15 Abril 2024
"Francisco, portanto, cada vez mais sozinho e talvez isolado, não confia em quase ninguém, faz e desfaz com base em critérios que às vezes podem ser compreendidos, noutros casos são difíceis de entender, dá entrevistas nas quais decide ceder a polêmicas de vários tipos e avança sem hesitação rumo ao Jubileu, um ano cheio de eventos".
O artigo é de Francesco Peloso, jornalista, publicado por Domani, 14-04-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
A solidão do Papa Francisco; essa parece ser a condição em que se encontra neste momento o chefe da Igreja católica, porém é uma solidão mais quista do que imposta.
Muitas das últimas decisões de Bergoglio, de fato, além de serem surpreendentes no mérito, contradizem essa vontade de afirmar o princípio sinodal na vida da Igreja.
Assim, depois de ter chamado a Roma no verão passado talvez um dos poucos colaboradores de quem o pontífice parece confiar, ou seja, o cardeal argentino Víctor Fernández, atual prefeito do dicastério para a Doutrina da Fé, Francisco avança a passos rápidos para dar corpo para aquela visão de igreja descrita e anunciada muitas vezes ao longo da última década. Que tudo vá em detrimento daquele sínodo geral da Igreja, convocado pelo próprio Bergoglio, para chegar a escolhas mais partilhadas e colegiais, envolvendo também os leigos nesse processo, já não é mais uma prioridade, aliás o sínodo parece hoje uma criatura quase sem propósito.
Além disso, o Papa está com pressa, consciente de que o seu tempo à frente da Igreja, ultrapassado o limiar de 87 anos, não será muito, fez uma mudança de 360 graus na sua forma de proceder; e agora em frente a toda velocidade, um pouco mais papa rei, um pouco menos bispo de Roma.
Não pode passar despercebido que Bergoglio tenha acelerado em alguns temas desde a morte de Bento XVI; aquela do Papa Emérito foi uma presença pesada para Francisco, evidentemente mais do que se deixasse transparecer.
Prova disso é a nomeação à frente do Dicastério para a Doutrina da Fé - que foi o instrumento príncipe da ação teológica e de governo de Ratzinger - precisamente do Cardeal Fernández, acompanhada por uma carta do Papa declarando encerrado o período do antigo Santo Ofício como órgão de controle: “A Igreja”, escreveu Francisco em julho de 2023, “precisa crescer na sua interpretação da Palavra revelada e na sua compreensão da verdade, sem que isso implique impor uma forma única de expressá-la. Porque as diferentes linhas de pensamento filosófico, teológico e pastoral, quando se deixam harmonizar pelo Espírito no respeito e no amor, também podem fazer a igreja crescer. Esse crescimento harmonioso preservará a doutrina cristã de forma mais eficaz do que qualquer mecanismo de controle”.
O contrário, portanto, do que Ratzinger havia feito, primeiro como prefeito e depois como papa. Assim se chega em poucos meses a Fiducia suplicans, o documento que permite a bênção dos casais homossexuais, e recentemente a Dignitas infinta, a Declaração sobre a dignidade humana, talvez um pouco confusa nos conteúdos, apesar dos cinco anos de desenvolvimento, o que, se por um lado confirma a doutrina clássica da igreja sobre temas eticamente sensíveis como aborto, eutanásia, teoria de gênero, por outro lado, na orientação bergogliana, associa esses temas às grandes questões sociais da época: guerra, pobreza, tráfico de seres humanos, violência contra as mulheres. Estabelecendo assim que não existe uma espécie de verdade “maior” e uma “menor” na defesa da vida e da moral.
Também nesse caso, não parece que os tantos protestos que surgiram no mundo católico LGBTQ pela facilidade com que a discussão sobre a diversidade sexual foi liquidada – pelo Papa que maior sensibilidade havia demonstrado sobre o assunto - voltando ao clássico bíblico “Deus os criou homem e mulher", afetem em muito a Santa Sé, interessada sobretudo em desmantelar a abordagem de quem o havia precedido, mais que em desenvolver uma discussão em sentido sinodal.
Enquanto isso, da Alemanha e de outros ambientes católicos “liberais” ao redor do mundo, chegaram ataques violentos contra a parte bioética da Declaração, sinal de que adicionar os temas sociais em chave progressista, mantendo intacto o arcabouço tradicionalista no restante, é um artifício que não pode mais ser digerido.
