Protocolada pelo Eurodeputado Miguel Urban Crespo (Esquerda Europeia GUE/NGL), a interpelação reconhece mudanças importantes no novo governo de Luiz Inácio Lula da Silva, mas destaca que “ainda existem elementos de preocupação relacionados à garantia dos territórios e à proteção da vida dos povos indígenas no país”.
“Ataques violentos contra comunidades em vários estados do país deixaram vítimas fatais”, argumenta o Parlamento Europeu. O assassinato da liderança e pajé Nega, do povo indígena Pataxó Hã-Hã-Hãe, no domingo (21), é exemplo do padrão de brutalidade persistente no país. O ataque protagonizado por supostos fazendeiros, com a participação ou omissão de policiais militares da Bahia, foi motivo de indignação por parte da ala progressista do Parlamento Europeu.
Crítica à conclusão do Acordo União Europeia-Mercosul, a ala progressista reforça que, entre outros motivos, o acordo irá agravar ainda mais a situação dos povos indígenas no Brasil. Isso porque a pressão dos grandes interesses econômicos sobre os territórios – ainda não demarcados, em processo de demarcação e até mesmo os já demarcados -, tem sido um dos motivadores da incessante violência contra as comunidades tradicionais.
A interpelação do Parlamento destaca a homologação de apenas oito Terras Indígenas em 2023, e também a provação da Lei 14.701/2023, que impõe o marco temporal como política de demarcação das terras indígenas em desobediência ao entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF), que assegurou o direito constitucional originário dos povos indígenas.
O Acordo União Europeia-Mercosul tem uma estrutura obsoleta e inerentemente desigual, marcado pela exportação de produtos de alto valor agregado pela União Europeia, contrastando com commodities, matéria-prima básica dos países do Mercosul.
“Estudos apontam que, com o aumento das exportações dessas commodities, incluindo as do agronegócio, haverá uma pressão enorme sobre os territórios dos povos indígenas e outras comunidades tradicionais, que é agravado ainda mais pelo marco temporal legislado, que é uma tese inconstitucional”, explica Paulo Lugon Arantes, assessor especializado em incidência internacional do Cimi.
O Parlamento Europeu entende que a adoção do Acordo UE-Mercosul agrava o quadro de violência persistente no Brasil, impondo uma pressão ainda maior sobre os territórios indígenas, em uma previsão de exportações ainda maiores de matérias-primas para a Europa.
“A adoção de algumas cláusulas de proteção climática e ambiental, com praticamente nenhuma menção aos direitos dos povos originários, são insuficientes para fazer frente a esse padrão de brutalidade contra os povos originários no Brasil”, completa a interpelação apresentada pelo Parlamento Europeu.
Na avaliação do Cimi, “o Acordo União Europeia-Mercosul tem salvaguardas mínimas, insuficientes para garantir os direitos dos povos indígenas, e o marco temporal e toda a Lei nº 14.701 é contraditória com essas salvaguardas, que vêm sendo discutidas no âmbito do acordo, mesmo estas sendo mínimas e insuficientes”, aponta Luis.
Por esse motivo, a Lei tem sido questionada por instituições europeias e por parlamentares europeus. “Se a Lei nº 14.701, o marco temporal, é incompatível com o que vem sendo discutido no âmbito do Acordo União Europeia-Mercosul, então o próprio acordo também está comprometido”, sustenta o secretário do Cimi.
A interpelação do Parlamento Europeu é uma maneira de exigir da Comissão Europeia consistência e coerência política nas suas relações internacionais. Isso porque “as salvaguardas impostas pela União Europeia no fim do governo Bolsonaro são insuficientes, não atacam a raiz do problema, e o marco temporal vem agravar ainda mais essa situação pela incerteza e a falta de segurança dos territórios dos povos originários”, explica Paulo Lugon.
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