02 Abril 2014
“Quando queremos reclamar, não temos mais para quem nos queixar, porque todas as pessoas, seja na Funai ou nas igrejas, são as mesmas e sempre arquivam as nossas queixas”, reclama o líder indígena.
“Para tratar a questão indígena, a Funai deveria ser dirigida pelos índios. Colégios e outras grandes organizações que afetam os índios devem ser dirigidos por nós ou por técnicos escolhidos por nós”, defende Álvaro Tukano, líder indígena do Alto Rio Negro, no estado do Amazonas, em entrevista concedida pessoalmente à IHU On-Line, na semana passada, quando esteve na Unisinos participando do I Congresso de Direito, Biotecnologias e Sociedades Tradicionais, promovido pelo PPG em Direito.
Álvaro Tukano é uma das lideranças que tem articulado o debate com o poder público, reivindicando que os direitos indígenas determinados na Constituição Brasileira sejam respeitados.
Em conversa com a IHU On-Line, ele fez críticas ao governo federal e às organizações que tratam da temática indígena. “Nós somos povos tradicionais, sabemos como tem de ser a saúde, a educação, a defesa dos territórios. Temos que discutir esses assuntos com pessoas que entendam da questão indígena, e não com Gilberto Carvalho e essa turma que só quer falar de ideologia, que só quer salvar Cuba e ajudar a construir portos naquele país, enquanto para nós não constroem nenhuma estrada.”
Para Álvaro Tukano, o governo do PT tem sido uma grande decepção para os indígenas de todo o país. “Eu fui filiado ao PT durante 30 anos, mas este ano não vou votar no partido e já disse na minha aldeia para não votarem, porque fomos traídos. Não temos mais o gosto de dizer que iríamos mudar o Brasil. Mudamos para pior. Foi nesse governo que perdemos mais de mil lideranças indígenas à bala. E isso não é bom. É nesse governo que está ocorrendo a situação dos Guarani-Kaiowá. O mundo inteiro sabe disso, menos a Dilma. A composição do governo corrompeu e está cheia de quadrilhas”, lamenta.
Álvaro Tukano participa do projeto Corredores Digitais do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT/MCT), desenvolvido em áreas indígenas do Alto Rio Negro, no Amazonas.
Foto: PPG em Direito - Unisinos |
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Quantas etnias indígenas vivem na Amazônia atualmente e em que condições? Pode nos traçar um panorama da situação indígena na Amazônia?
Álvaro Tukano - A Amazônia concentra a maior população indígena do país: 60% da população está lá, onde existem os maiores territórios, água e muita biodiversidade. Isso graças à distância com a fronteira agrícola e porque tivemos o apoio dos Caingangues e de todos os outros povos que existem no Brasil, que “jogaram muito duro” com a colonização para defender a sua identidade. Então, nós agradecemos por isso.
No Sul existem Caingangues que tiveram confrontos gravíssimos nestes 500 anos, que são iguaizinhos aos confrontos enfrentados pelos meus parentes que estão lá na Baía da Traição, os Potiguara, ou aqueles que estão no Amapá, ou eu, que estou na fronteira com a Colômbia e a Venezuela. Todos nós sofremos com a pressão de colonização que quer integrar o índio ao capitalismo. Onde entrou o capitalismo forte, os índios ficaram sem territórios.
Sabemos que na Região Sul existem mais de 240 acampamentos às margens das estradas, sendo a maioria de crianças que não têm escolas, não têm rios, não têm nada. A Funai, que é o órgão governamental para cuidar desses assuntos, por ser tão desmantelada pelo próprio governo, não fez quase nada em relação à demarcação das terras indígenas. Esse Estado é contraditório, é antidemocrático, não sabe o que é Justiça. Só pensa no PIB, em se desenvolver, e mente para a opinião pública.
IHU On-Line – Na Amazônia existem conflitos entre indígenas e não índios como existem no Mato Grosso do Sul?
