Distopias capitalistas e efeitos da tecnologia no futuro do trabalho são tema das videoconferências promovidas pelo IHU nesta semana
A ideia de que a tecnologia é a causa fundamental do avanço e das mudanças da sociedade está fundamentada em uma mentalidade moldada por uma espécie de “Mecânica Popular”. Esta imagem, utilizada pelo sociólogo e historiador da economia Aaron Benanav, pesquisador da Cornell University, dos Estados Unidos, associa o entusiasmo pela tecnologia à crença na tecnocracia. Trata-se da ideia, explica, de que “um pequeno grupo de pessoas inteligentes possa apresentar soluções que vão chegar para consertar tudo”.
Na esfera do trabalho, havia quem depositasse na tecnologia a esperança de um futuro melhor: redução das jornadas, trabalhos mais inteligentes e pertinentes, maior eficiência em menos tempo. Os pessimistas alertavam para a precarização das relações trabalhistas, a substituição de pessoas por máquinas e a aceleração das rotinas de trabalho, com maior cobrança sobre funcionários. De ambos os lados, esperava-se o fim do trabalho. Nas entrelinhas do primeiro grupo estava subentendida a ideia de que a eficiência tecnológica permitiria o ócio criativo, enquanto nas do segundo a mudança tecnológica conduziria a humanidade ao desemprego em massa.
Na prática, assiste-se, segundo Aaron Benanav, a “um impulso político para reformar os subsídios de desemprego e reduzir o acesso à assistência social e, em geral, criar um ambiente no qual as pessoas precisam trabalhar para sobreviver. Essa procura frenética de trabalho e a insegurança no emprego incentivam a qualidade do emprego a cair. Exceto quando se trata de trabalhadores altamente qualificados, como programadores de computador, os empresários não precisam prestar atenção às necessidades dos trabalhadores”.
O que se observa na sociedade da tecnologia e da inovação não é, portanto, somente alto desenvolvimento tecnológico. A economia, diz o historiador da área, “está repleta de empregos de baixa qualidade, dos quais as pessoas entram e saem”.
Aaron Benanav abordará essas e outras questões na videoconferência “Inteligência artificial e futuro do trabalho. Substituição, hibridização e críticas ao progresso”, promovida pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, na próxima quinta-feira, 01-10-2025. O evento integra o “Ciclo de estudos: Inteligência Artificial e o mundo do trabalho. Entre o otimismo tecnológico e o pessimismo cultural”, que tem o objetivo de compreender os efeitos da inteligência artificial (IA) no mundo do trabalho, num contexto de erosão política, esgotamento psicossocial e colapso ambiental. A palestra será transmitida na página eletrônica do IHU, nas redes sociais e no YouTube, às 10h.
Benanav também tem acompanhado com entusiasmo o “utopismo dos teóricos da automação de esquerda”. Segundo o historiador, esse grupo está “tentando resgatar o projeto emancipatório de suas ruínas, sonhar e lutar por um amanhã melhor”. No centro das ideias deles, destaca, estão três desejos:
1) "que a humanidade seja libertada da insegurança econômica;
2) que o trabalho se torne muito menos central para a vida social; e
3) que as pessoas sejam livres para perseguir suas paixões como bem entenderem”.
Embora eles tentem explicar as transformações do mundo do trabalho e encontrar soluções para os problemas da sociedade capitalista, para Benanav, eles “dão uma má explicação para o fato de as economias capitalistas estarem gerando altos níveis de subemprego e de desigualdade”. Isso porque, menciona, “eles acreditam que as máquinas industriais e a inteligência artificial estão tornando o trabalho humano obsoleto em cada vez mais setores econômicos”. Mas, economicamente, replica, “não há nenhuma evidência de que isso está realmente acontecendo”.
O principal problema da economia contemporânea, argumentar o pesquisador, não está associado à destruição de empregos por causa da automação. “O principal problema é que os empregos não estão sendo criados tão rapidamente como no passado, porque as economias estão crescendo cada vez mais devagar”.
O “utopismo dos teóricos da automação de esquerda” não converge com a mentalidade do Vale do Silício, onde o trabalho é tido como religião e o lucro como mística. Para Levi Checketts, professor da Hong Kong Baptist University, na China, a “generosidade do Vale do Silício” consiste em permitir que os ricos fiquem mais ricos e os pobres mais pobres. A disparidade entre ambos tem sido alimentada pela corrida em torno da Inteligência Artificial (IA). Na era do capitalismo tecnológico, a disputa tecnológica é central. “Das dez maiores empresas por valor de mercado, oito estão envolvidas com IA de alguma forma, incluindo Taiwan Semiconductor Manufacturing Corporation e Nvidia – empresas que só recentemente chegaram ao topo devido às necessidades de hardware da IA”, disse o pesquisador na videoconferência “Tecnologia e desigualdade multidimensional. IA e a experiência da pobreza”, ministrada no IHU em novembro do ano passado.
Os dados apresentados por Checketts evidenciam que a corrida pela IA é um dos interesses centrais do capitalismo tecnológico. A IA, declarou na ocasião, “é o ápice da fantasia capitalista” porque “representa a expectativa de acumular riqueza ad nauseam e uma classe trabalhadora sem os custos de mão de obra”.
“A corrida pela Inteligência Artificial. Distopias capitalistas e resistências decoloniais” é o tema de outro ciclo de estudos promovido pelo IHU neste semestre. Na próxima terça-feira, 30 de setembro de 2025, Luca Belli, da Fundação Getulio Vargas (FGV) do Rio de Janeiro, abordará o assunto na videoconferência “Da soberania digital à soberania em IA. Desafio da corrida pela Inteligência Artificial”, às 10h. O evento será transmitido nas redes sociais, no YouTube e na página eletrônica do IHU e visa compreender as relações entre a IA e as transformações no sistema capitalista.
A programação completa está disponível nas páginas dos eventos. Acesse:
Palestra: Da soberania digital à soberania em IA. Desafio da corrida pela Inteligência Artificial
Palestrante: Prof. Dr. Luca Belli, FGV Rio
Quando: 30 de setembro de 2025
Transmissão: Página do IHU, redes sociais e YouTube
Horário: às 10h
Palestra: Inteligência artificial e futuro do trabalho. Substituição, hibridização e críticas ao progresso
Palestrante: Prof. Dr. Aaron Benanav, Cornell University, EUA
Quando: 01 de outubro de 2025
Transmissão: Página do IHU, redes sociais e YouTube
Horário: às 10h