientes ingeridos.
“Na maioria das ocasiões, uma refeição simples de fast food - um lanche com refrigerante e uma batata frita, que é a composição básica - pode fornecer, em termos de calorias, o que deveríamos consumir ao longo da metade do dia, entretanto esse montante é consumido em apenas uma refeição”, aponta.
Outra classe de alimentos que têm sido consumidos com cada vez mais frequência são os industrializados, que também podem causar uma série de doenças, mas são a opção de muitas famílias, em função da praticidade ou do menor custo. Desse modo, fatores como a renda familiar e o acesso ao conhecimento sobre como determinados alimentos interagem com o corpo se cruzam na definição dos hábitos alimentares da população. Porém, de acordo com Juliana, a educação é a principal ferramenta para amparar a composição de uma dieta saudável.
Essa questão influencia, por exemplo, na interpretação dos rótulos dos produtos, que são fundamentais para auxiliar em uma escolha mais saudável. “Precisamos pensar em termos de prevenção. Portanto, o que precisa mesmo é uma divulgação maior de como as pessoas deveriam ler essas informações. Existem cartilhas e folders por parte da Anvisa explicando a rotulagem, mas isso não chega à população. Também são elaboradas formas de educar a população, mas essas iniciativas não atingem a maioria. Temos aí um longo caminho a percorrer”, explica.
Juliana Masami Morimoto é graduada em Nutrição, mestre em Saúde Pública e doutora em Ciências, pela Universidade de São Paulo – USP. Atualmente é docente e pesquisadora da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – O que revela a respeito dos hábitos alimentares dos brasileiros a marca de primeiro lugar no ranking de consumo de fast food na América Latina?
Foto: media.licdn.com
Juliana Masami Morimoto – Isso demonstra que o brasileiro está se alimentando mais fora de casa, até porque passa mais tempo fora. As pessoas não estudam e nem trabalham perto de suas residências e por isso precisam consumir alimentos de alguma forma, muitas vezes mais de uma refeição, fora do domicílio. O que acontece é que, com frequência, as pessoas procuram refeições mais rápidas por conta do tempo, da distância, do trânsito etc.
Na maioria das vezes essas refeições mais rápidas, que seriam os fast foods, têm um teor maior de gordura, gordura saturada, e, consequentemente, calorias e até uma quantidade muito grande de carboidratos, o que traz grandes inadequações alimentares.
Na maioria das ocasiões, uma refeição simples de fast food - um lanche com refrigerante e uma batata frita, que é a composição básica - pode fornecer, em termos de calorias, o que deveríamos consumir ao longo da metade do dia, entretanto esse montante é consumido em apenas uma refeição.
IHU On-Line - E sobre a questão social e educacional, o que essa posição evidencia?
Juliana Masami Morimoto – Existem os dois lados. Em minha pesquisa de mestrado, em 2005, avaliando a qualidade da dieta de uma amostra representativa da Região Metropolitana de São Paulo, conseguimos observar que quanto maior a escolaridade do chefe da família, melhor é a qualidade da dieta. Sabemos que temos uma grande parcela da população que ainda tem uma escolaridade baixa, o que acaba refletindo em um menor conhecimento nas escolhas alimentares e faz com que, em muitas circunstâncias, as escolhas se pautem pelo apelo do marketing ou mesmo pelo preço. Portanto, isso faz com que as pessoas, em algumas oportunidades, não saibam que estão fazendo as escolhas erradas.
IHU On-Line – Que tipos de doenças mais sérias podem acometer a população que consome com frequência esse tipo de alimento?
Juliana Masami Morimoto – A primeira delas é a obesidade, tanto que temos visto um aumento na população brasileira do número de pessoas com excesso de peso e obesas. Além disso, temos doenças que podem vir sozinhas ou estar associadas a esse excesso de peso, que seriam as dislipidemias, como colesterol alto, triglicerídeos alto, podendo desenvolver hipertensão - já que o fast food tem também um alto teor de sódio, se pensarmos em uma batata frita com bastante sal, ou mesmo um lanche, como o hambúrguer, que tem um alto teor de sódio no queijo e no bacon, por exemplo – e também o diabetes mellitus, se pensarmos em um alto consumo de carboidratos, principalmente nas bebidas, que acabam sendo aquelas açucaradas, como os refrigerantes ou néctares, que são sucos com alto teor de açúcar.
“Uma refeição simples de fast food pode fornecer, em termos de calorias, o que deveríamos consumir ao longo da metade do dia” |
IHU On-Line - Em que implica, em termos de saúde pública, esse consumo exagerado de fast food?
