25 Setembro 2023
"A juventude trabalhadora, majoritária no labor dos aplicativos, recusa o padrão de trabalho fordista", escreve Cesar Sanson, professor na Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN na área da Sociologia do Trabalho.
Entregadores de aplicativos organizam um potente movimento para o fim deste mês e início do próximo. A motivação da greve está relacionada ao travamento das negociações entre trabalhadores e empresas em torno da regulação de trabalho que vem sendo debatida num Grupo de Trabalho – GT no âmbito do Ministério do Trabalho. Entre tantas palavras de ordem para a convocatória do breque dos APPs, uma das mais citadas é “Direitos sim, flexibilidade também”. Trata-se de um aparente paradoxo. Direitos e flexibilidade não combinam. Na literatura da sociologia e do direito do trabalho, a flexibilidade está associada à retirada de direitos. Assim tem sido ao menos nas últimas quatro décadas desde o governo FHC, quando começou um prolongado processo de flexibilização que vem solapando os direitos conquistados no período anterior.
Card convocatório para o breque dos Apps marcado para os dias 30 de setembro e 01 e 02 de novembro. (Foto: Divulgação)
A pá de cal da flexibilização foi a Reforma Trabalhista em que o princípio do legislado sobre o negociado assumiu centralidade nas relações de trabalho desfigurando por completo a CLT. As Centras Sindicais com a inauguração do governo Lula 3 chegaram a criar a expectativa de um possível movimento de revisão da Reforma Trabalhista que resgatasse a CLT dos escombros. Sabe-se que isto não acontecerá; eventualmente ocorrerá de modo pontual.
Neste contexto é que clama e assombra a palavra de ordem ‘Direitos sim, CLT não’ ou ainda ‘Direitos sim, flexibilidade também’ dos trabalhadores de aplicativos. A CLT sempre foi associada à inclusão, a cidadania, ao acesso a proteção social. Ter uma carteira assinada foi o sonho de gerações de trabalhadores pós-governo Vargas que a institui na década de 1940.
Uma interpretação aligeirada pode concluir precipitadamente que os trabalhadores de aplicativos não querem a CLT. Errôneo. Estes trabalhadores querem sim o conjunto de direitos que a CLT comporta, não querem porém a subordinação e a rigidez que a CLT conforma naquilo que foi denominado de fordismo.
O fordismo caracteriza-se pelo assalariamento, pela parcelização das tarefas, pelas jornadas padronizadas de trabalho e subordinação presencial e direta a um supervisor, chefe ou patrão. O fordismo ficou conhecido como o lugar-comum do “bater o cartão”, ou seja, jornadas de trabalho pré-determinadas, via de regra sempre no mesmo local e na mesma tarefa – repetitiva – e sob os olhares atentos do supervisor. A ilustração tantas vezes repetida e conhecida desta configuração é a de Chaplin no filme ‘Tempos Modernos’.
A juventude trabalhadora, majoritária no labor dos aplicativos, não deseja, recusa e refuta este modelo de trabalho. Ao contrário do que se possa pensar, não se trata de trabalhadores que foram seduzidos pela ideologia do empreendedorismo, de que agora são donos do seu negócio. Ao contrário, são conscientes das condições deletérias do trabalho a que estão submetidos, são conscientes do “autogerenciamento subordinado”, como afirma Ludmila Costhek Abílio, referindo-se ao novo “patrão invisível”, os algoritmos. Apenas não desejam, nestas condições adversas, mais uma delas: a fordização do seu trabalho.
Os trabalhadores de aplicativos querem a liberdade de logar e deslogar privilegiando, assim, a sua decisão de uso do tempo livre. Ao mesmo tempo exigem o reconhecimento de que no momento em que estão logados recebam um valor pré-determinado porque já se encontram na condição de subordinação ao aplicativo e, portanto, trabalhando. A este ganho por hora logada somam-se previdência, seguro saúde em caso de acidente, fim dos bloqueios unilaterais dos aplicativos e transparência dos critérios utilizados pelos algoritmos. Nas reivindicações estão postos os direitos da CLT, mas não em sua versão fordista.
Luta-se por dignidade com liberdade no uso do tempo.
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Direitos sim, fordismo não! - Instituto Humanitas Unisinos - IHU