07 Dezembro 2024
A proteção das terras indígenas não é apenas uma questão de justiça histórica. É um compromisso com o futuro do Brasil e do planeta.
O artigo é de Xainã Pitaguary, estudante de Direito da UFSM e integrante da Coordenação da Liga Acadêmica de Assuntos Indígenas (Yandê) e do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros e Indígenas (NEABI-UFSM), publicado por Sul21, 05-12-2024.
O Brasil vive uma encruzilhada histórica. De um lado, enfrentamos uma crescente devastação ambiental impulsionada por modelos predatórios de exploração de recursos naturais. De outro, testemunhamos a resistência incansável dos povos indígenas, que carregam em suas lutas o futuro de biomas essenciais para a sobrevivência do planeta. Como estudante de Direito e ativista da etnia Pitaguary, sinto a urgência de denunciar, refletir e convocar todos os setores da sociedade a se unirem em defesa da justiça ambiental e dos direitos territoriais dos povos originários.
Os números são alarmantes. Em agosto deste ano, uma mancha de fogo de mais de 500 km de extensão consumiu 2,5 milhões de hectares na Amazônia, enquanto no Cerrado e no Pantanal as chamas avançaram devastadoramente. São Paulo, um estado tradicionalmente urbano, registrou o maior número histórico de focos simultâneos de calor, sendo que mais de 81% dessas queimadas ocorreram em áreas de uso agropecuário, voltadas para a monocultura da cana-de-açúcar e pastagens. Segundo o MapBiomas, 97% do desmatamento no Brasil em 2023 teve como principal motivação a expansão agropecuária.
Essa destruição não é uma fatalidade natural. O fogo é frequentemente usado como ferramenta econômica para limpeza de áreas e expansão de fronteiras agrícolas, sendo um método barato e eficaz para “preparar” terras. Ao mesmo tempo, a hiper concentração de terras, que concentra 90% do desmatamento em menos de 1% das propriedades rurais do país, revela a relação intrínseca entre a grilagem, o agronegócio e a devastação ambiental.
Enquanto a fumaça das queimadas envenena os céus, os povos indígenas resistem como guardiões das florestas e defensores de um modelo de vida que respeita o equilíbrio ecológico. As terras indígenas, além de abrigarem biodiversidade inestimável, são fundamentais para a regulação climática e o armazenamento de carbono. Essa conexão foi recentemente reafirmada na decisão histórica do STF que rejeitou a tese do Marco Temporal, garantindo que a demarcação de terras indígenas não seja restringida por critérios arbitrários.
Porém, a luta vai além dos tribunais. Em eventos como o Brasil Território Indígena, realizado na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), testemunhei o poder transformador do diálogo intercultural. Em sua terceira edição, com mais de mil participantes, o evento reafirmou o protagonismo indígena na formulação de debates sobre direitos territoriais, sustentabilidade e justiça climática. No entanto, esse espaço de resistência e construção foi alvo de ataques e hostilidades, evidenciando que o racismo estrutural e os interesses do agronegócio ainda tentam silenciar nossas vozes.
A narrativa de sustentabilidade promovida por setores do agronegócio, como a Integração Lavoura Pecuária-Floresta (ILPF), contrasta com os dados concretos. O Brasil lidera o consumo mundial de agrotóxicos, muitos deles banidos na União Europeia por seus impactos à saúde humana e ao meio ambiente. Em 2023, mais de 600 novos agrotóxicos foram aprovados, reforçando um modelo que contamina solos, corpos d’água e compromete a vida de comunidades rurais e indígenas.
A nota de repúdio emitida pela Comissão Jovem da Farsul contra o evento Brasil Território Indígena revela a dificuldade de setores ligados ao agronegócio em reconhecer as contradições de sua atuação. Enquanto estudantes indígenas são atacados por ousarem debater a destruição promovida por práticas predatórias, esses mesmos setores mantêm silêncio diante de dados irrefutáveis que ligam sua atividade à devastação ambiental. A hostilidade enfrentada pelos organizadores do evento na UFSM, com mensagens de ódio e ameaças racistas, é um reflexo do incômodo que nossa presença nas universidades causa àqueles que se beneficiam da exclusão histórica dos povos indígenas.
A proteção das terras indígenas não é apenas uma questão de justiça histórica. É um compromisso com o futuro do Brasil e do planeta. Nossa luta pela demarcação é, acima de tudo, uma luta pela vida. Enquanto indígenas, vivemos na linha de frente das crises ambientais, mas também lideramos soluções que integram saberes ancestrais e ciência para a preservação dos ecossistemas.
Eventos como o Brasil Território Indígena são mais do que encontros acadêmicos. São espaços de resistência e esperança, onde reafirmamos que outro modelo de desenvolvimento é possível. Como estudante e ativista, acredito que a presença indígena nas universidades e nos debates políticos é essencial para transformar um sistema que privilegia poucos em detrimento de muitos.
A crise climática e a devastação ambiental exigem uma resposta coletiva e urgente. Não há mais tempo para hesitação. Proteger as terras indígenas, combater o agronegócio predatório e repudiar o racismo estrutural são passos indispensáveis para construirmos um Brasil verdadeiramente justo e sustentável. Como dizemos em nossa luta: resistir é existir. O futuro do Brasil é indígena, porque sem a preservação de nossas terras, não há futuro para ninguém.
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O agro é fogo: Terra, justiça e a luta dos povos indígenas no Brasil. Artigo de Xainã Pitaguary - Instituto Humanitas Unisinos - IHU