16 Dezembro 2025
O pacto entre a União Europeia e os países americanos criaria a maior zona de livre comércio do mundo num momento crucial para a Europa.
A reportagem é de María R. Sahuquillo, publicada por El País, 16-12-2025.
O acordo da União Europeia com os países do Mercosul, que criaria a maior zona de livre comércio do mundo com mais de 700 milhões de consumidores, está por um fio. A assinatura entre a UE e a Argentina, o Brasil, o Paraguai e o Uruguai parecia iminente. A rejeição da França e as dúvidas de última hora da Itália podem inviabilizar o pacto, que agora se encontra em sua fase final. Essas posições podem comprometer 25 anos de trabalho e negociações em um momento crucial para a União Europeia, que enfrenta ataques dos Estados Unidos e da Rússia e busca novos parceiros confiáveis, enquanto observa a ordem multipolar baseada em regras vacilar sob a pressão de Trump. Com o Mercosul, o prestígio da UE está em jogo.
O cronograma estabelecido pelas instituições europeias e americanas para a finalização do acordo — lançado há um ano após um longo período de incerteza — estipula que o processo da UE deve ser concluído esta semana. Na agenda estavam a votação do Parlamento Europeu sobre diversas cláusulas de salvaguarda para produtos europeus, as negociações entre o Parlamento Europeu e os Estados-membros e, finalmente, a votação dos representantes dos 27 Estados-Membros para ratificar o acordo. Uma grande cerimônia de assinatura está prevista para o fim de semana em Foz do Iguaçu, Brasil.
“A assinatura do acordo é de crucial importância, do ponto de vista econômico, diplomático e geopolítico, e até mesmo em termos de credibilidade no cenário internacional”, disse na segunda-feira um porta-voz da Comissão Europeia, órgão responsável pela política comercial da UE, acrescentando que esperam que o acordo seja assinado antes do final do ano.
Mas tudo está incerto. No domingo, o primeiro-ministro francês, Sébastien Lecornu, pediu o adiamento da votação dos representantes europeus (que estava marcada para sexta-feira). "As condições não são adequadas para qualquer votação no Conselho da UE sobre a autorização da assinatura do acordo", afirmou o líder francês. Seu pedido, vindo do governo de um Emmanuel Macron bastante fragilizado, representou um duro golpe para o acordo. Mas ainda mais significativas são as reservas da primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni, que, há alguns dias, disse às instituições europeias que prefere não votar no pacto esta semana por receio de protestos de seus agricultores.
Sem a França, que se beneficiou enormemente da negociação do acordo e conseguiu incluir inúmeras cláusulas de salvaguarda nas regulamentações do pacto para proteger seus produtos contra os americanos, e sem a Itália, o acordo não pode prosseguir. Ele exige o apoio da maioria dos países (em termos de população). E, considerando que a Polônia votará contra, os números simplesmente não fecham se Paris e agora Roma também o rejeitarem de imediato.
A decepção poderá ser enorme. Especialmente considerando que a Itália é um dos países que mais se beneficiarão com o acordo com o Mercosul, com quem partilha um comércio de cerca de 16,4 mil milhões de euros por ano, uma vez que o pacto eliminará as tarifas sobre 91% dos produtos.
Se a votação for adiada, o acordo do Mercosul estará morto, insistem diversas fontes europeias. O Brasil, que detém a presidência da associação latino-americana neste semestre e que, sob o governo de Luiz Inácio Lula da Silva, trabalhou incansavelmente para garantir o pacto, entregará a organização ao Paraguai em 1º de janeiro. O Paraguai se mostra muito mais cético em relação ao acordo. E por trás dessa situação estão as pressões dos Estados Unidos sob a presidência de Donald Trump.
“Sozinho no mundo”
“Se não o fizermos [se não assinarmos o acordo com a Argentina, o Brasil, o Paraguai e o Uruguai], ficaremos sozinhos no mundo”, alertou o presidente do Conselho Europeu, António Costa, há alguns dias, numa conferência em Paris. “E não basta termos debates acadêmicos sobre como evitar a pressão entre os EUA e a China”, afirmou o antigo primeiro-ministro português, que investiu um capital político considerável na concretização do acordo.
Os críticos do acordo na Europa acreditam que ele prejudica os agricultores e inundará o mercado com produtos mais baratos. No entanto, foram introduzidas salvaguardas significativas, não apenas econômicas (em termos de preços), mas também em termos de controles. De fato, na semana passada, após pressão de Paris, a Comissão Europeia introduziu novas auditorias às importações agroalimentares da UE.
Os defensores do acordo, como a Alemanha, que o apoia fortemente, e a Espanha, enfatizam que ele representa uma oportunidade para estreitar laços com novos parceiros confiáveis. Eles também argumentam que o acordo oferece oportunidades para explorar novas rotas de obtenção de matérias-primas essenciais e reduzir a dependência da China, especialmente após o impacto das tarifas impostas por Trump. Além disso, alertam que, caso os países do Mercosul não assinem o acordo com a UE, Pequim fortalecerá seus laços comerciais com eles.
Com o acordo com o Mercosul, a UE põe em risco a sua reputação de parceira confiável. E isto acontece numa semana crítica para o seu futuro, uma vez que os 27 Estados-membros têm de decidir se mantêm o seu apoio à Ucrânia e se libertam os ativos soberanos russos congelados pelas sanções, na sua maioria mantidos na Bélgica, que atualmente se opõe à ideia. Entretanto, a Europa tenta garantir um lugar à mesa onde os Estados Unidos pretendem mediar um acordo de paz entre a Rússia e a Ucrânia.
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