Álvaro Tukano - No Maranhão, os Guajajara são cassados pelos garimpeiros e pistoleiros; no sul do Pará, tem avançado o desmatamento da Amazônia; no Estado de Rondônia, os Suruí têm uma organização forte e já sabem se defender, mas há uma forte presença de invasores e de garimpeiros com interesses em empreendimentos de mineração. Mas onde tem diamante o índio não tem “passo”, onde tem madeira o índio não tem “passo”. Então, parece que a doença do homem que veio da Europa é tirar tudo da Amazônia e, não estando satisfeito, arrancar tudo e depois colocar soja no lugar.
Em Roraima existem índios bastante organizados, que formam o Conselho Indígena de Roraima – CIR, que teve grandes avanços como movimento indígena. É uns dos melhores da Região Norte. Eles tiveram um confronto com o Quartiero [o deputado federal Paulo Cesar Quartiero (DEM/RR)], um gaúcho que foi lá implantar a monocultura de arroz, e acabou sendo expulso pelos índios. Mas agora estão cometendo os mesmos erros na Ilha do Marajó, levando a monocultura, corrompendo os políticos, colocando pistoleiros. São essas as pessoas que levam a miséria para o país. Já no Estado do Acre, o pessoal está mais organizado. São lideranças espirituais, curandeiros que têm uma experiência própria de fazer contato com os brasileiros e outras pessoas para mostrar seus valores culturais. Então, eles fazem o turismo de cura. Muitas pessoas que estão cansadas de sofrer ou de comprar remédios nas farmácias procuram esses pajés do Acre e saem de lá curados.
A Funai fica sem saber o que fazer com essa situação, e quer discutir como deve ser feito o turismo na área indígena. Só que a Funai não tem essa capacidade. Ela serve para defender as questões indígenas de modo geral. Também fica difícil para a Funai defender o índio que já é advogado, o índio que tem faculdade, que é comerciante, que é consultor de banco. Não dá para comparar esses índios com os índios isolados que vivem na Amazônia. Existem mais de 70 povos indígenas que ainda não têm contato com os brancos nem com os demais índios.
Nós não podemos ser tratados pela Funai da forma que o PT quer. Nós não somos galinha ou macaco de PT, nós somos povos diferentes, temos territórios próprios, somos brasileiros e vamos desenvolver a nossa cultura ao nosso modo e de acordo com as nossas tradições. Daí a necessidade de termos aliados no Rio Negro, no Estado da Amazônia. Somos 67 povos indígenas. A maior concentração de índios da Amazônia está no Estado do Amazonas: devem ser mais de 170 mil índios hoje. No total, no Brasil, somos mais de 314 povos, 750 mil índios que ainda conseguimos confrontar com o Congresso desqualificado para tratar da questão indígena.
Nós temos um Congresso de elite corrompido pelo agronegócio. O pessoal só sabe engordar o boi europeu ou dos Estados Unidos, e nós somos contra isso. Apesar de ocuparmos 13% do território nacional, não somos proprietários da terra do Brasil, muito pelo contrário, tomamos conta do patrimônio brasileiro.
IHU On-Line - Os diferentes povos indígenas se reúnem para fortalecer as discussões em torno da questão indígena?
“Nós não podemos ser tratados pela Funai da forma que o PT quer”
Álvaro Tukano - Cada regional tem uma organização. Por exemplo, a Arpinsul-APIB - Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, com sede na cidade de Curitiba, congrega os Caingangues, que é a terceira maior população indígena do país. A organização tem um Conselho de Caciques que define qual deve ser a pauta para tratar com o governo. Mas como os membros do governo não entendem, acaba havendo conflitos.
Os índios do Nordeste também têm uma Organização Regional. No Centro-Oeste há outra organização comandada pelos Terenas, no Norte existe a Coordenação das Organizações Indígenas da Bacia Amazônica, e tem a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, que discute as leis. Esses não são índios como a Funai gostaria que fossem. São índios advogados, poetas, índios que entendem como funciona a “lei do branco”. Nós temos boas lideranças para defender os interesses reais dos povos indígenas. Essa verdade dói ao governo.