Juliana Masami Morimoto – Isso faz com que tenhamos pessoas com as doenças anteriormente mencionadas, que seriam as doenças crônicas não transmissíveis, cada vez mais cedo. Então, com frequência, estamos vendo crianças e adolescentes já com alterações em exames, mostrando uma hipercolesterolemia, uma hipertrigliceridemia. Isso significa uma demanda maior para o sistema de saúde, principalmente para o Sistema Único de Saúde – SUS.
Sabemos que grande parcela da população depende do SUS, e sabemos que o nosso sistema de saúde é precário em termos de atendimento, ou seja, as pessoas demoram muito para conseguir marcar consultas e isso traz uma deficiência no atendimento adequado de saúde dessas pessoas e no tratamento dessas doenças. Assim, acaba realmente inflando nosso sistema de saúde.
IHU On-Line - Pesquisas também apontam o consumo exagerado de alimentos industrializados. Por que cada vez mais se consome esses alimentos e quais são as consequências para a saúde?
Juliana Masami Morimoto – O aumento do consumo de alimentos industrializados se comprova ao observarmos os dados de pesquisas realizadas ao longo de vários anos, como a Pesquisa de Orçamentos Familiares - POF, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. Entendo que uma das principais razões desse acréscimo é a praticidade e o custo. Se pensarmos no consumo de refrigerantes há uns 20 ou 30 anos, por exemplo, era algo que nas famílias acontecia esporadicamente, aos finais de semana, até por conta da menor disponibilidade – havia menos marcas – e o custo era alto, diferente de hoje, quando temos muitas marcas e algumas muito baratas.
Então, famílias de baixa renda, como eu disse, em geral têm menos acesso ao conhecimento necessário para saber se é melhor consumir um suco de frutas industrializado ou comprar uma fruta e fazer um suco em casa; ou então comprar um leite para família, ao invés de comprar um refrigerante, que tem embalagens com dois litros a um preço bem baixo. Portanto, tem a questão do custo desses produtos que acabou sendo bastante reduzido.
Também há alguns trabalhos que constataram que a questão do consumo desse tipo de alimento poderia estar relacionada à busca de aquisição de status. Como há alguns anos as famílias não conseguiam comprar industrializados como refrigerantes, iogurtes, bebidas lácteas, congelados etc. e hoje em dia o custo se reduziu bastante, há o desejo de consumir esses produtos. Então, tem uma relação com a melhora do poder aquisitivo.
O problema no aumento do consumo dos produtos industrializados varia conforme o tipo de alimento, pois existem produtos que têm a concentração de alguns nutrientes que seriam prejudiciais à saúde, por exemplo: se aumentamos o consumo de refrigerantes e bebidas do tipo néctar, que têm alto teor de açúcar, estamos falando de um risco para um diabetes; se pensarmos em produtos prontos, como massas congeladas, e produtos semiprontos, o teor de sódio é bastante alto e estamos falando de um risco para uma hipertensão arterial.
Outra categoria de produtos que também teve bastante aumento no consumo são os biscoitos e bolachas recheadas e aí estamos falando de um alto de teor de gordura e açúcar. Tem uma questão da praticidade, mas tem também a questão do aumento do poder aquisitivo e da redução dos preços desses produtos, que acabam influenciando as famílias a inserir esses alimentos no dia a dia do carrinho de compras.
IHU On-Line - O aumento do poder aquisitivo não significou o aumento da opção por uma dieta mais equilibrada?
Juliana Masami Morimoto – Na verdade, se observarmos teoricamente, quando os produtos industrializados começaram a aumentar no mercado, o custo deles ainda era alto e quem começou a consumir primeiro foram as famílias de alta renda, com melhor poder socioeconômico. Com o passar do tempo, essas famílias viram que as doenças começaram a chegar e, com a aquisição de conhecimentos, por conta do grau de escolaridade, entenderam que não eram os alimentos mais adequados.
Assim, pessoas com melhor nível socioeconômico, que são as pessoas com maior escolaridade, escolherão os melhores alimentos. Elas comerão produtos industrializados? Sim, mas como têm mais consciência sobre tudo, inclusive sobre alimentação, o consumo de frutas, verduras e legumes, que são itens caros de alimentação, continua mantido.
Há também uma tentativa, no caso das bebidas, de comprar frutas para fazer sucos, ou polpas ou sucos concentrados, que possuem maior concentração de frutas e não de açúcares. Mas temos de observar que a população brasileira, a grande maioria, se pensarmos da classe média para baixo, tem um percentual muito maior de pessoas com um menor nível socioeconômico e por isso este consumo dos industrializados é maior.