E, afinal, também as muitas referências ao vínculo entre o próprio Francisco e Bento XVI, reivindicadas por Bergoglio em numerosas entrevistas, retratando um Bento XVI seu aliado mal aconselhado, quando não manipulado, pelo seu secretário, Monsenhor Georg Gäswein, descrito como uma espécie de Rasputin na corte vaticana, não só não é muito credível dado o calibre do personagem, mas na realidade parece ser o indicador de um desconforto autenticamente vivido ao longo do pontificado pelo próprio Papa argentino (além disso, parece que Francisco esteja prestes a nomear núncio apostólico Gäswein, para encerrar o assunto).
Finalmente, mais um golpe de freio ao Sínodo, que deveria marcar uma nova etapa no caminho da reforma empreendida pelo Concílio Vaticano II, foi dado por Francisco ao instituir dez grupos de trabalho – sobre os temas que emergiram da primeira fase da assembleia sinodal, do ecumenismo a “algumas questões teológicas e canônicas em torno de formas ministeriais específicas" (incluindo o diaconato feminino) – que acompanharão o sínodo até a fase final de outubro, mas depois (surpresa) os seus trabalhos continuarão até junho de 2025 e, sobretudo, serão coordenados pelos diversos dicastérios da Cúria Romana; resta saber qual peso real terão, a esse ponto, as resoluções tomadas pela assembleia sinodal em outubro próximo.
Além disso, entre as decisões surpreendentes tomadas pelo Papa no último período está a defenestração de cardeal vigário para a diocese de Roma Angelo De Donatis, nominado penitenciário maior (um papel menor na Cúria) e por isso demitido do cargo que ocupava. O fato é que De Donatis tem 70 anos, enquanto o limite canônico que o obriga a apresentar a renúncia à liderança de uma diocese para um bispo é de 75 anos, sem considerar que, se não houver obstáculos particulares, o papa muitas vezes concede alguns anos de prorrogação. Ao despedir o seu vigário mais cedo, Francisco realizou um ato que tem poucos precedentes históricos, o que em si não é um fato escandaloso, mas não são claras - transparentes - as razões da escolha adotada pelo pontífice. Sabe-se que um ano atrás Francisco havia promulgado uma nova constituição apostólica, In ecclesarum communione, com a qual reorganizava a "sua" diocese, efetivamente destituindo o cardeal vigário e atribuindo os poderes reais ao vice regente, um dos bispos auxiliares (atualmente mons. Baldassarre Reina) que, em vários assuntos, incluindo os de caráter administrativo, agora responde ao bispo de Roma, ou seja, ao próprio papa.
Não é por acaso que o pontífice decidiu adiar a nomeação de um novo cardeal vigário. Mas o que está por trás de tanta confusão? Sabe-se com certeza que uma auditoria contábil foi iniciada em 2021 por parte do gabinete do auditor geral da Santa Sé sobre a diocese de Roma. Entre as coisas a avaliar estavam os balancetes finais e de previsão, bem como vários aspectos da administração e dos procedimentos, como investimentos financeiros, gestão do patrimônio, incluindo imóveis e recursos humanos.
Nada se sabe sobre os resultados dessa investigação interna, como de fato é um mistério bem guardado a verdadeira situação financeira da diocese do papa, a qual especula-se esteja à beira da falência, mas se trata, justamente, apenas de rumores.
De Donatis também acabou no olho do furacão pela gestão desajeitada do caso de Marko Ivan Rupnik, o famoso ex- jesuíta artista-teólogo, acusado de abusos sexuais e de poder por parte de numerosas freiras pertencentes à comunidade Loyola, que ele próprio fundou. Rupnik - que também contou com o apoio de Bergoglio durante muito tempo - foi defendido por De Donatis o tempo todo; por outro lado, os seus mosaicos adornam a capela do seminário maior de Roma, obra cujos custos não são conhecidos.
Além de Rupnik, porém, na diocese da capital, não se sabe qual é a situação no tema abusos, e também nesse aspecto a transparência não o forte da casa.
Francisco, portanto, cada vez mais sozinho e talvez isolado, não confia em quase ninguém, faz e desfaz com base em critérios que às vezes podem ser compreendidos, noutros casos são difíceis de entender, dá entrevistas nas quais decide ceder a polêmicas de vários tipos e avança sem hesitação rumo ao Jubileu, um ano cheio de eventos.
Não se pode governar de joelhos, disse Francisco nos últimos meses, referindo-se aos problemas de saúde que o afligem há tempo e aos rumores recorrentes daqueles que falaram de uma sua renúncia, mas talvez a questão esteja agora se tornando mais ampla.
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A sinodalidade é apenas uma lembrança, Francisco já é o papa rei - Instituto Humanitas Unisinos - IHU