IHU On-Line – Os indígenas que vivem na fronteira com a Venezuela e a Bolívia se relacionam com as comunidades indígenas dos países vizinhos?
Álvaro Tukano – Como nos reunimos com outros povos indígenas brasileiros, também nos reunimos com os nossos parentes Tukano que estão na Venezuela, no Equador, na Bolívia e no Brasil. Eles são meus irmãos e nós falamos a mesma língua. Essa confusão da invenção do Brasil, da Bolívia, da Venezuela não nos interessa. O que nos interessa é respeitar o que os nossos países ensinaram e qual é a nossa missão aqui na Terra.
Temos outros parentes vizinhos que moram nos Andes e temos contato com eles, além de ter contato com os Mapuche, no Chile, com os Guaranis, no Paraguai, com outros parentes na Venezuela, no México e também na Argentina, mas com esses últimos a relação é mais difícil porque são de um país que sempre tratou a questão indígena como inexistente. Nós realizamos reuniões para fortalecer a comunicação entre latino-americanos. Toda vez que organizamos essas reuniões, os nacionalistas dizem que queremos internacionalizar a Amazônia, ou que os índios estão vendendo o Brasil, e assim ficam inventando uma série de mentiras. O que estamos defendendo são nossos valores, as plantas, a água, os recursos que nos dão alimentos. Aquele território é sagrado para nosso povo, não é um lugar para colocar soja e deixar o solo miserável como querem hoje.
Então, existe essa força política de mais de 300 milhões de índios que se integram para ter força política junto às Nações Unidas para tratar da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de que fazemos parte.
Bem ou mal o Brasil tem uma lei bonita, mas se não pressionarmos, ela não é praticada. Os colombianos estão muito bem, eles têm senadores e governadores indígenas, os venezuelanos estão muito bem, a Bolívia tem um presidente que é filho da terra. Não podemos fazer isso aqui, no Brasil, mas em muitos países existem índios que são prefeitos, vereadores, diretores de escolas, educadores, padres.
O que nos interessa é tratar como está a questão cultural, como vamos fazer cerimônias para curar nossos doentes, como vamos nos reunir como povos antigos e deixar de lado essa vaidade partidária e ideológica que não serve.
IHU On-Line - Há conflitos entre indígenas por disputa territorial ou outras questões?
“Nós nunca tivemos tantos conflitos como nesse governo do PT”
Álvaro Tukano - Não, isso é muito difícil. Nós estamos sendo perseguidos pelas milícias, pelos fazendeiros, pela polícia federal. Nós nunca tivemos tantos conflitos como nesse governo do PT.
IHU On-Line - Quais eram as dificuldades das comunidades indígenas durante o período da Ditadura Militar, quando foi construída a Transamazônica e quais são as dificuldades enfrentadas hoje?
Álvaro Tukano - Foi difícil, porque à época tinha uma política de integração, quer dizer, o homem indígena tinha que receber nome de santo católico e conhecer a Bíblia. Fomos proibidos de falar nossas línguas, de colocar os nossos nomes verdadeiros nos cartórios, e depois fomos taxados de comunistas, rebeldes e antiprogressistas. Quem não quer progresso são os padres que não respeitam as leis; quem não quer progresso são os políticos que não sabem nem o que é biodiversidade, ficam falando besteira no Congresso Nacional e não têm nenhum compromisso social quando se trata da questão indígena.
Durante a ditadura, o índio tinha que continuar com cara de índio, mas não tinha que falar coisa de índio, mas, depois dessa Constituição, nós temos o direito de processar o governo brasileiro; ele é nosso réu em todos os sentidos nas instâncias internacionais. A Constituição foi uma grande conquista. Mas hoje o Congresso Nacional está tirando o poder da Funai para poder demarcar nossas terras.
Hoje é mais fácil de brigarmos, mas é difícil termos a nossa representação no Congresso Nacional. Aproveitando-se da nossa ausência indígena, os senadores e deputados discutem temas relacionados às áreas de mineração, de agronegócio. É preciso que haja o equilíbrio no diálogo do Congresso Nacional e da sociedade civil organizada.
