22 Dezembro 2023
A alegria antecipada do Natal desenrola-se num cenário de dor e violência este ano. A atual guerra em Israel e na Palestina domina os meios de comunicação social e capta a atenção global, enquanto a guerra continua na Ucrânia e, pelo menos, em 100 outros territórios em todo o mundo. Parece um enorme desafio pregar sobre a esperança, a alegria e a paz do Natal quando parecemos assediados pelo desespero. E, no entanto, ao longo da história humana, a guerra, a violência e a pobreza têm sido constantes trágicas.
A reportagem é publicada por America, 18-12-2023.
“Acho que uma das coisas mais importantes nestes tempos extremamente conturbados é que temos as luzes, tanto metafórica como fisicamente”, diz Barbara Reid, OP. “Nosso presente mais importante e nossa abordagem mais importante, não apenas para o Advento e a época do Natal, mas para nossas vidas em geral, é nunca deixar a esperança diminuir”.
No episódio de Natal de “Preach”, a Irmã Barbara Reid, presidente da União Teológica Católica (UTC) em Chicago, e Carroll Stuhlmueller, CP, professora de Estudos do Novo Testamento na UTC, pregam sobre as leituras da Missa de Natal durante o dia. Barbara, estudiosa em interpretação feminista e editora geral do Wisdom Commentary, uma nova série feminista de 58 volumes sobre a Bíblia – juntam-se ao apresentador Ricardo da Silva, SJ, para refletir sobre como ela mantém a alegria do Natal em sua pregação sem se esquivar de as duras realidades do mundo.
“Uma das preparações mais importantes para um pregador é ler as escrituras com uma mão e o jornal com a outra”, diz Barbara, citando um velho ditado. No entanto, ela reconhece a mudança no cenário da imprensa e sugere: “Talvez hoje precisemos dizer, tenha o seu tablet na outra mão – não estamos mais sempre lendo jornais em papel”. Ricardo rapidamente interrompe: “Tenhamos o celular com as notificações ligado!”
Em conversa com Ricardo após a homilia, Bárbara exorta os pregadores a lerem os comentários das Escrituras a partir de “perspectivas que são pós-coloniais, latinas, negras católicas, asiáticas e asiático-americanas”, diz Bárbara. “Acho muito útil prestar atenção a esses tipos de recursos que me ajudam a ver de uma perspectiva diferente da minha e ajudam a manter uma lente mais global na pregação e na minha compreensão do texto”.
“Foi uma das coisas mais libertadoras para mim descobrir que podia ver Deus como ‘Mãe’”, diz Ricardo, que nasceu filho único de mãe solteira. “Falar sobre Deus como ‘Pai’ realmente não me agradou”, admite ele. “Esta ideia de estar no seio de Deus é muito mais reconfortante e uma imagem muito mais real para mim”.
Algumas pessoas adoram acampar ao ar livre, inclusive no auge do inverno. Meu cunhado é um deles. Ele e seus amigos adoram comungar com a natureza, cozinhar em fogo aberto e dormir sob as estrelas. Eu fico feliz em fazer breves incursões ao ar livre para uma caminhada no inverno, mas à noite prefiro o conforto de casa a um saco de dormir irregular na terra dura. Embora meu cunhado e seus amigos façam isso por opção durante um fim de semana por ano, há pessoas em nossa cidade que não acampam por opção. É um choque ver pessoas vivendo em abrigos improvisados em escolas abandonadas, porões de igrejas, delegacias de polícia e no hotel vizinho ao meu, enquanto Chicago luta para abrigar os mais de 26 mil migrantes e refugiados que chegaram à nossa cidade e ao nosso país este ano.
Quando soube que a cidade tinha planos para construir várias cidades de acampamentos, só consegui pensar em como seria terrível acampar no inverno para pessoas acostumadas aos climas equatoriais. Na semana passada, algumas pessoas que moram ao meu lado usavam chinelos e shorts em um dia em que a máxima era de apenas 40 graus. O que o Encarnado que habita entre nós nos pede neste momento?
No evangelho de hoje, o versículo central do prólogo de João proclama exultantemente que Deus gosta de acampar conosco (o verbo grego eskēnosen significa literalmente “armou sua tenda”). Esta não é uma mensagem nova. Durante a peregrinação pelo deserto, quando os israelitas passaram da escravidão no Egito para a terra prometida, eles experimentaram a presença de Deus na tenda do encontro (Êx 25,8; Nm 35,34). O Deus de Israel não permaneceu parado num templo, mas viajou com o povo durante a sua permanência no deserto.
Esta experiência de Deus conosco assume uma dimensão nova e extraordinária quando o Santo habita conosco em carne humana, na pessoa de Jesus, caminhando conosco da maneira mais íntima possível.
A primeira parte do evangelho de hoje descreve um ambiente aconchegante que existiu desde o início entre Theos (Deus) e o Logos (Palavra). Os dois compartilham uma unidade e juntos se deleitam em dar à luz tudo o que veio a existir. A intimidade deles é fecunda; o seu amor não fica em casa, num círculo fechado, mas dá origem a tudo o que vive. O ato supremo de amor abnegado ocorre quando Deus derrama o amor divino na tenda da pele humana.
Assim como deixar uma casa robusta para acampar numa tenda de lona torna a pessoa vulnerável aos elementos e ao perigo, o mesmo acontece com Jesus ao vestir a carne humana. O prólogo de João já aponta para a sua rejeição e execução. Haveria aqueles que não reconheceriam o amor do Criador mascarado na carne humana. Eles não percebem a verdade de que o impulso divino é tornar-se um com os mais frágeis da humanidade. Jesus procura e identifica-se com aqueles que acampam à beira da pobreza.
Coisas extraordinárias podem acontecer ao acampar no deserto. Israel descobriu que quando a tenda de Deus foi armada com eles no deserto, foi um momento de provação e de lua de mel. Despojados de qualquer das maneiras comuns pelas quais poderiam prover para si mesmos, eles tiveram que confiar em seu Provedor divino até mesmo para sua existência física, dependendo do maná do céu e da água das rochas. No novo ato divino de “graça sobre graça” (Jo 1,16), o próprio Jesus torna-se Pão para um povo faminto e sacia toda a sede.
O surpreendente é que, embora o Logos tenha ido acampar com a humanidade, ele não saiu do lar que tem com Theos (Deus). Mesmo enquanto ele habita com a humanidade, ele ainda está “ao lado do Pai” (eis ton kolpon é literalmente “no seio” ou “seio” do Pai) (1,18). Aqui está uma imagem extraordinária: o Filho está no “peito” do Pai – é uma imagem da intimidade de uma mãe que amamenta com seu filho – essa mesma intimidade que Deus quer ter conosco, a mesma intimidade que é compartilhada entre Jesus e todos os seus discípulos, simbolizado na figura do Discípulo Amado sem nome, que na Última Ceia (13,23) se reclina ao lado de Jesus (literalmente, “no seio”, en toì kolpoì, de Jesus).
Na nossa celebração do Natal, não só nos regozijamos por Deus acampar conosco em forma humana, mas como seguidores de Cristo, também somos convidados a sair das nossas moradas confortáveis para armar a nossa tenda com os mais vulneráveis e necessitados nas nossas comunidades, enquanto descansamos sempre nas nossas um lar permanente: o seio do Santo.
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Manter viva a alegria do Natal na nossa pregação – mesmo no meio da guerra, da violência e da pobreza - Instituto Humanitas Unisinos - IHU