02 Julho 2024
“Um resultado menos pior do que se temia, o Ressemblement não tem a certeza de poder ter maioria absoluta. Mas temos que esperar pelo segundo turno." Jean-Marie Colombani, diretor do Slate.fr e durante quinze anos do Le Monde, apaixonado estudioso da política francesa, analisa a situação política com amargura e inquietação.
A entrevista é de Cesare Martinetti, publicada por La Stampa, 01-07-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
O que você acha da escolha de Macron de pedir eleições antecipadas?
Ao dissolver a Assembleia e pensando poder inverter o resultado das eleições europeias em tão pouco tempo, o presidente corre o risco de entregar as chaves do governo ao Rassemblement National. Ele claramente não conhece as regras da política.
Como explica o sucesso de Marine Le Pen?
Foi um percurso longo, uma subida progressiva que acabou por se tornar um pouco irresistível. Por um lado, graças à dédiabolisation, ou seja, à tomada de posições moderadas, veiculando a ideia de que o seu é um partido como os outros, embora fundamentalmente continue a apresentar-se como um partido contra o sistema. Jean-Marie Le Pen se dizia contra o establishment, ela fez tudo para apagar esse aspecto, mesmo continuando a protestar contra o sistema.
Como conseguiu afirmar a ideia na opinião pública?
Com o apoio das mídias, que aceitaram e difundiram a ideia da moderação sem questionar, embora a doutrina subjacente ao Rassemblement seja sempre a mesma, com uma visão das instituições que coloca em perigo o Estado de direito: do modelo antiparlamentar do passado estão agora na democracia iliberal, ao estilo Orbán,
Onde emerge esse aspecto no programa de governo do RN apresentado por Jordan Bardella?
Especialmente na proposta de excluir os cidadãos com dupla nacionalidade dos cargos de gestão na administração. É a primeira vez desde o Estatuto dos Judeus de 1940 (a lei racial do regime de Vichy, ndr) que um partido propõe dividir os franceses em diversas categorias de cidadãos. Esse modelo de discriminação está no cerne da extrema direita francesa. Ao mesmo tempo, Marine Le Pen impôs aos seus parlamentares atitudes soft e civis na Assembleia, até à obrigação de usar gravata, para que se contrapusessem também na aparência aos deputados da França Insoumise de Jean-Luc Mélenchon que faziam exatamente o oposto.
Uma extrema direita que não parecia mais extrema.
Sim. Mas o elemento decisivo nessa operação de moderação foi a candidatura de Eric Zemmour, que desde que apareceu no debate político afirmando a tese do ‘grand remplacement’ da qual o RN se distanciou, permitiu classificar Marine Le Pen como centro e atribuir a si à extrema direita. Para mim, a própria essência da extrema direita francesa continua muito presente no RN, está escondida, não emergiu durante a campanha, mas está lá. Portanto, pensar que poderemos ter um governo moderado de direita é um erro, no caso teremos um governo de extrema direita.
Mas se não obtiverem a maioria absoluta, o que acontecerá?
Tudo é decidido na Assembleia Nacional, então teremos que ver se será possível formar uma coalizão entre todos aqueles disponíveis e alinhados contra o Rassemblement e pedir que venha nomeado um primeiro-ministro capaz de formar um governo com a confiança da Assembleia. Será um caminho caótico, mas obrigatório, durante um ano não poderão ser realizadas novas eleições.
Quem poderia fazer parte de tal coalizão contra Le Pen?
Socialistas, socialdemocratas, centristas, direita moderada, juntos deveriam ser capazes de construir um compromisso. O problema é que na cultura política francesa não existe o hábito do compromisso. A Quinta República recompensa a minoria contra a maioria. Direita e extrema direita, como Marine Le Pen nas eleições presidenciais de 2022, podem ter 40 por cento, mas isso significa que 60% dos franceses não querem um governo de extrema-direita. E o mecanismo eleitoral que dá à minoria a maioria absoluta na Assembleia: essa é a razão pela qual se costuma ser refratários às coalizões. Mas acredito que se o RN não tiver a maioria absoluta, os responsáveis políticos contra Le Pen deveriam finalmente concordar em discutir uma coalizão como é feito em toda a Europa, exceto na França.
A surpresa desta campanha eleitoral é que a esquerda foi capaz de se unir em poucos dias no Nouveau Front Populaire obtendo um grande resultado. Como você julga essa aliança?
Em primeiro lugar, não deveríamos chamá-lo de Popular, porque não é nada popular, 40 por cento dos trabalhadores votam no RN e apenas 20 por cento no NFP. Mas deixando a ironia de lado, o que aconteceu é um grande clássico da esquerda, uma tradição que se repete há mais de cem anos: em 1924 com o "Cartel de gauche", em 1936 com o Front Populaire, depois com François Mitterrand eleito duas vezes para o Eliseu e finalmente com Lionel Jospin, primeiro-ministro durante cinco anos junto com Chirac como presidente. Se Emmanuel Macron conhecesse a história da esquerda, não teria cometido outro erro capital ao apostar nas divisões da esquerda.
Mas esse Nouveau Front pode vencer ou governar?
Não, é apenas um ‘cartel’ eleitoral, puramente defensivo, formado por pessoas que sabem que não terão a maioria, mas estão lá para obter o máximo de deputados na Assembleia Nacional sabendo que terão de formar uma forte oposição. Se houvesse uma possibilidade real de formação de governo, as negociações teriam sido muito diferentes. Há medidas no programa que François Hollande ou Raphaël Glucksmann certamente não podem aceitar”.
Outro erro de Macron?
Sim, ele não entendeu que os franceses votaram nele duas vezes, em 2017 e 2022, para impedir que Marine Le Pen tivesse acesso ao Eliseu, e agora ele com uma manobra tresloucada dá-lhe a oportunidade de ter as chaves do governo. Os franceses sentem-se traídos pelo presidente. E é ainda mais grave porque ela é a favor dos russos e antieuropeia, e é incrível que a imprensa tenha aceitado a ideia de que ela tenha se tornado pró-europeia. Não é verdade, Marine Le Pen é contra a Aliança Atlântica, contra os interesses estratégicos da França, enviou os seus emissários a Assad, ela mesma foi se encontrar com Putin, tudo isso é aterrador.
O que aconteceu na opinião pública francesa?
Afirmou-se um populismo básico, o slogan do “ras-le-bol”, estamos fartos. É como se tivesse se difundido a ideologia dos coletes amarelos, é uma giletjaunisation da cena política. Todos se esqueceram que durante a crise do Covid o Estado lidou com as necessidades de empresas e particulares. Mas a votação não passa por uma reflexão, a popularidade de Bardella é dada pelas selfies que ele tira entre as pessoas. É uma loucura total, orientada, no entanto, por ideólogos com uma doutrina que tem no seu cerne a rejeição do estrangeiro e a discriminação. Estão criando na França um clima detestável: o retorno do antissemitismo é prova disso porque se pensa que agora tudo é permitido.
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“Uma direita mascarada, mas extrema”. Entrevista com Jean-Marie Colombani, ex-diretor do Le Monde - Instituto Humanitas Unisinos - IHU