Os jovens índios e não índios que não passaram pela ditadura militar pensam que ter uma bolsa escola é uma maravilha. Eu penso o contrário: é bom, sim, mas o importante é aproveitar essa oportunidade para poder aprender a defender o futuro deles. Eu sou de um povo de conhecimentos tradicionais, oral. Nós não tínhamos a escrita, e a colonização nos trouxe ela, e nós a utilizamos para entender, para escrever o que nos interessa poder divulgar.
IHU On-Line - Os jovens indígenas estão engajados nas questões do seu povo e têm uma preocupação com a formação universitária?
Álvaro Tukano - Alguns estão. Outros só querem pintar as unhas, furar a orelha e fazer tatuagem. É interessante, mas sou totalmente contra isso. Eu acredito que o estudante tem que estar comprometido com a causa social, senão está aprendendo o quê? Estarão a serviço da Igreja e do Estado? Isso não tem sentido para nós.
IHU On-Line – Existem muitos pesquisadores estrangeiros na Amazônia investigando os recursos naturais brasileiros?
Álvaro Tukano – Nós, índios, nunca levamos cientistas para as nossas reuniões. O que acontece é que esses pesquisadores ou intrusos são levados por algumas ONGs que vivem fazendo convênio com as universidades. De alguma maneira, nós ajudamos muitos doutores sendo apenas informantes, mas esses recursos nunca voltaram para nós.
Houve e há muitos estrangeiros na Amazônia, e o culpado por isso é a globalização. Muitos falam que o índio quer ser globalizado, mas nós não queremos. Existem, sim, muitos pesquisadores tirando sangue de índio, cortando cabelo de índio, enganando índios e também não índios, como os seringueiros e os quilombolas. Essas pessoas gostam de usar o índio e eu os chamo de "gigolô de índio".
IHU On-Line - Quais tecnologias estão presentes nas aldeias da Amazônia?
“Toda vez que temos aparelhos não indígenas, viramos objeto de observadores”
Álvaro Tukano – A tecnologia está mais presente nas escolas, onde aprendemos a usar o computador, a internet, o e-mail e o celular. Para muitos índios essas tecnologias são muito importantes como instrumentos de comunicação, mas os não índios acham que estamos deixando de ser índios quando usamos essas ferramentas, quando usamos relógio, roupa ou quando estamos nas universidades. Eles acham que lugar de índio é no meio do mato. Tenho dito que lá é bom quando não tem malária, quando não tem doença, mas o importante é estarmos onde está a decisão. E os brasileiros tomam a decisão política em Brasília. Nós temos uma visão grande, sabemos quem são os governantes, os senadores, os deputados e, inclusive entre os índios, quem é bom ou não. Por isso, as tecnologias são importantes para escolhermos as pessoas com quem dialogar. Hoje é possível mudar a sociedade brasileira usando as tecnologias de comunicação, para diminuir os confrontos desnecessários. O uso da tecnologia tem esse valor de encurtar as distâncias.
IHU On-Line – Como as tecnologias podem ajudar a manter os saberes tradicionais?
Álvaro Tukano – Os não índios são muito mais vulneráveis para sobreviver do que os índios. Uma criança que está na favela é bem diferente de uma criança filha de rico, que vive em Copacabana, por exemplo. O índio vive no mato, correndo. Nas nossas comunidades não existem creches para as crianças. Os nossos adultos são cantores, benzedores, que cuidam dos nossos filhos e dos netos. Na sociedade, os brancos abandonam os velhos e as crianças. Nós não temos essa confusão.
A tecnologia serve para ajudar a proteger nossos territórios, porque temos muitos bancos de conhecimento próprio, de propriedade intelectual, e isso pode ser compartilhado com as pessoas que têm o mesmo pensamento. Os bens que temos no Brasil não são para não serem tocados: água tem de ser explorada, mineração tem de ser explorada, mas de uma maneira organizada, e não da forma como está sendo feito, beneficiando sempre as mesmas construtoras. A Petrobras continua com a mesma máfia de sempre, o poder que está aí não serve para a minoria, o SUS não funciona para os indígenas. É muito melhor eu usar a tecnologia e, através da internet, falar com um índio de outra localidade, e saber o que ele utiliza para curar uma doença.