IHU On-Line - De que maneira a senhora avalia o sistema de legislação e fiscalização que regulamenta a produção dos alimentos industrializados e dos fast foods?
Juliana Masami Morimoto – Temos o Ministério da Saúde e dentro dele a Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa, que faz toda a legislação relacionada a alimentos. Nós não temos nenhuma legislação que proíba produtos com determinado teor de nutrientes; isso não existe e, até em termos de nutrição, não é o adequado. O adequado seria que a população tivesse conhecimento para entender e saber escolher melhor os alimentos.
Em termos de regulamentação, os produtos em geral estão normatizados; desde que tenham as informações na rotulagem, como dados corretos sobre a validade, e a composição do produto esteja atendendo as legislações que regulamentam os padrões de identidade e de qualidade, a legislação não é ferida.
A respeito da parte educativa de fazer com que a população saiba o que consumir, nós temos algumas ações no país. Por exemplo, o Ministério da Saúde lançou, no ano passado, a revisão do guia alimentar brasileiro, que seria para mostrar como as pessoas devem compor seus pratos, como deve ser o consumo; tem uma parte bem interessante sobre a clacificação dos produtos industrializados, mas talvez ainda precise de um esforço maior para que este tipo de informação atinja toda a população. Muitas vezes vemos que isto fica no nível acadêmico, entre os alunos e os professores que têm acesso aos materiais, e em alguns momentos educativos em locais isolados, mas uma campanha grande nós ainda não vemos, talvez até por falta de recursos.
“A escolha do alimento é uma questão educacional para a população” |
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IHU On-Line - De que maneira a senhora avalia a rotulagem nutricional dos fast foods e produtos industrializados, tanto em termos de quantidade e qualidade das informações, quanto em relação ao tipo de linguagem utilizada?
Juliana Masami Morimoto – O que tem de informação hoje em dia na rotulagem nutricional atende a legislação específica. Há informações suficientes, e mesmo em algumas lojas de fast food é possível consultar a tabela nutricional.
Há informações e de alguma forma consta o nome dos nutrientes, mas não é possível simplificar muito. Fala-se em caloria, energia, carboidrato, mas são termos que de alguma forma vêm sendo divulgados na mídia e as pessoas acabam procurando o significado.
A solução não seria alterar a informação nutricional, pois ela está ali em percentual, quantidade, mas sim buscar promover formas de educar o consumidor a conseguir ler isso de maneira adequada.
A pessoa até se familiariza com os termos, mas às vezes não sabe que se há sódio no alimento e ela é hipertensa, realmente precisa observar esse elemento e o percentual que equivale à sua quantidade máxima de consumo em um dia; é preciso ter atenção para isso. Portanto, ainda é uma questão educacional para a população.
IHU On-Line - Que papel de fato a rotulagem desses alimentos cumpre na relação com o consumidor? Que uso o consumidor faz dessa informação oferecida?
Juliana Masami Morimoto – O papel da rotulagem é educativo, é para fazer com que as pessoas saibam como escolher os produtos. Quando a rotulagem nutricional começou a se tornar obrigatória, aproximadamente entre os anos 1995 e 1996, pois antes disso não era uma regra, o objetivo era informar o consumidor sobre a composição dos produtos, para ele conseguir escolher melhor. O que ainda falta para o consumidor entender é o que significa aquela quantidade ou percentual de determinado elemento. Falta um pouco mais de conhecimento.
As pessoas que já têm uma doença específica talvez já tenham mais orientação para evitar os produtos que possuem uma quantidade grande de determinado nutriente, por exemplo: quem é hipertenso recebeu a orientação de um profissional de saúde de que ele deve olhar na embalagem do produto a quantidade de sódio e, quanto maior for a quantidade, mais ele deve tentar evitar aquele produto. Então, quando se tem a doença já se está educado, mas aí é tarde demais, a pessoa já está doente; precisamos pensar em termos de prevenção.
Portanto, o que precisa mesmo é uma divulgação maior de como as pessoas deveriam ler essas informações. Existem cartilhas e folders por parte da Anvisa explicando a rotulagem, mas isso não chega à população. Também são elaboradas formas de educar a população, mas essas iniciativas não atingem a maioria. Temos aí um longo caminho a percorrer.
Por Leslie Chaves
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Acesso à educação e renda são determinantes na definição do hábito alimentar. Entrevista especial com Juliana Masami Morimoto - Instituto Humanitas Unisinos - IHU