03 Fevereiro 2025
O filme de Luciano Vidigal, Kasa Branca, ganhou diversos prêmios no Festival do Rio de 2024.
A reportagem é de Alysson Oliveira, publicada por Cineweb, 28-01-2025.
Kasa Branca, primeiro longa solo do carioca Luciano Vidigal, revela um cineasta tecnicamente cuidadoso, mas, acima de tudo, um diretor interessado nas dinâmicas dos afetos dentro e fora da tela. “Minha ideia é mostrar a favela com otimismo, com relações de amizades sinceras, mesmo que tenha dor e dificuldades”, define, em entrevista ao Cineweb.
Para essa história de três amigos, interpretados por Big Jaum, Diego Francisco e Ramon Francisco, Vidigal buscou um cinema da proximidade, que vai ao coração do público. O resultado, além do excelente longa, foram diversos prêmios, entre eles, melhor diretor, ator coadjuvante (Diego Francisco), fotografia e música, no Festival do Rio de 2024.
Vidigal, que também assina o roteiro, conta que partiu de uma história real, de um rapaz que conheceu na favela do Vidigal, onde cresceu. Ao centro do filme está Dé, um adolescente da periferia que, sabendo que sua avó está com Alzheimer avançado e tem pouco tempo de vida, decide passar esses últimos ao lado dela, em companhia de seus dois melhores amigos.
“Esse é meu primeiro longa de ficção solo, e eu sempre uso essa metáfora de que é um sonho realizado. Eu amo ser diretor, amo ser cineasta e queria contar essa história que me tocou muito. E poder ter a estrutura que eu tive, com as produtoras que eu tive, com os incentivos que o filme teve, enfim, filmei com conforto”.
Para o filme, rodado em 2022, Vidigal explica que a fase da pré-produção foi importantíssima para sua construção, quando os atores puderam trabalhar as personagens, a equipe técnica se afinar. “A princípio, seriam apenas duas semanas, mas pedi para tentarmos encaixar no orçamento mais duas, e conseguimos. Foi muito importante esse mês antes de filmar”.
Ele explica que, em seu processo de criação, a escuta é fundamental. “Eu trato o ator como um coautor, pois acho super-importante ali o ator opinar, colocar suas impressões sobre o personagem, sobre as cenas, ter uma escuta para isso. Se a opinião do ator for coerente, se trouxer uma soma para a história, eu mudo. Então vale muito essa troca.”
Big Jaum, conhecido pelo seu trabalho como humorista, é uma revelação aqui, num personagem mais introspectivo e calado. O processo de busca pelo ator para o papel, revela o diretor, não foi simples, e ele acabou sendo encontrado por acaso, quando Vidigal conduzia uma oficina de cinema em Guadalupe.
“O Dé tem um perfil muito específico. Eu queria um menino gordo, preto, sensível. O Big arrasou no teste e já me mostrou o que eu queria. Então, foi maravilhoso ter ele no filme, e muito bom ter esse contraponto de um garoto jovem, potente, que trabalha com stand-up, faz comédia e nesse filme está fazendo papel dramático.”
Para Vidigal, trabalhar com elenco é fundamental para o sucesso de um filme. Para isso, contou com a preparadora Fátima Domingues, que é diretora de teatro do Nós do Morro, do qual Vidigal fez parte. Um dos trabalhos de preparação foi encontrar a sintonia entre Big Jaum, ator estreante em cinema, e Teca Pereira, que faz sua avó.
“O que acontece no set de filmagem é uma consequência da preparação. Então, a gente fez um trabalho longo, que levou a chegar em emoções que eu achava interessantes para o filme, na relação dos personagens. Tudo muito em cima da sensibilidade, trabalhando com jogos, exercícios, enfim. Então, foi muito rico o processo de preparação de elenco. E é uma relação muito bonita dessa avó com seu neto.”
Vidigal tem em seu currículo diversos trabalhos como ator e diretor de curtas e um episódio do coletivo 5xFavela: Agora por Nós Mesmos, exibido em Cannes e premiado no Festival de Paulínia. Em sua estreia solo, ele ressalta que o seu é um cinema negro.
“É um filme que tem um protagonismo negro no lugar do objeto, que são os atores, e no lugar do sujeito, eu como diretor. Então, você tem a figura preta ali como protagonista no elenco e também na criação. A busca desse cinema é uma diversidade que o Brasil tem. É um Brasil de verdade. E a gente, que faz cinema independente, cinema preto, busca essa relação horizontal com o audiovisual brasileiro. E sempre no objetivo de somar, de trazer essa diversidade potente e cultural que tem o nosso país.”