IHU On-Line - O senhor disse recentemente que na Amazônia existem 16 telecentros que beneficiam 52 mil índios. Em que consistem esses telecentros e como favorecem as comunidades?
Álvaro Tukano – O uso da tecnologia iniciou com Mário Juruna, que usou um gravador para gravar a fala dos coronéis. Quando ele chegava à comunidade, chamava os parentes e mostrava, por exemplo, as promessas do presidente da Funai e víamos que as promessas não eram cumpridas. Aí ele voltava a cobrar o presidente da Funai, e isso virou um deboche.
Toda vez que temos aparelhos não indígenas, viramos objeto de observadores. Mas não é assim que somos. Para nós, ter acesso à tecnologia e ler textos de sustentabilidade é muito importante.
Os padres têm suas rádios, os militares têm suas rádios, mas eles sempre nos isolaram e sempre pudemos falar somente o que interessava a eles. Por isso, temos levado alguns pastores para a aldeia, porque pastor não bebe, não mente, tem mulher, e eles são diferentes de certos padres da minha região, que gostam de namorar as índias. Eles dizem que pecam, mas eu não gosto dessa “intenção”. Quando queremos reclamar, não temos mais para quem nos queixar, porque todas as pessoas, seja na Funai ou nas igrejas, são as mesmas e sempre arquivam as nossas queixas.
Mas o que aconteceu de bom nesse governo foram os pontos de cultura. No Rio Negro, temos 14 pontos de cultura que beneficiam mais de 52 mil índios, ou seja, podemos usar as máquinas dos telecentros para fazer nossas teleconferências na região e em qualquer parte do mundo, quando utilizamos o Skype. Nesses pontos de cultura, trocamos informações com outros povos. Por exemplo, como vou tratar diarreia brava num ponto xis do Rio Negro? Nós nos comunicamos com índios de outros lugares e pedimos uma sugestão. Quando somos ameaçados por garimpeiros, por exemplo, conseguimos mobilizar outros povos para proteger o nosso território. Por isso é importante o uso da comunicação. Também podemos gravar a nossa imagem e a nossa voz para ver como é importante falar bem a língua portuguesa e a língua tukana.
A comunicação deve ser construída. Esse diálogo deve ser equilibrado, porque se você não me entender, não conhece a minha cultura, você sempre vai achar que é melhor que eu, e vice-versa. E isso não é bom.
IHU On-Line – O senhor sabe quantas terras indígenas estão em processo de demarcação ou homologação na Amazônia?
“Todos os Projetos de Lei que tratam da questão indígena no Congresso Nacional não servem para nós”
Álvaro Tukano – No governo Dilma não tem nenhuma. Ela é contra a demarcação da terra. Quem mais demarcou terras indígenas em curto tempo foi o Fernando Collor de Mello e depois o Fernando Henrique Cardoso. No governo Lula foi feita alguma coisinha, mas no governo Dilma não foi feito nada.
IHU On-Line – Na sua avaliação, o governo do PT não tratou adequadamente as questões indígenas?
Álvaro Tukano – Eu fui filiado ao PT durante 30 anos, mas este ano não vou votar no partido e já disse na minha aldeia para não votarem, porque fomos traídos. Não temos mais o gosto de dizer que iríamos mudar o Brasil. Mudamos para pior. Foi nesse governo que perdemos mais de mil lideranças indígenas à bala. E isso não é bom. É nesse governo que está ocorrendo a situação dos Guarani-Kaiowá. O mundo inteiro sabe disso, menos a Dilma. A composição do governo corrompeu e está cheia de quadrilhas.
IHU On-Line – O senhor teve algum contato com Gilberto Carvalho, secretário da Presidência, nas tentativas de diálogo?
Álvaro Tukano – Gilberto Carvalho é mais conservador do que a própria Dilma. Ele está no lugar errado. Nós entregamos várias cartas e não aconteceu nada. Parece analfabeto que não sabe ler uma carta e nem sabe do que trata a Constituição Brasileira, nem sabe da questão indígena, da questão quilombola e ribeirinha.
IHU On-Line – Essa falta de retorno em relação às cartas enviadas à Presidência é proposital?
Álvaro Tukano – Mas quando é proposital é ruim. Deveríamos ter um tribunal indígena para julgar esses crimes ambientais e sociais.
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“Nós não queremos porta-vozes, queremos o contato direto com o governo” |
IHU On-Line - Vocês dialogam com o Conselho Indigenista Missionário - Cimi?
Álvaro Tukano – Eu tenho que tirar o chapéu para o Cimi, para Dom Tomás Balduíno e outros presidentes do Cimi, porque este é o único órgão da Igreja, vinculado à CNBB, que tem defendido a causa indígena com muita propriedade, de ponta a ponta do Brasil. Nunca o Cimi tirou proveito do governo para fazer suas ações. Muitos dos companheiros que estão no Cimi também foram do PT, mas devem estar arrependidos. Quero dizer parabéns ao Cimi, porque ele tem sido o porta-voz real e consistente da questão indígena.
IHU On-Line – O senhor comentou que alguns pastores visitam as aldeias. Têm muitos indígenas evangélicos?
Álvaro Tukano – Sim, têm muitos indígenas evangélicos, mas também têm outros índios que não são nem evangélicos nem católicos, são eles mesmos. Eu sou dessa terceira ala. Temos de ouvir a conversa do padre e do pastor, e depois criar a nossa.
IHU On-Line – Por que alguns indígenas estão aderindo à religião evangélica?
Álvaro Tukano – Por causa da miséria. Quando não tem escola, não tem saúde, os missionários ficam com esse pretexto de salvar a vida do índio. Então, eles ficam sendo porta-vozes dos índios em algumas instâncias. Mas nós não queremos porta-vozes, queremos o contato direto. Por isso, esses pontos de cultura são importantes. Quando criticamos o governo, criticamos com segurança e não enfeitamos os erros do governo. O governo sabe que errou e é incapaz de dizer que errou.
O Cimi tem ajudado muito os índios no Brasil, tem feito denúncias graves contra o Estado e defende as leis que protegem os índios. As outras organizações também defendem a nossa causa, mas depois ficam fazendo seus “ganchinhos” por aí e tirando dinheiro do Ministério do Trabalho, do Ministério do Meio Ambiente, do Ministério da Saúde, e dizem que o governo está fazendo algo por nós, porque os escritórios deles estão bem. Mas o meu não está. Está podre.
IHU On-Line – Quais são as ONGs que atuam no Brasil com um discurso pró-índio, mas que não agem de acordo com o discurso?
Álvaro Tukano – O Instituto Chico Mendes e o Ibama fizeram leis de governo. Para o Instituto Chico Mendes, eu sou um empecilho, porque estou morando no Parque Nacional do Pico da Neblina, logo, não posso caçar nem pescar. Aí vem a Reserva Biológica do Morro dos Seis Lagos e faz uma lei dizendo que eu não posso caçar e pescar ali, que é a maior reserva de nióbio do Brasil. Aí vem a Funai e me coloca numa área indígena que é homologada, diz que tenho o direito de usufruir as riquezas que estão no solo, mas nós nunca estamos em paz. Sempre estamos em guerra com o governo, com o Instituto Chico Mendes, com a Reserva Biológica. O governo faz tantas leis para cuidar da ecologia, que depois não faz nada.
O Greenpeace quer aparecer. Eles têm infraestrutura, ganham bem. Eu nunca vi essa gente da Funai e do Greenpeace trabalhar de graça. Eu já fiz trabalho voluntário. Outros só fazem se forem ganhar dinheiro. Nós vamos na Funai sugerir para fazer algo, e eles dizem que o expediente já acabou, que trabalham para o governo e não para o índio. Isso não funciona.
Existem mais de 100 mil ONGs na Amazônia. Todas elas trabalham para o índio, para a ecologia? Como funcionam esses escritórios? Pagam impostos?
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“Esse Estado é contraditório, é antidemocrático, não sabe o que é Justiça” |
IHU On-Line - Algum dos projetos hidrelétricos a serem desenvolvidos na Amazônia prejudica diretamente a sua comunidade?
Álvaro Tukano – Na minha região, não, porque estamos muito distantes. O caso mais emblemático é Belo Monte, que é uma realidade e mostra que o governo não respeita a lei que ele mesmo escreveu. Tapajós vai estar cheio de hidrelétricas. Segundo o Greenpeace, tem mais de 200 bilhões de reais para hidrelétricas e um trilhão para áreas da mineração.
Quem ganha com isso? São as mesmas empresas de sempre, Odebrecht, Camargo Corrêa. Nós não ganhamos nada. Esse negócio de dizer que vai ter luz é mentira. Não vai ter nada.
A salvação do índio está na consciência. Temos de fazer alianças, escolher o que é bom para nós. Então, as hidrelétricas, para os índios que estão no Xingu, são ruim porque vão inundar a região, trazer malária, problemas. A usina hidrelétrica binacional entre o Brasil e o Paraguai trouxe que benefício para a região Sul? Para os Guaranis, nenhuma. Acabou com a terra deles. É o mesmo que já fizeram na hidrelétrica de Balbina, e que estão fazendo no Rio Madeira.
Essas pessoas não estão interessadas na situação de cada família que precisa da pesca, da agricultura familiar. Elas querem enrolar os índios e os pobres. Por isso, esses projetos do PAC não prestam.
IHU On-Line - Quais são as principais críticas à política indigenista do governo Dilma?
Álvaro Tukano – Todos os Projetos de Lei que tratam da questão indígena no Congresso Nacional não servem para nós. A PEC 303 é de uma ditadura. Fizemos várias manifestações e, quando chegamos ao Congresso Nacional para conversar, os funcionários públicos, os deputados e os senadores saem correndo, dizendo que os índios estão invadindo. Nós falamos a mesma coisa. Quem está invadindo nossa terra são eles.
A Dilma está perdida em tudo. Não serve para dirigir o Brasil. Ela tem muitos ladrões ao seu redor, e para ela tudo é uma maravilha.
IHU On-Line – Qual sua proposta para acabar com os conflitos entre índios e não índios?
Álvaro Tukano – Para tratar a questão indígena, a Funai deveria ser dirigida pelos índios. Colégios e outras grandes organizações que afetam os índios devem ser dirigidos por nós ou por técnicos escolhidos por nós, que tenham um perfil de trabalho. O governo tem nos tratado como loucos, trazem psicólogos para falar com os índios, mas eles não trazem nada de concreto para a nossa saúde. Existem muitos planos pilotos para a questão indígena, mas não queremos planos pilotos. Nós somos povos tradicionais, sabemos como tem de ser a saúde, a educação, a defesa dos territórios. Temos que discutir esses assuntos com pessoas que entendam da questão indígena, e não com Gilberto Carvalho.
IHU On-Line – Deseja acrescentar algo?
Álvaro Tukano – Quero deixar a minha mensagem. Os jovens universitários têm de ouvir as grandes lideranças, como eu e outros. Não podem achar que o Direito Romano é igual ao Direito do povo Tukano. Nós temos problemas diferentes. Nas nossas comunidades, dependemos do meio ambiente, dos animais, das florestas, da nossa cultura, da nossa comida natural. A maneira de nos protegermos é fazer alianças, por isso defendo que haja mais seminários de advogados, porque é mais fácil nós, índios, discutirmos com os advogados do que com o presidente da Funai, que foge dos índios. Tem de ter um parlamento paralelo para tratar das questões indígenas.
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"Tem de ter um parlamento paralelo para tratar das questões indígenas". Entrevista especial com Álvaro Tukano - Instituto Humanitas Unisinos - IHU